Licença ambiental do projeto rio Tanque inclui a reposição de árvores nativas, mas não aborda a recuperação da mata ciliar

Foto: Reprodução/
Aecom Engenharia

É imperativo iniciar imediatamente a recomposição da mata ciliar desde a nascente do rio Tanque, garantindo assim a preservação desse recurso hídrico vital para as futuras gerações

O projeto de transposição de água do rio Tanque, aprovado pela Unidade Regional de Regularização Ambiental (URA) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), prevê a captação de 600 litros por segundo (l/s).

Esse volume é três vezes superior ao especificado no projeto original de parceria público-privada, aprovado pela Câmara Municipal em 2019 e sancionado pelo ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-2020).

Segundo a sua classificação, o rio Tanque é considerado de terceira ordem, sendo afluente pela margem direita/Sul do Rio Santo Antônio, que por sua vez é afluente pela margem esquerda/Oeste do Rio Doce. Possui extensão aproximada de 124 quilômetros, com perímetro de  264 quilômetros e área de contribuição da bacia de drenagem 1.793,30 quilômetros quadrados.

A outorga nº 11728/2022 permite a captação de água do Rio Tanque por 10 anos, podendo ser prorrogada, com uma vazão de 600 l/s para consumo humano e industrial.

A outorga é do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), de Itabira, mas o pedido de licenciamento está sendo conduzido pela Vale, que financiará a captação, adução e a construção da nova Estação de Tratamento de Água (ETA) na região da Pousada do Pinheiro, bairro Campestre.

Com base no Relatório Ambiental Simplificado (RAS), foi recomendada e deferida a Licença Ambiental Simplificada (LAS) para a transposição, tratamento e distribuição da água do rio Tanque para consumo urbano e industrial.

No entanto, antes da emissão da autorização de funcionamento da nova ETA, deve ser comprovada a implementação de todas as medidas para a reposição florestal.

Consumo industrial

No parecer técnico da outorga consta que o consumo industrial de água no Complexo Minerador de Itabira, conforme relatório elaborado pela consultoria WALM Engenharia LTDA em dezembro de 2021, é estimado em 0,743 m3 por tonelada de minério, com projeção de consumo de 915 l/s a partir de 2025.

Atualmente a captação de água para abastecimento do Complexo Minerador de Itabira é proveniente de captação superficial nas barragens de Santana, Rio do Peixe, Pontal e Conceição (558,2 l/s), além de captação subterrânea nos poços das Minas do Meio, Conceição e  Cauê (307,4 l/s) totalizando 865,6 l/s.

Desta forma será necessária a complementação de, pelo menos, 49,4 l/s que devem ser supridos por esse sistema de captação do Rio Tanque.

A previsão de que parte da transposição pode suprir a demanda industrial da Vale está detalhada no Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado em 25 de maio de 2020 pela mineradora com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

O TAC se baseia na Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433/1997, que prevê o uso múltiplo das águas, priorizando o abastecimento público em situações de escassez hídrica, “desde que não prejudique a quantidade de vazão necessária para suprir a demanda de consumo humano no município de Itabira”.

Como compensação pelo uso industrial, todos os custos de captação e adução até a ETA serão cobertos pela mineradora. O novo sistema de captação será transferido integralmente para o Saae assim que o consumo na cidade atingir 600 l/s, momento em que a autarquia assumirá todos os custos da transposição.

Segundo o parecer técnico da URA, a vazão solicitada e autorizada de 600 l/s, corresponde a 40,9% da disponibilidade hídrica, que é de 1.467, l/s. “Portanto, a condição legal para captação superficial está atendida”, admite o órgão ambinental licenciador.

Nova estação de tratamento

O projeto prevê a construção de uma nova Estação de Tratamento de Água (ETA) no Alto da Pousada do Pinheiro, com previsão de operação para o final de 2026 ou início de 2027, caso não ocorram atrasos na execução.

Até lá, serão mantidos os reforços com água captada dos aquíferos e outorgas da mineradora, conforme o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público de Minas Gerais e os acordos entre o Saae e a Vale.

Esses reforços são essenciais para Itabira enfrentar a escassez hídrica até que a água do rio Tanque comece a jorrar nas torneiras da cidade.

O projeto foi declarado de utilidade pública pelo governador Romeu Zema por meio do Decreto nº 712 de 15 de outubro de 2024.

Essa declaração não se deve à escassez hídrica na cidade, agravada pelo quase monopólio das outorgas pela Vale, mas por seu interesse nacional, no caso, da mineração. É o que está no decreto.

Nascente do Rio Tanque na Serra das Bandeirinhas, região limítrofe ao Parque Estadual da Serra do Cipó, no distrito de Senhora do Carmo, Itabira (Foto: Marcelo Pinheiro)

Supressão de vegetação

A licença ambiental, concedida nas modalidades LAC 1 LP+LI+LO, prevê a supressão de 10,276 hectares de vegetação da Mata Atlântica. Serão suprimidos 0,0554 hectares em área urbana e 9,4295 hectares em área rural.

Áreas de pastagens e árvores isoladas totalizam 33,4336 hectares, incluindo 2,7583 hectares em áreas de preservação permanente (APP).

Como compensação ambiental por supressão de vegetação secundária de Mata Atlântica, serão destinados 18,7428 hectares para o plantio de espécies nativas.

O licenciamento não impõe, como medida compensatória, a recomposição da mata ciliar e a proteção dos afluentes desde a nascente, no Parque Municipal Alto do Rio Tanque, na Serra dos Alves, povoado do distrito de Senhora do Carmo.

Essa medida, essencial para prevenir o assoreamento de seu leito e garantir a vazão do rio, não foi incluída como sugestão na declaração de conformidade encaminhada ao órgão ambiental estadual pela Prefeitura de Itabira, após aprovação pelo Conselho Municipal de Defesa Ambiental (Codema).

Contudo, essa ação precisa ser adotada pela administração municipal, seja pela Prefeitura, por intermédio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, ou pelo Saae.

Licenciamento e impacto ambiental

Conforme o Decreto nº 47941/2020, a ETA Tanque não está sujeita à realização do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

O estudo concluiu que não haverá impacto na beleza cênica das unidades de conservação (UCs) próximas e que a captação de água não afetará a prestação de serviços ambientais.

A ETA Tanque está nas zonas de transição e amortecimento da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e da Serra do Espinhaço (RBSE). O estudo não identificou comunidades tradicionais próximas nem impacto em manifestações culturais ou turísticas.

Redução de perdas de água

Para diminuir a perda de água no sistema de captação e distribuição, estimada em cerca de 40%, são relacionadas medidas para reduzir as perdas de 37% para 25% até 2042.

Para isso, o Saae terá que fazer o controle de pressão na rede, substituição de redes antigas, troca de hidrômetros, impermeabilização de reservatórios, instalação de macro medidores, treinamento de funcionários e adequação do sistema supervisório.

Fauna e Flora

Biguá (Phalacrocorax-brasilianus), ave ameaçada de extinção, fotografada à margem do Rio Tanque (Carlos Cruz)

O estudo registrou espécies ameaçadas e endêmicas, classificando a região com alta prioridade de conservação, incluindo apifauna, herpetofauna, avifauna e mamíferos.

Um relatório periódico será apresentado para acompanhar as ações mitigadoras, incluindo metodologia, frequência do monitoramento, resultados e ações corretivas.

Espécies

Ameaçadas: Euterpe edulis, Dalbergia nigra, Cedrela fissilis, Plinia edulis, Apuleia leiocarpa

Protegidas: Handroanthus chrysotrichus, Handroanthus ochraceus

Espécies Identificadas

Total: 120 espécies, 44 famílias, 96 gêneros

Vulneráveis e Ameaçadas: Dalbergia nigra, Machaerium brasiliense, Melanoxylon brauna, Ocotea odorifera

Rara: Guatteria sellowiana

Similaridade com a área de intervenção

A área de compensação possui espécies ameaçadas similares à área de intervenção, como Apuleia leiocarpa, Dalbergia nigra e Melanoxylon brauna. A família Fabaceae é a mais representativa.

Estrutura e composição da floresta

Espécies principais: Mabea fistulifera, Plathymenia reticulata, Byrsonima sericea, Tachigali rugosa, e indivíduos mortos

Distribuição de altura: Maioria no estrato intermediário da floresta

Distribuição aiamétrica: Padrão J-invertido, indicando alta concentração de indivíduos nas classes de menor diâmetro

Serão monitoradas a diversidade de espécies, presenças de espécies exóticas invasoras, espécies ameaçadas de extinção, mortalidade das mudas plantadas, altura média das mudas, cobertura de copa e gramínea, e distribuição dos grupos de plantio.

O rio Tanque passando pelo povoado do Bongue, nasce limpo e vai sendo impactado em seu percurso por falta de mata ciliar em vários trechos e também por efluentes ainda não tratados (Foto: Marcelo Pinheiro)

Propostas mitigadoras

Programa de resgate da flora: Minimizar impactos da supressão vegetal e conservar recursos genéticos e biológicos.

Reintrodução das mudas: Nas áreas designadas para compensação em Itabira.

Monitoramento: Execução de programas de monitoramento da fauna, flora, ruído, vibração, qualidade do ar e das águas superficiais.

Características ecológicas e intervenção em APP

Segundo o relatório do órgão ambiental estadual, as características ecológicas foram comprovadas pelo empreendedor, atendendo aos requisitos legais para a supressão de vegetação.

“A área destinada à compensação deve ser averbada às margens da matrícula 36581”. Intervenções em APP, incluindo a supressão de vegetação, são permitidas pela Lei Estadual nº 20.922/13 para obras de utilidade pública.

Resumo das intervenções ambientais

Informações Gerais

Município: Itabira

Responsável pela Intervenção: Vale S.A.

Protocolo: 2090.01.0004752/2024-92

Bioma: Mata Atlântica

Área Total Autorizada: 47,5989 hectares

Decisão: Pelo deferimento

Detalhamento das intervenções ambientais

  1. Supressão de Cobertura Vegetal para Uso Alternativo do Solo

Área Autorizada: 9,3714 hectares

Fitofisionomia: Floresta Estacional Semidecidual em estágio médio

Rendimento Lenhoso: 1.192,2013 m³ de lenha e 1.495,6302 m³ de madeira

Validade: 6 anos

  1. Corte ou aproveitamento de árvores isoladas

Quantidade autorizada: 1.661 em 30,6753 hectares

Fitofisionomia: Antropizado

Rendimento Lenhoso: 106,5883 m³ de lenha e 336,9063 m³ de madeira

Validade: 6 anos

  1. Intervenção em APP com e sem supressão de vegetação nativa

Área autorizada: 9,4134 hectares

Fitofisionomia: FESD médio em 2,4839 ha e antropizado em 6,9295 ha

Rendimento Lenhoso.

Saiba mais

Acesse aqui a íntegra do Parecer Tecnico ETA Tanque

 

 

 

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