Vale paga com doenças minério de Itabira

Foto ilustrativa e atual da poluição do ar em Itabira, que continua causando doenças respiratórias na cidade

Foto: Acervo Vila de Utopia

A derrota incomparável começa em 1942 e recrudesce em 1997/2009 – I –

“Penso às vezes, cruamente, que Itabira vendeu a sua alma à Companhia Vale do Rio Doce” (CDA).

 Chamada de capa do JB, edição de domingo, 24/11/1985

Quinhentos e cinquenta e um microgramas de poeira em suspensão por metro cubico no ar – mais do que o dobro do tolerável pelo homem – distanciam, cada vez mais, os dois filhos mais ilustres da mineira cidade de Itabira: a Companhia Vale do Rio Doce, que explora o seu minério de ferro, e o poeta Carlos Drummond de Andrade, que dela guarda apenas uma dolorida “fotografia na parede”.

O pó penetra nos pulmões de homens, mulheres e crianças, engordando as estatísticas de alergias e doenças pulmonares nos hospitais. As explosões abalam paredes e alicerces. E as professoras, na aula, repetem um texto de Drummond: “Penso às vezes, cruamente, que Itabira vendeu a sua alma à Companhia Vale do Rio Doce”.

Minério no ar de Itabira torna irrespirável a cidade do poeta

Uma dolorida “fotografia na parede” de seu mais ilustre filho – o poeta Carlos Drummond de Andrade – Itabira descobriu há dois meses, através de um inquérito sobre os males advindos da mineração, que, além de tudo, é uma fotografia empoeirada, com índices de até 551 microgramas de poeira em suspensão por metro cúbico de ar – mais do dobro tolerável pelo homem.

A concentração média anual suportável à vida humana é de 80 microgramas por metro cúbico e a concentração máxima da área é de 240, que não pode ser excedida mais de uma vez ao ano, segundo a Secretaria Especial do Meio Ambiente. Em cinco meses, desde junho, o índice máximo de concentração de poeira em Itabira foi ultrapassado pelo menos vinte e duas vezes.

O inquérito foi provocado pelo diretor do jornal O Cometa Itabirano, Carlos Eustáquio de Alvarenga Cruz, em requerimento ao promotor de Justiça José Adilson Marques Bevilacqua.

O superintendente das minas da CVRD-Companhia Vale do Rio Doce, Juarez César da Fonseca, teve de apresentar estudo da poluição do ar feito pela Ecopam-Engenheiros Consultores em Poluição Ambiental para a empresa, demonstrando que os limites tinham sido ultrapassados vinte e duas vezes.

Mas os efeitos sobre as pessoas, como os moradores de parte de cima da Vila Paciência, são muito mais cruéis do que impacto dos relatórios técnicos.

Sufoco e explosões

https://viladeutopia.com.br/wp-content/uploads/2023/05/detonacoes.jpg
A imagem é ilustrativa. Trata-se de uma detonação realizada em maio de 2023 no “Chapéu Chinês”, na Periquito, da Vale, em Itabira (Foto: Reprodução/Acervo Vila de Utopia)

Separada da Mina do Esmeril por uma estrada de terra, a área tem um aspecto triste, de abandono. Por causa da fina poeira de minério de ferro, todos mantêm fechadas as portas e janelas. Quando é dia de explosão, muitos preferem sair de casa, pois as paredes já apresentam rachaduras e trincamentos, ameaçando desabar.

José Araujo Gonçalves, aposentado da Vale, com 55 anos e morador na Vila, não se cansa de contar:

– As casas estão trincando, as vasilhas caem no chão, na hora do fogo, as crianças e os velhos vivem com gripe e pneumonia. Não adianta fechar as portas e janelas meia hora depois de qualquer limpeza, pode-se escrever com o dedo sobre o pó depositado nos móveis.

Os problemas eram menores há uns três anos atrás, mesmo para os moradores das casas ilhadas pela mina e a linha da estrada de ferro Vitória-Minas, da Vale. Quase não se trabalhava na mina e a Acesita enquanto explorou o minério, molhava as pistas de rolamento para fazer o pó baixar. Mas na realidade isso não adiantava muito.

– Quando meu filho mais velho nasceu – recorda Graça dos Santos, casada com José Romualdo, há 15 anos funcionário da Vale – teve de ficar uns sete ou oito anos em tratamento médico. A doutora Ermelinda, do Hospital Nossa Senhora das Dores, chegou a dizer para mudarmos de casa por causa da poeira levantada pelos caminhões dentro da mina.

O marido diz que terá de refazer toda a base da casa, abalada na parte de trás. Reclamou na Vale, mas há oito meses espera providências. Recebeu garantias de que as explosões seriam menos intensas, sempre às 11 horas. E acrescenta:

– O abalo continua o mesmo. Não mudou nada. Além disso, os caminhões rodam a noite inteira, fazendo barulho, e a gente não pode dormir.

Problemas de saúde

Uma vizinha de Romualdo diz que o filho de nove anos vive com alergia: “O corpo do menino todo pipocado e tenho de tratá-lo fora de Itabira”.

O diretor de O Cometa, que pediu o inquérito para saber o índice de poluição, diz que “a classe média esteve calada enquanto o problema não incomodou. Mas agora, ao que parece, aliou-se à classe proletária”.

O provedor do Hospital Nossa Senhora das Dores, médico Cesário Martins Carneiro, garante que tem aumentado “a incidência de doenças respiratórias e de alergia provocadas pelo pó”.

– Temos indicações de doenças respiratórias que chegam à tuberculose, com elevados índices em Itabira, indicando a poluição do ar como causa. Mas nunca recebemos, por parte da Vale, satisfação, nem mesmo agora, quando, por força da justiça, ela está fazendo medições dos índices de poluição – diz o médico do Centro Regional de Saúde, Jackson Alberto Pinho Tavares.

Ao lado das doenças respiratórias preocupam o médico Jackson Tavares os distúrbios mentais entre os empregados da Vale que trabalham em regime de turnos.

Segundo ele, existem operários das minas e das usinas de concentração que trabalham em turnos e apresentam “relógio biológico” alterado: “numa semana fazem refeições durante o dia, noutra à noite, e desequilibram o sono. Assim, chega a haver até 40 atendimentos médicos semanais de empregados da Vale com sintoma de alteração psicológica”.

Medidas em curso

Em seu depoimento ao promotor, o superintendente Juarez César da Fonseca disse que ainda não tem certeza sobre “o excesso de poeira na cidade, pois as medidas adotadas pela CVRD, no sentido de avaliar a poluição, ainda estão em curso”.

Explicou que a única técnica conhecida para diminuir a poeira é a irrigação das pistas de rolamento, “o que tem sido feito, mas em épocas de secas, a água seca rapidamente, provocando novamente poeira”.

De qualquer modo, 10 dias após a abertura do inquérito a Vale assinou contrato com sua subsidiária Florestas Rio Doce para a plantação de árvores nas áreas industriais e na cidade.

O promotor Bevilacqua remeteu o estudo à Fundação Centro Tecnológico, do governo estadual, para que emita um parecer, e requereu aos hospitais dados sobre doenças pulmonares na cidade, cujas professoras, na aula, sempre que podem recordam Drummond:

“Penso, às vezes, cruamente, que Itabira vendeu sua alma à Companhia Vale do Rio Doce, e que esta, ao retirar-se do município (o que vem fazendo ostensivamente, pela diversificação em empresas subsidiárias ou afiliadas, que se estendem até Carajás, no Estado do Pará) mal tem tempo para saber da existência do povo itabirano”.

[Jornal do Brasil (RJ), 24/11/1985. BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]

 

 

Posts Similares

1 Comentário

  1. Hoje, 9 de maio, a Rússia comemora os 80 anos da vitória da Grande Guerra Patriótica em que os bravos combatentes da União Soviética derrotaram a Alemanha nazista. Hoje Vila de Utopia publica um trecho da derrota incomparável de Itabira face a CVRD e Vale (muito pior).
    Saudações ao jornalista Carlos Cruz pela sua jornada incomparável na defesa de Itabira.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *