Exploração mineral em área estudada por Peter Lund gera controvérsia em Prudente de Morais (MG)
Caverna na Fazenda da Escrivânia
Foto: Alex Arreguy/ Divulgação
A extração de calcário pela mineradora Sandra Mineração em um local que foi objeto pelo “pai da paleontologia brasileira”, com cavernas e pinturas rupestres, preocupa moradores e especialistas
A empresa Sandra Mineração extrai calcário em Prudente de Morais, Minas Gerais, a pouco mais de 60 km de Belo Horizonte e tem gerado um intenso debate na cidade e nas redes sociais.
É que o local onde a empresa obteve o licenciamento ambiental, conhecido como Fazenda Escrivânia, é rico em sítios arqueológicos e paleontológicos, tendo sido objeto de estudos do dinamarquês Peter Lund, considerado o “pai da paleontologia brasileira”.
Moradores e especialistas estão preocupados com os possíveis impactos ambientais e culturais decorrentes das atividades minerárias, mostra reportagem do portal Bastidores da Mineração.
Recentemente, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais questionou o licenciamento das atividades da Sandra Mineração, destacando os potenciais riscos para a área histórica e cultural da região.
Impactos irreversíveis
O projeto da Sandra Mineração prevê “impactos negativos irreversíveis em 21 cavidades”, incluindo “17 de alta relevância”, com a caverna mais próxima da possível mina, estando a “menos de 250 metros de distância”. Além disso, há a possibilidade de existirem cavidades ainda “não catalogadas na área”.
O espeleólogo Anael Espeschit explica que existem vários critérios para avaliar a importância das cavernas, incluindo aspectos biológicos, físicos, arqueológicos, históricos e sociais. Esses critérios, segundo ele, são utilizados para atribuir uma pontuação às cavernas, determinando sua relevância local, regional ou até nacional.
Com base na pontuação, as cavernas são classificadas em diferentes níveis de importância: baixa, média ou alta. “Além disso, há cavernas de relevância máxima, que se destacam por possuírem características únicas, seja por seu valor histórico, local, regional ou nacional. Essas cavernas ímpares são consideradas únicas e, portanto, protegidas por lei, estando isentas de impactos irreversíveis”, pontua.
Além do “risco às cavidades”, a área de proteção ambiental federal Carste de Lagoa Santa está a “menos de cinco quilômetros do local planejado para a mineração”.
A mesma área, nas redondezas de Pedro Leopoldo e Confins, já foi alvo de controvérsia quando a cervejaria Heineken desistiu de instalar uma fábrica ali, devido à “pressão popular para proteger o patrimônio arqueológico e paleontológico”.
A proximidade das operações da empresa Sandra Mineração com o condomínio Portal do Horizonte tem gerado “preocupações crescentes entre os moradores”.
As atividades de extração de calcário levantam questões sobre “segurança, qualidade de vida e preservação ambiental na região”. Imagens aéreas mostram a curta distância entre o condomínio e a área de mineração, aumentando a apreensão dos condôminos.
Além das “perturbações sonoras e poeira”, há o medo de que as vibrações das explosões comprometam a estrutura das casas vizinhas. Muitos moradores, no entanto, “relutam em se manifestar publicamente por medo de retaliações”.
Outro ponto de aflição é a “possibilidade de a paisagem da Serrinha de São Sebastião se perder em meio às partículas de poeira” e a degradação paisagística. Esse local, tombado pelo município, é palco da tradicional “Festa de São Sebastião e do Luau da Serrinha”.
Os mapas abaixo mostram as áreas em que a mineradora tem a intenção de realizar a extração de calcário. Os perímetros estão demarcados pelas linhas na cor azul:
O professor de Geografia, Eduardo Teixeira, sublinha o valor científico e educacional da região. “A Fazenda Escrivânia é um verdadeiro laboratório a céu aberto. Oferece uma experiência educacional singular, possibilitando que os estudantes vivenciem a história e a ciência de maneira prática”, afirma.
Sob uma perspectiva científica, ele observa que a região revela sua notável importância paleontológica e arqueológica, especialmente devido aos descobrimentos do naturalista dinamarquês Peter Lund, que escolheu o Brasil como seu principal campo de estudo.
Lund explorou mais de 800 cavernas, coletando aproximadamente 12.000 peças fósseis, das quais 40% foram retiradas da Escrivânia. Isso ilustra o valor inestimável desse local, que continua a ser uma rica fonte de conhecimento sobre a história da ocupação humana e a evolução da biodiversidade na região.
Teixeira destaca também os potenciais turísticos e pedagógicos da área, que vão além de sua relevância científica. “A Fazenda Escrivânia oferece uma oportunidade única para atividades educacionais, permitindo que alunos e pesquisadores vivenciem diretamente o ambiente de estudo.”
Resposta da Sandra Mineração na íntegra
“A Mina da Limeira, da Sandra Mineração, encontra-se regularmente licenciada pelo Estado de Minas Gerais e seus impactos ambientais foram devidamente avaliados pelo órgão licenciador, no âmbito de um processo de licenciamento ambiental próprio, fundamentado em diversos estudos técnicos que avaliaram vários aspectos, como fauna, flora, patrimônio espeleológico, entre outros.
Como resultado das análises realizadas e das medidas adotadas pela empresa, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou as concessões: (i) em 2020, a licença para a instalação do empreendimento e (ii) em setembro de 2024, a licença para sua operação.
Tais decisões foram unânimes, contando, portanto, com manifestações favoráveis de representantes do poder público, do setor privado e da sociedade civil. A robustez desse processo foi, inclusive, reconhecida pelo Poder Judiciário.
Embora o Ministério Público tenha questionado em juízo a regularidade do licenciamento ambiental do empreendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no início deste mês de outubro, entendeu que as atividades da Sandra Mineração na Mina da Limeira estão regularmente amparadas em licenças ambientais e atos autorizativos válidos e que não houve constatação de qualquer dano ambiental.
Portanto, tanto a Administração Pública quanto o Poder Judiciário reconheceram a regularidade das atividades desenvolvidas na Mina da Limeira. Apesar da regularidade apontada pela empresa, há preocupações sobre a ameaça ao patrimônio cultural da Fazenda Escrivânia, um local de riqueza histórica e arqueológica.
A área, famosa por seus sítios arqueológicos e paleontológicos, foi estudada pelo paleontólogo dinamarquês Peter Lund. Descobertas significativas, incluindo fósseis e pinturas rupestres, destacam a importância da preservação do local.”
Questões críticas ainda sem respostas
Após a manifestação da empresa sobre o licenciamento ambiental de suas atividades em Prudente de Morais, a reportagem enviou outros questionamentos. Foi perguntado, quais as visões dos gestores da empresa acerca dos impactos negativos no local, de grande importância para a paleontologia.
Outra questão importante é saber quais medidas específicas estão sendo implementadas para mitigar os impactos ambientais negativos na Fazenda Escrivânia e no Maciço da Limeira. É preciso que fique claro também como a empresa pretende preservar os sítios arqueológicos e paleontológicos importantes na área de mineração.
Outro ponto importante é saber se há um levantamento de pinturas rupestres e fósseis encontrados na região, quais são os canais de comunicação disponíveis com a comunidade local sobre suas atividades e impactos.
E ainda, se já existe plena exploração de calcário na Fazenda Escrivânia e quais medidas serão implementadas para a preservação da Serrinha de São Sebastião, um patrimônio tombado.