Vale detém 75,25% das outorgas de água em Itabira e deixa historicamente a cidade à míngua com apenas 19,18%

Foto: Carlos Cruz

Graduando da Unifei comprova em pesquisa o que Itabira já sofre há décadas com a falta de água diante do quase monopólio da mineração, o que desmantelou a economia diversificada que existia no passado no município

No atropelo do que dispõe o Código das Águas (Decreto Federal 24.643, de 10 de julho de 1934), que prioriza o abastecimento público seguido da dessedentação de animais, para só depois atender à demanda da agricultura e da indústria, incluindo a mineração, em Itabira ocorre o inverso.

É o que dispõe também a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Entretanto, essa legislação federal não tem validade para Itabira.

Em Itabira, historicamente a legislação federal não tem validade. Na cidade, a água de classe especial é usada para lavar minério de ferro e para outras finaliddes, como “apagar” a poeira da mineração, enquanto a população consome água turva de mananciais poluídos, com caro tratamento necessário para servir uma água minimamente potável à população.

Esse quase monopólio, já exaustivamente informado por este site, é agora demonstrado com fartos dados em monografia do graduando da Unifei em Engenharia Ambiental, Matheus Henrique Marques, sob o título Análise de Outorgas de Uso da Água Pela Mineração na Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba.

Ao analisar as outorgas de água em oito municípios minerados da Bacia do Rio Piracicaba, Marques identificou que a mineração detém 75,25% das águas outorgadas em Itabira, enquanto o volume disponível para consumo humano é de apenas 19,18%.

Impactos no consumo e diversificação econômica

Essa situação explica, em grande parte, a crônica e recorrente falta de água na cidade, o que além de prejudicar a população, tem sido um dos grandes gargalos para a diversificação da economia local, principalmente na atração de indústrias que demandam grande volume desse imprescindível insumo.

Somente a partir de 2026 é que finalmente esse entrave deve ser resolvido, com a captação em atraso de pelo menos duas décadas, de água do rio Tanque, por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que a mineradora firmou com o Ministério Público de Minas Gerais.

Água subterrânea e superficial

De acordo com o estudo de caso, constante da monografia do graduando da Unifei, a mineradora Vale é detentora da maior parte das outorgas de água subterrânea consumida no entorno da cidade, com um volume de água subterrânea de 1.785.537,60 m³/h (23,81%).

Isso enquanto as demais indústrias, a agropecuária e outras finalidades não somam 9% do volume utilizado de água subterrânea, com 38 outorgas.

Já o consumo de água superficial proveniente da captação de rios, ribeirões, córregos e outros afluentes está quase completamente outorgado à mineradora Vale, com 88,72% do volume consumido em Itabira destinado a esse setor da economia.

A mineração também concentra o número de outorgas desse tipo, com 42 concessões. Dessas, entretanto, apenas três possuem uso efetivo de água, sendo 39 outorgas com finalidades diversas, como construção de barramento, canalização e obras de drenagem.

No total, em Itabira a mineração é responsável pelo maior volume consumido de água outorgada em metros cúbicos por hora. “A principal finalidade destas outorgas para mineração é a retirada de água dos aquíferos e corpos hídricos para rebaixamento de solo e uso industrial no beneficiamento do minério.”

Em síntese, e repetindo exaustivamente: o volume de água consumido pela Vale em Itabira é de 27.184.372,80 m³/h, o que corresponde a 75,25% da vazão outorgada no município de Itabira, enquanto o consumo humano fica com 19,18% do volume total consumido.

Fonte: IDE – Sisema, elaborado pelo autor

Sobras

O uso industrial das demais outorgas registradas teve uma vazão total de 1.000.999,66 m³/h, representando apenas 2,77% do volume outorgado no município, o que reforça a baixa diversificação econômica do município dependente da mineração.

O dado é ainda reforçado pela quantidade de água outorgada para fins agropecuários, que corresponde à menor quantidade, com apenas 1,23% do uso, assim como outros fins que correspondem a 1,57% do volume consumido no município.

Segundo o autor em suas conclusões, o conhecimento sobre as outorgas concedidas em uma bacia hidrográfica, em relação ao volume outorgado e a sua localização, tem como objetivo diagnosticar a demanda pelo uso dos recursos hídricos.

É o que “permite compatibilizar o uso entre os diversos usuários, garantindo o direito igualitário ao acesso à água e promovendo uma gestão sustentável”. Só que isso, como foi demonstrado, não acontece em Itabira – e faz parte da dívida histórica da Vale com o município, que dificilmente será um dia quitada, a menos que o itabirano saia da letargia imediatamente.

Mas isso não é exclusividade de Itabira: após a coleta e análise dos dados, o autor conclui que, dentre os municípios do médio Piracicaba, oito apresentam atividades minerárias. E, dentre eles, cinco obtiveram valores outorgados maiores para mineração do que para outros tipos de uso, incluindo o consumo humano.

Distribuição irregular e desperdício

O estudo evidencia a distribuição irregular da água nesses municípios, não favorecendo o uso múltiplo das águas, afetando a distribuição para consumo humano e prejudicando a ascensão de outros empreendimentos.

Outro fato analisado foi a grande quantidade de extração de água especial para utilização nos processos minerários, já que as águas contidas em aquíferos são de classe 1 devido ao seu alto nível de pureza, sendo ideais para consumo público, mas muitas vezes utilizadas de forma que leva ao desperdício.

São esses recursos dos aquíferos que foram, no início deste século, prometidos pela Vale como “legados da mineração” que ficariam para o consumo na cidade, assim que exaurissem as Minas do Meio, o que em boa parte já ocorreu em meados da década passada.

Só que, com a disposição de rejeitos nessas cavas exauridas, não se fala mais nessa possibilidade, sendo essa uma das razões que forçou a Vale a assinar e assumir os custos para a efetivação do que está disposto no TAC do Rio Tanque.

É assim que os “legados da mineração” que estariam disponíveis com a exaustão das Minas do Meio, e que vem a ser o acesso pela população dessa água subterrânea de classe especial, foi para as calendas gregas.

Resta à cidade, a transposição de água do rio Tanque, que está minguando ano a ano, precisando ser urgentemente socorrido.

Acesse a pesquisa completa com o trabalho de conclusão de curso do graduando da Unifei aqui.

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1 Comentário

  1. Me diga, um único dia em está maldita empresa não tenha cometido crime em Itabira? Não existe este dia. A Vale
    é dirigida por gente atrasada e ignorante, portanto ….

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