Em defesa do meio ambiente de Itabira
Como era bela a vista de Itabira do Matto Dentro
Foto: Miguel Bréscia/ Acervo do Arquivo Nacional/Rio.
A derrota incomparável começa em 1942 e recrudesce em 1997/2009 – II
Por Maria Alice de Oliveira Lage*
Itabira assistiu, passivamente, a saída de sua riqueza rolando pelas encostas do Cauê, Esmeril e Conceição. Itabira viu, silenciosamente, o fino cobrir suas várzeas e ilhou-se nas represas.
Itabira assistiu, pacificamente, a desfiguração de suas serras, a eliminação de sua vegetação natural e a intromissão de um reflorestamento industrial.
Itabira viu, lentamente, a agonia de seus mananciais. O ar de Itabira misturou-se ao pó de sua riqueza. Itabira cresceu e também cresceram os problemas sociais.
Mas Itabira no seu outono, ainda quer resgatar a sua identidade, embora mesclada com a mineração e seus reflexos na paisagem, na vida econômica social.
Pesquisando a população é reconhecida a dualidade existente entre a mineração e a cidade. A CVRD “modificou Itabira” (segundo 85,54% dos entrevistados); “a mineração gerou empregos, desenvolveu a cidade, contribuiu para o crescimento da população, mas descaracterizou o município nos aspectos paisagísticos, sociais e culturais”. (Pesquisa de Opinião Pública – 83/84 – FACHI).
O Codema de Itabira
O Codema de Itabira instalado recentemente inicia seus primeiros passos. A jornada é extensa, mas o órgão poderá vir a ser não só o Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente (Codema), e sim um caminho para descentralização e autogestão, despertando a democratização efetiva.
Despertando um potencial adormecido: a força de um povo. A proposta é de um eco desenvolvimento em harmonia com a natureza e seus ecossistemas, supondo profundas transformações sociais. É um desafio, seu êxito depende do respaldo popular.
O momento não comporta omissões ou neutralidade. A aglutinação dos membros do Codema e de todos os setores sociais poderá contribuir para que a Ecologia saia do “gueto” e se transforme em força política viva e atuante visando melhor qualidade de vida de uma comunidade.

O quadro institucional e legal
Enquanto na natureza existe uma interação constante entre os seus componentes, no Brasil existem múltiplas instituições e legislações estanques e conflitantes.
O próprio Código de Mineração arbitrário e reacionário atende aos interesses de grupos capitalistas sedentos de lucro, fomenta a exploração, o uso irracional de um recurso que é patrimônio coletivo, deixando à margem o homem.
Neste quadro alienador, a Lei Federal 7.347/85 vem dotar a Comunidade de um mecanismo capaz de resgatar para o grupo social os benefícios extorquidos através de arbítrio.
Assim se referiu o presidente da Associação Mineira do Ministério Público, Dr. Castellar Modesto Guimarães Filho, durante a instalação do Codema/Itabira, a esta lei:
“Resgatar a boa imagem de Promotoria de Justiça, que até então tem sido vista pela opinião publica como aquela instituição que só acusa o cidadão e não voltada à sua defesa, principalmente no que se refere ao patrimônio das comunidades”.
A Lei Federal 7.347/85 retornou para o Ministério Público a sua função que é a defesa dos Direitos Coletivos. Seria a sua reabilitação?
Com base nessa nova lei, o Primeiro Promotor de Justiça da Comarca de Itabira, Dr. José Adilson Marques Bevilacqua, instalou inquéritos com a finalidade de apurar as violações cometidas contra o patrimônio paisagístico, poluição atmosférica e desmatamento irregular de essências naturais no município.
O problema ambiental que se depara em Itabira não é apenas de poluição. É muito mais amplo e complexo. A sua resolução exige uma posição do sistema político, a mobilização popular, pois cada itabirano (estão aqui incluídos todos os filhos de Itabira e os que para aqui vieram e usufruem da riqueza da terra) deverá intervir, engrossar as fileiras na determinação dos destinos da cidade.
A luta por Itabira não pertence a grupos, mas a toda comunidade. Embora haja necessidade de uma planificação que coordene todos os esforços, essas definições deverão ser tomadas de forma democrática e com a participação de todos.
Os bens a atingir não poderão ser apenas materiais, mas também imateriais, gratuitos e coletivos. Assim existirá uma sociedade sem alienação e sem exploração, verdadeiramente humana.

Os novos valores
Ao se priorizar o “crescimento econômico” e o “progresso”, a natureza é encarada apenas como fonte de recursos, supostamente inesgotável e gratuita. O racionalismo econômico reduziu a natureza a uma coleção de matérias primas e o homem a um mero “fator de produção”.
A ideologia do “crescimento ilimitado” registra somente a criação positiva de produção econômica, não levando em conta a sua natureza social ou os seus efeitos sobre o ambiente.
Enfatizando os confortos do mundo moderno, o Homem aprendeu a consumir sem questionar, esquecendo-se dos conflitos entre as conveniências e a deterioração ambiental.
Como se poderá fazer uma alocação mais intensa e racional de recursos para Itabira?
Constituinte e Meio Ambiente, uma saída?
Na Assembleia Nacional Constituinte de Portugal de 1976, após a queda da ditadura salazarista, quando elegeram a nova Constituição portuguesa, foi proclamado pelos constituintes:
“Ao reconhecermos hoje o direito de todos os portugueses a uma melhor qualidade de vida e a um ambiente humano, estamos a responder às legitimas aspirações do povo português; mas estamos também a lançar um apelo urgente à capacidade de um povo para construir uma sociedade melhor, mais justa e mais solidária”.
Através da Assembleia Nacional Constituinte, os problemas que afligem o Meio Ambiente, e, a sua conservação, a sua reabilitação, a sua utilização racional deverão ser discutidos a nível popular.
A Constituição para ser legítima deve retratar as aspirações de um povo. A vontade do povo deverá estar aí expressa. Cada cidadão deve manifestar a sua vontade através de grupos, sindicatos, associações ou comunidades.
As discussões deverão mobilizar as comunidades, as soluções possíveis para as indicações ambientais surgirão da iniciativa, da criatividade e da solidariedade entre os cidadãos.
É necessário discutir, criticar, não só a nível de indivíduo, mas enquanto comunidades, trabalhadores, consumidores, moradores. O espaço da política, da economia e da sociedade deverão ser ocupados.
Apoio?
É hora de transição. Momento em que todos os esforços devem ser mobilizados em torno das reivindicações para Itabira. O assentamento popular é o mecanismo eficaz para que a reabilitação do meio ambiente em Itabira seja uma realidade.
“Não tampemos mais nossos ouvidos ao protesto que bilhões de seres humanos nos lançam repetindo o pretexto de Demóstenes a Alexandre, quando, este lhe ocultava o sol: Não me tires o que não podes dar”.
*Maria Alice de Oliveira Lage é professora da Faculdade de Ciências Humanas de Itabira e presidente do Codema/Itabira.
[Publicado no jornal O Cometa Itabirano, janeiro de 1986 – Pesquisa: Cristina Silveira]
A professora Maria Alice nos deixou o legado da vida boa, saudável. Agora fico pensando se é necessário um CODEMA para defender os destruidores da vida. Aqueles imbecis que acreditam que o melhor da vida é o dinheiro. Eles são ricos em moedas, no restante são da pobreza, da miserabilidade e morrerão pobres, pobres…
Saudações a Maria Alice, grandeza de Itabira.
Obrigada Cristina. Itabira é uma cidade que forneceu divisas para o Município, Estado e Governo Federal. Mas, infelizmente pouco foi realizado. As questões ambientais são grandes e a solução não existe. Carlos Cruz no jornal O Cometa e Vila de Utopia tem publicado bons textos sobre Meio Ambiente , estimulando a participação. Caminhamos pouco ,lembro ” A derrota incomparável começa em 1942 e recrudesce em1997/2009″ as palavras de Carlos Drumond de Andrade no JB em 24/ 11/ 1985 “Penso às vezes, cruamente, que Itabira vendeu sua alma à Companhia Vale do Rio Doce”.
Excelente a ideia da publicação dessa matéria. Nos idos de 80, a grande Maria Alice, na Fachi, explicava-nos, com entusiasmo, o que era o Codema . Nascia, assim, a ideia, por que não dizer, a esperança de que a Itabira do Matto Dentro, estaria, em parte,resguardada da cobiça e da ganância daqueles que aqui se instalaram e tentam, a
a todo custo, tirar dessa terra a possibilidade de ser a Itabira que merecemos. Foi-se o “matto”, ficou o “pó” e um monte de gente que segue Maria Alice e insiste, resiste e não desiste. Avoé, Alice.