Quando a bola gira, o mundo gira com ela, enquanto o futebol brasileiro tenta não perder o compasso
Foto: Lucas Merçon/Divulgação Fluminense FC
Por Gil Costa Moreira*
O Fluminense venceu, mas não convenceu. A virada por 4 a 2 sobre o modesto Ulsan HD, da Coreia do Sul, deixou claro que não há mais jogo fácil no futebol globalizado – nem mesmo contra adversários considerados frágeis.
O Tricolor saiu na frente, sofreu a virada ainda no primeiro tempo e só conseguiu retomar o controle da partida na etapa final, com mudanças táticas e lampejos individuais.
A vitória garantiu a liderança do Grupo F no Mundial de Clubes 2025, mas também acendeu o sinal de alerta: o futebol brasileiro ainda oscila entre o brilho e a desatenção.
E é nesse cenário de contrastes – entre o talento e a planilha, entre a paixão e a profissionalização – que o futebol brasileiro tenta encontrar seu lugar num mundo onde a bola gira cada vez mais rápido, e para onde o dinheiro aponta.
O Mundial de Clubes e o novo mapa da bola
Disputado nos Estados Unidos, o Mundial de Clubes 2025 reúne 32 equipes em formato inédito. O Brasil, com quatro representantes (Botafogo, Fluminense, Flamengo e Palmeiras) é o país com mais clubes na competição.
E até aqui, nenhum deles perdeu. O Botafogo venceu o PSG, o Flamengo superou o Chelsea, o Palmeiras segue invicto, e o Fluminense, mesmo com sustos, lidera seu grupo.
Mas os europeus ainda não mostraram suas cartas. Saindo de uma temporada exaustiva, muitos entraram com elencos mistos. A expectativa é que, a partir das oitavas, os titulares reassumam suas posições.
E aí, sim, o torneio deve ganhar contornos épicos, com confrontos que vão além do campo, com bons embates entre escolas, modelos de gestão e visões do mundo futebolístico.
Futebol e o consumidor
Enquanto a bola rola, outra disputa acontece fora das quatro linhas: a do modelo de gestão. O futebol, que um dia foi “do povo”, hoje é uma indústria como qualquer outra empresa.
Os clubes deixaram de ser “da torcida”, se que foram algum dia, para se tornarem ativos de mercado, com donos, CEOs e conselhos de administração. Alguns com um único proprietário, outros com fundos de investimento por trás.
É assim que o romantismo da arquibancada cedeu lugar à planilha. E isso não é necessariamente ruim, desde que se saiba o que se está vendendo.
Porque, no fim das contas, o produto ainda é o mesmo: futebol bem jogado. O torcedor aceita pagar ingresso caro, assinar streaming, comprar camisa nova a cada seis meses. Ok, mas precisa ser mais exigente, como todo consumidor consciente de seus direitos, para ver em campo algo que o emocione.
Algo que o convença de que ainda vale a pena torcer por algum clube-empresa.
Dilema crucial
O dilema é real: se não se profissionalizarem, os clubes brasileiros não sobrevivem. Mas, ao se profissionalizarem demais, correm o risco de perder a alma, de se tornarem apenas vitrines de talentos que se desfazem a cada temporada.
Podem virar máquinas de fazer dinheiro, mas incapazes de gerar pertencimento, de manter vivo o entusiasmo de torcidas ainda apaixonadas por seus clubes.
O futebol-arte, aquele que um dia encantou o mundo, ainda resiste, como se viu no gol de Igor Jesus após passe cirúrgico de Savarino, ou nos lampejos de Arias e Arrascaeta, Bruno Henrique.
Mas talvez seja hora de aceitar que ele não voltará como antes – e tudo bem. Afinal, o passado, quando tenta se repetir, costuma retornar como farsa.
O que importa agora é construir um presente com identidade, coragem e inteligência. E, sobretudo, com respeito ao torcedor-consumidor, que aos poucos vai entendendo que paixão não anula seus direitos.
O que esperar do mata-mata?
Os clubes europeus, ainda em modo de transição entre temporadas, entraram em campo com elencos mistos. Mas o Mundial não perdoa quem subestima.
Com brasileiros jogando com alma e estratégia, a próxima fase promete embates de alto nível — e talvez, reencontros históricos entre continentes que disputam não só taças, mas narrativas sobre o que é jogar futebol.
O mundo é uma bola e o futebol seu reflexo
Não é à toa que o futebol é o esporte mais popular do planeta. O mundo é uma bola, enquanto o futebol é seu espelho, pode-se dizer.
Nele cabem os petrodólares da Arábia Saudita, os semiprofissionais do Auckland City, os garotos sul-americanos que sonham com a Europa, os veteranos que voltam para encerrar a carreira em casa.
No futebol atual, cabe o VAR, a inteligência artificial, os sensores de impedimento e os tablets na beira do campo. Mas também cabe o grito da arquibancada, o drible improvável, o gol no último minuto.
Se o futebol está em transformação no mundo inteiro, no Brasil não pode ser diferente. As mudanças precisam acontecer. Isso para que a paixão, essa que ainda nos faz parar tudo para ver um jogo, continue pulsando com a força da torcida e do capital.
Afinal, como já se disse em outro campo de batalha: “é a economia, estúpido”. E assim é, quando o jogo para valer no mundo dos negócios é decidido entre planilhas e contratos bilionários.
*Gil Costa Moreira é jornalista e palpiteiro, apaixonado pelo futebol que busca a meta defendida pelo goleiro — esse estraga-prazer que só é bom quando joga no nosso time.