Marcos Antônio Noronha, ex-bispo de Itabira, é homenageado em missa solene na Catedral pelo seu centenário de nascimento
Fotos: Acervo do Cometa/ Rodrigo de Oliveira
Celebrada pelo bispo da Diocese de Itabira/Fabriciano, dom Marco Aurélio Gubiotti, a missa solene desse domingo (22) lembrou os 100 anos de nascimento do primeiro bispo de Itabira, o ex-padre e professor Marcos Antônio Noronha (1924-98).
Segundo dom Gubiotti a homenagem é mais que merecida pelo legado que o ex-bispo deixou na diocese. “Marcos Noronha teve papel importantíssimo na história da nossa Diocese, por isso é mais que necessário honrarmos a sua memória nessa celebração dos 100 anos de nascimento”, salientou o bispo itabirano, que fez questão de destacar a presença de padres representantes dos três vicariatos que compõem a diocese.
“Fato raro, pois sendo um domingo, não é fácil para eles saírem das paróquias com as suas ocupações pastorais”, registrou o bispo diocesano. Outras presenças ilustres foram de religiosas, seminaristas, amigos e familiares de Marcos Noronha: a viúva Zélia Quintão Froes, que é de Ferros, hoje reside em Belo Horizonte, veio a Itabira acompanhada do sobrinho Rômulo Noronha.
Conforme recordou o bispo diocesano, Marcos Noronha foi responsável e incentivou a formação das primeiras comunidades eclesiais de base (CEBs) no país, após o Concílio Vaticano II, importante assembleia da Igreja Católica, realizada entre 1962 e 1965, convocada pelo papa João XXIII. Foram das CEBs que surgiram as atuais associações dos bairros de Itabira.
Em entrevista ao jornal O Cometa, na edição de dezembro de 1980, Marcos Noronha contou como eram as reuniões com as nascentes lideranças comunitárias. “Eram reuniões calorosas, todos queriam o bem coletivo, ninguém pensava e agia em causa própria”, disse o ex-bispo, para em seguida perguntar.
“Eu me lembro de um desses líderes comunitários, o Zé Gominho. Vocês sabem por onde ele anda?”, indagou o ex-bispo aos entrevistadores de O Cometa. Zé Gominho era o diminutivo carinhoso pelo qual Marcos Noronha tratava o líder comunitário José Gomes Vieira, atual presidente do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Itabira.
O ex-bispo e a Teologia da Libertação
Marcos Noronha nasceu em 3 de outubro de 1924, na pequena cidade de Areado, no sul de Minas, a 90 quilômetros de Guaxupé, onde estudou e sagrou-se padre. Em 7 de junho de 1965 foi nomeado o primeiro bispo da Diocese de Itabira, ainda sem a junção com Coronel Fabriciano.
Adepto da Teologia da Libertação, que surgiu após o Concílio Vaticano II , ele fez da Diocese de Itabira pioneira na implantação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), primazia que divide com a cidade Crateús (CE), conforme relata o brasilianista Thomas C. Bruneau, em seu livro Catolicismo Brasileiro em Época de Transição, publicado em 1974.
Nesse livro, Bruneau aborda as relações históricas da Igreja Católica brasileira com o Estado, com períodos de longa convivência – e conivência, separação e conciliação com Getúlio Vargas, e novamente de ruptura durante a ditadura militar (1964-85).
As CEBs eram grupos de reflexão ligados à igreja Católica com o propósito de entender e transformar a realidade das comunidades por uma vida melhor aqui na Terra, contrapondo-se às expectativas de que o paraíso só existiria após a vida terrena, em uma dimensão celestial.
Noronha ficou pouco tempo à frente da Diocese de Itabira, renunciando ao episcopado – e posteriormente ao sacerdócio, em 2 de novembro de 1970. Seis anos depois, casou-se com a ferrense Zélia Quintão Froes. Faleceu aos 73 anos, em 16 de fevereiro de 1998, vitimado por uma trombose cerebral, em Belo Horizonte, onde residia.
Amor à Itabira
Mesmo depois de renunciar, Marcos Noronha não se esqueceu da cidade que o recebeu com uma calorosa recepção no trevo de acesso à cidade, na hoje BR-381, como primeiro bispo da Diocese de Itabira, que acabara de ser criada.
“Cheguei com uma capa roxa e achava que devia ter chegado com mais simplicidade. Naquele dia, com toda a multidão em minha volta, uma emoção profunda tomou conta de mim. Levei absolutamente a sério o fato de ser o primeiro bispo de Itabira”, disse ele na entrevista ao jornal O Cometa.
Na mesma entrevista, ele recordou que, um pouco antes de sua posse, um colega padre lhe escreveu uma carta dizendo que ele iria assumir a Diocese de Itabira e que teria uma “esposa” operária. “A Diocese de Itabira é operária”, classificou o ex-bispo, por ser a cidade eminentemente proletária, com a população formada majoritariamente por trabalhadores mineiros.
“Esse mesmo padre me disse também que eu precisava deixar de ser um vigário burguês para ser um bispo dos operários. E isso, eu levei a sério. Em Roma, estudei muito a teologia renovada do Concílio Ecumênico Vaticano II. A questão que estava colocada era como descobrir nas comunidades a devida correspondência com a realidade teológica.”
Para Marcos Noronha, esse propósito se concretizou com a formação das CEBs. “Eu acreditava que não se podia fazer nada sem consultar o povo, que deveria participar ativamente da busca do conhecimento e transformação dessa realidade.”
Em consequência, não foi fácil o trabalho pastoral do então bispo e dos padres que o acompanhavam na nova pastoral focada na Teologia da Libertação, em Itabira.
Segundo ele, com a formação das CEBs o povo começou a questionar como era a vida nas comunidades, assim como debatiam como devia ser o papel de cada cidadão como agente transformador dessa mesma realidade.
E vieram as reações – e difamações – dos conhecidos segmentos conservadores da sociedade itabirana, que os chamava de bispo vermelho, comunista.
“Isso (o trabalho com os grupos de reflexão) questionou a velha Itabira, acostumada com os tradicionalíssimos. De repente, um grupo de padres jovens resolve se reunir e assumir um trabalho tão importante que é a reflexão nos bairros com os trabalhadores”, ele relembrou na entrevista ao Cometa.
“Começaram então a surgir os boatos. Certo dia, telefonaram lá para casa diocesana e perguntaram a que hora ia abrir a boate”, ele contou, revelando o nível da boataria e de intriga que existia na cidade – e que impera até os dias atuais, inclusive com as indefectíveis insinuações maledicentes contra desafetos.
Renúncia
Sobre as circunstâncias que o levaram à renúncia, Marcos Noronha disse na entrevista que ele nunca discordou da Igreja de Pedro e de Paulo. “Eu discordei da Igreja de Roma, da Igreja dos Césares, de Constantino, da Igreja Imperial, transformada em basílica.”
Para ele, não foi uma discordância com a Igreja do povo, da Igreja que não admite a igreja particular.
“No momento em que a Igreja se afasta do Evangelho, ela se afasta da vida, deixando de ser fiel ao povo. Nunca discordei da Igreja da procura e sim da igreja da certeza, da igreja infalível. Tenho medo de homens que têm certeza de mais.”
Com todas essas angústias e questionamentos sobre o papel evangelizador da Igreja, o então jovem padre sentiu, por razões diversas, que não poderia continuar bispo da Igreja de Roma em Itabira. “Apesar de amar Itabira, renunciei ao bispado.”
Na mesma entrevista ao Cometa, Noronha ressaltou que não tinha como continuar bispo em qualquer outra cidade.
”Inclusive, foi-me oferecida uma outra diocese e eu não aceitei, porque não era a Diocese de Itabira o pivô da minha renúncia, e sim as minhas discordâncias com a igreja tradicional predominante no país. Eu desejo que isso fique bem claro”, enfatizou Marcos Noronha na entrevista ao O Cometa.
Faculdades
Marcos Noronha foi o responsável pela implantação da Faculdade de Ciências e Letras de Itabira (Fachi), em 1968, em plena ditadura militar. Para isso, buscou parceria com a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Muitos anos depois, em meados da década de 1990, em entendimento com o professor Aloísio Pimenta, então reitor da recém-criada Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), quis trazer uma faculdade de engenharia ambiental para Itabira – e também outras faculdades nas áreas de ciências sociais e humanas.
Mas não encontrou apoio suficiente na cidade, tendo sido boicotado em sua intenção.
“Pelo que eu fui informado, o prefeito Olímpio Guerra (1993-1996) e o presidente da Vale, Francisco Schettino, não souberam mensurar a dimensão da proposta, que era de implantação também de cursos de 3º grau nas áreas de ciências sociais e exatas, com ênfase na questão ambiental e na qualidade, o que incluía também a área de informática”, ele contou em nova entrevista ao O Cometa, na edição de janeiro de 1995.
Na época, discutiu-se ainda se a Vale devia ou não destinar o prédio do Areão para a nova faculdade. Sob o argumento de que a faculdade na modalidade em que estava sendo proposta pelo ex-bispo não iria assegurar mercado de trabalho para os formandos, e não teria sustentabilidade com o Estado falido, a ideia foi descartada pela Prefeitura e também pela Vale.
Com a desistência de Itabira, a UEMG se instalou em João Monlevade, onde ainda mantém várias faculdades.
Nova faculdade: Funcesi
Foi nesse contexto, pouco depois de descartada a instalação da UEMG em Itabira, que a Vale, Prefeitura e Diocese constituíram a Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi).
O prédio do Areão, que seria doado a Itabira para instalar uma faculdade, segundo promessa da Vale na época, acabou sendo adquirido pela Prefeitura, pagando-se R$ 1 milhão em valores da época à mineradora.
O argumento para a compra apresentado pelo prefeito Li Guerra foi a necessidade de se ter um escritório amplo para instalar a Empresa Itabirana de Desenvolvimento Urbano (Itaurb). E assim foi feito, mas por pouco tempo.
Anos depois, já no primeiro governo de Ronaldo Magalhães (2001-04), o prédio do Areão foi doado pela municipalidade à recém-instituída Fundação Comunitária do Ensino Superior de Itabira (Funcesi).
A instituição mesmo recebendo a doação pela prefeitura do antigo escritório da Vale para o fim exclusivo de instalar novas faculdades com as respectivas salas de aula, hoje subloca o prédio para a Prefeitura, Vale e empreiteiras, em um claro desvio de finalidade.
Dívida histórica
Marcos Noronha foi também um lutador pelas causas de Itabira frente à mineração.
“O país e a Vale só têm uma forma de saldar a dívida com Itabira, que é transformando o município em um centro do saber”, insistiu o ex-bispo na última entrevista que concedeu ao jornal O Cometa, depois de ver frustrada a sua tentativa de implantar as faculdades da UEMG no município.
“É preciso tirar proveito da cratera do Cauê. Já pensou o que seria de Ouro Preto se tivesse ficado só com as crateras das minas de ouro e não tivesse a Universidade Federal”, questionou o ex-bispo ao repórter de O Cometa, para em seguida ele mesmo responder: “Seria só mais uma passagem para Mariana. E uma cidade histórica e turística, nada mais”.
Cidade Universitária
Parte do sonho de Marcos Noronha de resgate da dívida histórica da mineração, com investimentos na educação superior, só ganhou novo alento com a instalação do campus da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Itabira, em 2008.
Trata-se de um resgate que ainda está para acontecer. Isso porque, mesmo depois de 16 anos de sua implantação, o campus local da Unifei pouco cresceu em número de faculdades e de universitários.
As faculdades continuam estritas à área das exatas, não se configurando, portanto, em uma universidade, estando a dever também um moderno Parque Científico Tecnológico, como era preconizado pelo ex-reitor professor Renato Aquino.
A Unifei, agora está prestes a ter nova direção com a eleição de novo reitor, o professor Marcel Fernando da Costa Parentoni, o mais votado entre os candidatos e que, diferentemente do que fez o ex-presidente Jair Bolsonaro que nomeou o terceiro colocado, será ungido ao cargo pelo presidente Lula.
Espera-se que o novo reitor assuma a direção da Unifei sabendo de suas responsabilidades e compromissos, estreitando o relacionamento e avançando com a parceria entre o Governo Federal, Prefeitura de Itabira, e também com a Vale, para que enfim seja realizado o sonho de Marcos Noronha de uma Itabira Universitária.
Para isso, ele dizia, “Itabira precisa ter um ensino superior público, gratuito e de qualidade em todas as áreas do conhecimento, para que se transforme em uma cidade universitária” – e não só de engenharias – inclusive buscando a aprovação pelo Ministério da Educação do curso de Medicina.
O pedido para o curso de Medicina da Unifei em Itabira foi protocolado em Brasília, em 2014, estando desde então esquecido nos escaninhos da burocracia do MEC – e de lá precisa ser movimentado. “A União deve muito a Itabira, assim como deve muito mais a Vale”, não se cansava de repetir o professor Marcos Noronha.