Poluição em Itabira: Vetão quer que a Prefeitura faça o monitoramento da qualidade do ar. E não a Vale, como tem sido desde 1985

Carlos Cruz

O vereador Weverton “Vetão” Andrade (PSB), no uso da tribuna da Câmara, na sessão ordinária dessa terça-feira (5), repercutiu as deliberações da audiência pública, realizada no dia 21 de novembro, convocada para discutir os impactos na cidade de Itabira da poeira proveniente das minas da Vale, assim como os meios para mitigar essa situação que aflige à população itabirana com a sujeira e o agravo de doenças respiratórias.

Depois de voltar a criticar a ausência de representantes da Vale (“ela só vem a essa Casa quando é de seu interesse, como foi na reunião pública do alteamento de Itabiruçu), Vetão colocou em dúvida a validade dos dados do monitoramento da qualidade do ar, realizado com o patrocínio e inteira supervisão do principal agente poluidor, por força de uma das condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), de 2000.

“Além de tudo, a Vale está com o seu licenciamento ambiental vencido em Itabira”, disse o vereador, que voltou a subir o tom contra a mineradora. Segundo Vetão, o monitoramento da qualidade do ar não pode continuar sob gestão do principal agente poluidor.

Segundo ele, é a mineradora que diz se os dados desse monitoramento são válidos ou não, enquanto a prefeitura simplesmente reproduz o que é validado por quem polui. “A Vale polui e ela mesma oferta os dados dessa poluição (para publicar no portal ItabirAr, no site oficial da Prefeitura). Até onde vai a validade desses dados”, questionou.

O parlamentar acrescentou que vai apresentar indicação, que é só uma sugestão sem força de lei, para que a Prefeitura de Itabira passe a gerenciar integralmente a gestão e controle do monitoramento da qualidade do ar na cidade. Esse monitoramento precisa ser estendido também ao Distrito Industrial, onde está instalada a usina de ferro-gusa, segunda maior poluidora na cidade, assim como no bairro Barreiro e comunidades próximas.

Mas é preciso lembrar que o custeio desse monitoramento é obrigação da Vale, por força de condicionante da LOC. Portanto, qualquer mudança que venha ocorrer, com a Prefeitura terceirizando esse serviço.

Isso pode ocorrer, inclusive, por meio de mais uma parceria com a Unifei, mas sem que o município abra mão dessa obrigação de a mineradora arcar integralmente com o custo da modernização e manutenção da rede automática de monitoramento.

Quando o vento sopra da mina Conceição em direção à cidade, como tem ocorrido recorrentemente, a cidade fica inteiramente encoberta pelo pó contendo partículas de minério de ferro (Fotos: Carlos Cruz)

Inquérito ministerial

Outra iniciativa a ser tomada pelo gabinete do vereador Vetão, segundo ele relatou na tribuna da Câmara, vai ser requerer ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), via Curadoria do Meio Ambiente, que instaure um procedimento para averiguar, por meio de perícia técnica, a forma como tem sido feito o monitoramento da poluição em Itabira via rede automática, instalada pela Vale em março de 2002.

Na época, a rede automática substituiu os antigos medidores analógicos Hi-Vol, além de ter sido instalada uma estação meteorológica no alto do Pousada do Pinheiro, anunciada pela empresa como tendo sido adquirido o que havia de mais moderno no mundo. “A tecnologia empregada é de ponta e foi importada dos Estados Unidos a um custo de US$ 220 mil.”

Composta por quatro estações (que infelizmente não são as de Vivaldi), desde então, não raro um desses equipamentos apresentam problemas técnicos, ou têm dados invalidados por “interferências externas”.

Essa invalidação é feita por analistas da própria mineradora, não raro quando são extrapolados os índices de poluição admissíveis pela resolução Conama 491, de 19 de novembro de 2018, ainda mais flexível, como também pela resolução municipal do Codema.

Foram essas constantes invalidações que levaram o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, reclamar também de uma possível obsolescência da rede, colocando em dúvida a sua eficácia, na audiência pública da qualidade do ar promovida pela Câmara.

“A rede tem apresentado falhas constantes nos dados “, disse ele, confirmando que, não raro, índices que extrapolam os parâmetros da qualidade do ar são invalidados pela mineradora por motivos diversos.

E mesmo com os dados da rede automática controlada pela Vale, a empresa tem sido multada por extrapolar os índices máximos de poeira admissíveis pela legislação.

“Desde que o atual governo assumiu a Prefeitura, a Vale foi autuada em quatro ocasiões por extrapolar os índices admitidos de poluição do ar. Antes, só havia sido autuada em 2013. Pode ser que antes a qualidade do ar estava melhor em Itabira”, ironizou. Sobre as multas aplicadas pela Prefeitura, a Vale recorre e nunca paga, acrescente-se.

A reclamação sobre uma possível manipulação, ou mesmo ineficácia da rede, não é de agora. “Os aparelhos de medição são antigos e podem estar ultrapassados. As informações chegam com quatro horas de atraso em média”, informou a ex-secretária municipal de Meio Ambiente Priscila Braga Martins da Costa, na reunião do Codema de 4 de abril de 2019. Mas cordada, tudo não passou de uma reclamação. A Vale respondeu que a estação é atualizada e ficou por isso mesmo.

“Problemas técnicos vêm sendo registrados com maior frequência desde meados do ano passado”, informou na mesma reunião do Codema o ex-diretor de Preservação Ambiental Fabrício Milano, diretor de Preservação Ambiental.

Legislação

A prova de que a poeira de Itabira é composta basicamente de partículas de minério no dia seguinte ao episódio crítico de 4 de dezembro com o vento soprando de Conceição para a cidade

Além de sugerir passar o controle do monitoramento da qualidade do ar à Prefeitura – e não o custo, que é obrigação da Vale por força de condicionante – o vereador Weverton “Vetão” disse também que vai entrar com projeto de lei para transformar a deliberação normativa número 2 do Codema em lei municipal.

Isso, disse ele, para que não se repita nova tentativa de a Vale pretender flexibilizar a norma do órgão ambiental municipal, deixando de cumprir o que nela está disposto. Com a flexibilização, cujo pedido foi retirado informalmente da mesma forma que deu entrada, a Vale pretendia que fosse válido que dispõe resolução Conama 491, que é mais flexível em relação à norma municipal – e também quanto às novas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Para o projeto de lei ter eficácia e permanência, convém o vereador Vetão esperar até março do que que vem para dar início à sua tramitação na Câmara Municipal.

Ocorre que por força de uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo solicitação da Procuradoria-Geral da República, o Conama terá que adequar à norma nacional às novas recomendações da OMS, que já foram levadas em conta pela atual deliberação do Codema.

A decisão do STF foi tomada com base em questionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), que considera permissivos e ineficientes os atuais índices de poluição do ar adotado pelo Conama. E que por isso devem ser alterados por não atenderem à necessidade de a sociedade brasileira dispor de uma legislação capaz de combater a poluição do ar, punindo os agentes poluidores.

Portanto, com a nova resolução Conama, a sair em 2024, a Câmara Municipal de Itabira pode editar uma legislação ainda mais restritiva que a atual deliberação Codema.

Mesmo que a mineradora venha posteriormente judicializar, questionando a sua validade, alegando que não é atribuição do município legislar sobre qualidade do ar, Itabira deve exercer a sua autonomia de legislar para coibir agentes poluidores que impregnam o ar da cidade com partículas de minério em suspensão.

Em tempo de ESG (Environmental, Social and Governance), que a Vale diz adotar em suas práticas ambientais, sociais e de governança, pega-se muito mal no mundo corporativo deixar de manter o diálogo e o respeito às normas e legislações municipais postas nos territórios onde está presente com os seus complexos minero-exportador.

Itabira e Vitória (ES) precisam agir em conjunto, pois padecem do mesmo mal: o pó preto de partículas de minério de ferro em suspensão que atormenta e agride a saúde de seus habitantes.

 

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1 Comentário

  1. Não é para menos este pedido, pois a própria mineradora instala os controles da poeira que emite no ar e ao mesmo tempo libera as informações e nunca foi dito se há alguma auditoria nestes relatórios que impacta toda a cidade.

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