Esta moça esconde o pecado
Maria Teresa Campos, manequim Itabirana
Foto: Dílson Martins Reprodução/BN-Rio
Por Geraldo Magalhães
Seduzir um padre, que se apaixona por ela e a rapta, fugindo da perseguição da polícia de vários estados, é a missão que esta moça, mineira de Itabira, terá de cumprir para chegar à fama: ela está se preparando para rodar o seu primeiro filme – O Padre, A Moça – baseado num poema lírico-dramático de seu conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, que conta uma história acontecida de verdade, há muitos anos, no sertão do Nordeste.
Enquanto se prepara, no Rio, para se transformar numa atriz, Maria Teresa Campos vive a emoção da espera do dia em que fará, no cinema, o papel de uma mulher fatal que desafia, com seu amor, a religião e a lei. Ela viverá na tela um poema de Drummond.
Além de se adaptar bem ao papel que a espera no cinema, ela tem outra afinidade com o filme: Terezinha é conterrânea do autor do poema que originou a história, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Maria Teresa Campos fará sua primeira experiência no cinema sendo raptada por um padre: antes de viver o papel da moça, ela trabalha como manequim profissional no Rio.
Como quase sempre acontece com as teresas da literatura – entre elas a Teresa Raquin, de Zola –, Maria Teresa Campos traz na voz, nos gestos e no rosto, aquele tom meigo e carinhoso que atrai os homens, mas depois acaba levando-os a uma tragédia: é precisamente assim, com seu jeito feminino e seu olhar de ingênua, que ela seduzirá um padre na sua primeira experiência cinematográfica, como a intérprete principal do filme O Padre, a Moça, baseado num poema de Carlos Drummond de Andrade, publicado no livro Lição de Coisas.
Mas além de sua identificação pessoal com a personagem, há um outro laço que a une à história do filme: é que ela é mineira de Itabira, cidade onde nasceu o autor do poema que forneceu o enredo para a sua obra de estreia no cinema.
Enquanto espera a filmagem e faz os testes de fotogenia e interpretação, Terezinha Campos trabalha no Rio como manequim profissional das grandes maisons cariocas, e como modelo de anúncios para agencias de propaganda.
A história de O Padre, a Moça é simples, mas intensamente dramática, e aconteceu no sertão do Nordeste. O vigário de uma cidadezinha do interior apaixonou-se por uma moça e fugiu com ela.
O escândalo agita o lugar, a igreja é fechada, as beatas fazem o padre-nosso, achando que chegou o fim do mundo. As autoridades eclesiásticas agem depressa, tentando abafar o caso, enquanto a família da mocinha põe a polícia no rastro dos dois amantes.
“Em pé no caminhão da BR-15/ Com seu rosário na mão/ Lá vai o padre/ Lá vai/ e a moça vai dentro dele/ é reza de padre”/, conta Drummond no seu poema.
A fuga prossegue de cidade em cidade, de estado em estado, de noite e de dia: os personagens, acuados como bichos, vão vivendo o seu drama íntimo, condicionados por uma realidade inteiramente nova, na incerteza de se tornarem marginais da sociedade, com a dúvida da maldição divina. E de vez em quando a tristeza chega:
“Tudo engoiva ao redor./ Não, Deus é astúcia,/ Deus é espinho/ e está fincado no ponto mais suave deste amor”. Em alguns instantes, a moça começa a duvidar da autenticidade do amor: “Padre, sou teu pecado, tua angústia?/ Padre, me roubaste a donzelice/ ou fui eu que te dei o que era dável?/ Padre, não me digas que no teu peito amor guerreia amor/ e que não escolheste para sempre”.
O Demônio costuma surgir diante dele, mas já não é mais possível qualquer tentação naquelas circunstâncias. Outras vezes, é o vazio:
“Quando lhe falta o Demônio e Deus não o socorre/ quando o homem é apenas homem,/ no espaço sem raízes”./ Mas também o êxtase do amor maldito: “ao relento, no sílex da noite/ os corpos entranhados e transfundidos,/ sorvem o mesmo sono de raízes,/ difusa nos dois a prima virgindade,/ a oclusa graça”.
Uma noite, de repente, a moça foge. Mas é apenas um susto, porque, depois do terceiro canto do galo, “no barro vermelho da alva/ a mão descobre o dormir da moça/ misturado ao dormir de padre”.
Um dia, cansados da estrada e da vida errante, o padre e a moça resolvem voltar à cidadezinha de onde tinham fugido, para viver de novo com as pessoas que os renegaram:
“A moça, o padre se fartam/ da própria gula de amar./ O amor se vinga, consome-os, /laranja cortada no ar./ Ao fim da rota poeirenta/ ouve-se a igreja cantar./ Mas cerraram-se as portas/ e o sino entristece no ar./ O bispo se recusa a dialogar com o raptor, ninguém mais quer saber deles. A fuga continua, então, pelo mundo a fora, “e de tanto fugir já fogem não dos outros, mas de sua mesma fuga a distraí-los.”
O final do poema de Drummond – e que será, também do filme – descreve a chegada dos amantes a uma gruta onde se escondem, recebendo o perdão divino. Lá fora, no silêncio da noite, os seus perseguidores se ajoelham diante da benção de Deus.
[Alterosa (MG), 1963. Hemeroteca BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]
Nota da Redação: a atriz itabirana Maria Teresa Campos acabou não sendo escolhida para viver o papel de Mariana, a moça sequestrada, em O Padre e a Moça, filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e lançado em 1966, baseado no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade. Os principais atores do filme são Helena Ignez, que interpreta Mariana, e Paulo José, que interpreta o padre.
Sempre as pesquisas bem feitas pela competente Cristina Silveira. Texto excelente! YCarlos Cruz, como editor, você nunca pensou em fazer uma garimpagem desses posts da Vila da Utopia e publicá-los em forma de livro? Há muitos textos bons e só falta um bom projeto gráfico. Até a revisão de tecto parece dispensável. Abraços
Caro Teófilo, parece que o Carlos e uma outra pessoa estão pensando nisso…. Entra na roda, cara. Inté
Marque um café que vou aí dar uns pitacos. Afinal, livro é meu objeto de pesquisa e ele é o suporte que dá materialidade ao texto. Vamos conversar sim, posso fazer uma curadoria para vocês.