Vereadores defendem a Vale e pedem provas científicas que indiquem que a poeira em Itabira vem em sua maior parte da mineração

Fotos: Raíssa Meireles/
Ascom/CMI

Por Carlos Cruz

Os vereadores de Itabira enfim descobriram que Itabira tem um grave problema de poluição que é a poeira, depois de ouvirem a didática apresentação da professora Ana Carolina Freitas Vasques, da Unifei, doutora em Ciências Atmosféricas, nessa terça-feira (24), na tribuna da Câmara, a convite do vereador Weverton “Vetão” Andrade (PSB),

Na mesma sessão legislativa, o líder do governo na Câmara apresentou requerimento, aprovado por unanimidade, para a realização de uma audiência pública, no dia 21 de novembro. O requerimento foi assinado também pelo vereador Bernardo Rosa (Avante).

O objetivo da audiência, segundo explicou Vetão, é debater os impactos positivos e negativos da mineração no município, assim como o processo de descomissionamento (encerramento) da extração mineral, mesmo sabendo que o processo de beneficiamento (concentração de itabiritos) nas usinas de Cauê e Conceição deve continuar com minério vindo de outras localidades.

Exemplo do Canadá

Vereador Vetão convidou a professora Ana Carolina para discorrer sobre a poeira em Itabira

Antes do início da apresentação da professora da Unifei, Vetão pediu aos vereadores para que abandonassem a “paixonite” pela Vale, para que o tema pudesse ser debatido com clareza, objetividade e compreensão.

“O que queremos é que a Vale invista em Itabira como tem feito no Canadá, ao invés de pedir a flexibilização de uma norma do Codema, que nem é a ideal ainda”, disse ele, referindo-se à mina que a Vale explora a mina de Totten na cidade de Sudbury, no Canadá.

Segundo a professora Ana Carolina, a cidade de Sudbury, onde a Vale extrai cobre, níquel e metais preciosos, é exemplo de como se deve negociar com a mineradora. “Sudbury sofria com a poluição com dióxido de enxofre. A Vale investiu US$ 1 bilhão em medidas mitigadoras, além de reduzir o número de veículos a diesel. Com isso, caiu a poluição e a cidade tem hoje uma boa qualidade de vida”, acentuou.

Sem “paixonites”

De nada adiantou o apelo do líder do governo para que os vereadores analisassem a questão da poeira sem a “paixonite” pela empresa.

É que a “tropa de choque” que se formou em defesa da mineradora, mostrou-se aguerrida e bem-treinada, depois de se reunir com analistas da Vale, na segunda-feira (23), para um cursinho intensivo, bem aproveitado como se viu, com os sofismas usados por vereadores, os mesmos que têm sido empregados pela mineradora em sua defesa.

Heraldo Noronha cobrou respeito da Vale para com Itabira, o mesmo que tem com Belo Horizonte, Vitória; “nada do que ela aqui fizer não é esmola, é direito de Itabira.”

Apenas o próprio Vetão e o presidente da Câmara, vereador Heraldo Noronha (PTB), não reproduziram esses sofismas.  Os demais vereadores, em sua maioria, fizeram a defesa da Vale na questão da poluição do ar, ou boquifecharam-se como quem cala consente.

“Que a Vale tenha em Itabira o mesmo respeito que tem com a cidade de Sudbury”, pediu Vetão, provocando a ira do vereador Luciano “Sobrinho” Gonçalves (MDB), ao sugerir ao líder do governo que mudasse para o Canadá se não estiver satisfeito com a qualidade de vida em Itabira.

Repetiu assim uma antiga propaganda ufanista da ditadura militar, com o slogan nacionalista: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, um recado aos opositores.

Para Heraldo Noronha, Itabira tem direito a muito mais do que a mineradora Vale tem feito na cidade não só para mitigar a poeira, mas também para compensar perdas passadas, como a da água, cujas principais outorgas estão com a mineradora, a ponto de Itabira ter que buscar água com a transposição do rio Tanque, mas só a partir de 2026.

“Itabira merece muito mais da Vale, que tem a cidade na mão. Ela tem que respeitar Itabira e a legislação. Precisa ter o mesmo respeito que tem com Belo Horizonte, Vitória, com Brumadinho que teve o desastre ambiental, foi muito triste ver as pessoas perderem seus familiares. Só que em Itabira o desastre ambiental ocorre há mais de 80 anos”, cobrou o presidente da Câmara.

Prova científica

O que se viu em seguida foi a tropa de choque armada com os mesmos argumentos da mineradora para tentar encurralar a professora da Unifei, no afã de descaracterizar as partículas minerais em suspensão (ferro, titânio, crômio, vanádio, chumbo, areia), como sendo as principais responsáveis pela poluição do ar e pelo agravo das doenças respiratórias.

Rodrigo “Diguerê” pediu provas científicas que comprovem ser as partículas de minério maioria nas PTS

O vereador Rodrigo “Diguerê” foi um dos que procuraram relativizar a responsabilidade da Vale pela poluição do ar em Itabira, pedindo provas científicas.

“Quais são os dados científicos que comprovam que isso (a extrapolação de parâmetros legais) foi causada por uma única atividade”, quis saber o parlamentar, o primeiro a assumir a defesa da mineração.

Segundo ele, a atividade só causa maior poluição na cidade quando ocorrem as detonações nas minas, o que não é verdade. “É sempre que ventos fortes sopram das minas para a cidade”, respondeu a cientista da Unifei.

Diguerê, assim como outros defensores da Vale, relacionaram as queimadas, as atividades da construção civil, roçadas em terrenos vazios, assim como o intenso trânsito de veículos na cidade (em boa parte a serviço da mineração) como poluentes concorrentes que degradam a qualidade do ar na cidade.

Isso é verdade, mas esse impacto não faz parte da poeira que faz extrapolar os índices das Partículas Totais em Suspensão (PTS), que são mais grossas. São elas, as partículas de minerais vindas das minas, que na estiagem chegam a extrapolar, em período de uma hora, em mais de 500 microgramas de metro cúbico, sujando a cidade e invadindo as vias respiratórias de quem vive e trabalha em Itabira.

A professora Ana Carolina explicou didaticamente a composição da poeira e de como ela é gerada em Itabira

“Precisamos saber qual é a contribuição de cada um desses poluentes. Queimadas não geram empregos, daí que não podemos atribuir toda culpa à grande empresa que gera empregos e impostos para a cidade”, defendeu o vereador.

“Nunca vi notícia de que a Secretaria de Meio Ambiente multou outra empresa por poluição do ar que não seja a Vale”, criticou o vereador, por certo se referindo à usina de ferro-gusa,  da siderúrgica Atlas, no distrito industrial, mas sem citar o seu nome.

A professora Ana Carolina informou que o inventário de outras fontes está sendo realizado pela Prefeitura, em parceria com a Unifei, pelo projeto ItabirAR, incluindo as emissões veiculares. “A maior dificuldade está sendo para fazer o inventário de outras fontes fixas, pois as empresas não respondem às perguntas para avaliar a contribuição de cada uma”, lamentou.

Aparelhos desligados

Mas para se saber quem é a principal responsável pela extrapolação de PTS em Itabira, basta observar as condições meteorológicas e de onde vem a poeira, explicou a professora.

“Itabira tem uma condição muito particular. A cidade é rodeada pelo complexo minerador que gera muita poeira”, disse ela, acentuando que as medias mitigadoras não têm sido suficientes, como se observou neste ano.

Ana Carolina disse ainda que quando há uma atividade que pode impactar a qualidade do ar próximo a uma estação, a própria Vale desliga o aparelho para que não ocorra essa interferência no resultado do monitoramento naquele dia ou período da atividade localizada impactante.

Além disso, é feita a análise da composição química da poeira, quando se observa que a maior parte do material particulado é minério de ferro. “A gente não precisa de muito para deduzir que 1 + 1 é 2, certo?”, ironizou ao responder ao vereador Diguerê.

Descomissionamento de minas

E assim sucessivamente os vereadores da “tropa de choque” seguiram no afã de contestar os dados apresentados pela professora da Unifei, minimizando a responsabilidade da mineração pela poluição do ar.

Bernardo Rosa quer discutir o descomissionamento das minas de Itabira na audiência pública de novembro

O vereador Bernardo Rosa (Avante), que preside a Comissão de Mineração da Câmara, constituída no ano passado, mas  ainda sem mostrar para que serve, disse que o debate sobre a poeira não pode transcorrer com paixão, apontando uma única responsável pela poluição do ar em Itabira.

 “Temos outras mineradoras, areais, esmeraldas”, enumerou, mas sem apontar de que forma essas empresas contribuem com a extrapolação dos índices de poeira nos dias críticos, com a mudança da direção e ventos fortes.

O vereador não vê também responsabilidade exclusiva da geração de poeira pela Vale, como também pelo aumento das doenças respiratórias em período de frio, baixa umidade e muitas queimadas.

“As outras contribuições também precisam ser mensuradas”, disse ele. “Eu estive na Vale e vi as medidas que têm sido utilizadas para mitigar a poeira”, disse ele, que, entretanto, disse não observar ações similares para diminuir os demais poluentes no perímetro urbano.

De fato, nem mesmo as intensas campanhas contra as queimdaas do passado contra as queimadas, até como condicionante ambiental, têm sido repetidas na cidade nos últimos anos.

Como também não se sabe se a Transita, ou algum outro órgão de fiscalização da Prefeitura, tem feito inspeção para verificar as condições de escape de gases poluentes por veículos automotores, inclusive dos que prestam serviços à mineração, a maioria a diesel, como também no transporte urbano e veículos leves.

Para Bernardo Rosa, além de debater a questão da poeira em todos os seus aspectos, Itabira deve, desde já, começar a discutir e ver saídas para o fechamento das minas de Itabira, prometendo aprofundar o tema na Audiência Pública do dia 21 de novembro, na Câmara Municipal.

Camisa verde

Marcelino Guedes também quer saber das outras fontes de poluição na cidade

O vereador Marcelino Freitas Guedes (PSB) defendeu bem o uniforme que veste, como empregado da Vale.

Ele fez várias perguntas bem articuladas e em consonância com a doutrina da empresa, à professora da Unifei, também no sentido de esvaziar a responsabilidade da Vale na poluição do ar em Itabira.

Para isso, tentou desqualificar as medições da qualidade do ar, realizadas pela própria mineradora. “Elas medem todos os poluentes na cidade?”, ele quis saber, para em seguida ouvir a resposta.

“Só o material particulado (a poeira mais grossa, PTS, a de média espessura, PM-10, e a de fina espessura, PM-2,5)”, respondeu a professora, lembrando que esse é um aspecto que precisa avançar no monitoramento da qualidade do ar.

A rede automática de monitoramento da qualidade do ar em Itabira foi instalada em março de 2002, como condicionante da LOC do complexo minerador de Itabira.

Leia mais aqui:

Rede de monitoramento da qualidade do ar está ultrapassada e precisa ser modernizada, diz secretária de Meio Ambiente

Carlos Henrique espera que a Vale apresente as medidas mitigadoras da poeira na audiência pública da Câmara. Já Robertinho “da Autoescola” quer ver a Prefeitura plantando árvores na cidade

Outro que veste a camisa da Vale, como seu empregado, o vereador Carlos Henrique de Oliveira (PDT) também não poupou esforço na defesa da mineradora, mesmo ressaltando que, como diretor do sindicato Metabase, defende os interesses de seus colegas de classe.

“Votei contra ao convite (para ida à Câmara da professora Ana Carolina) por saber que esse conflito entre vereadores e a população ia acontecer com a apresentação de um só ponto de vista”, disse o vereador.

Entretanto, ele acredita que esse fato será superado com a realização da audiência pública, quando representantes da Vale apresentarão a defesa e as medidas mitigadoras atuais e futuras, empregadas no combate à poeira.

“Não tem vereador aqui apaixonado pela empresa. Foi muito infeliz a fala do vereador (Vetão, que pediu aos vereadores que deixassem de lado a “paixonite” pela mineradora). Temos que sentar e negociar com a Vale,  Prefeitura e demais empresas como melhorar a qualidade do ar em Itabira, ao invés de ficar culpando uma única empresa”, afirmou.

Outras interferências

Juber Madeira disse que a estação do bairro Fênix sofre com a interferência de outros agentes poluidores

O vereador Júber Madeira (PSDB) estranhou que o registro da estação do bairro Fênix tenha extrapolado os índices admitidos, mesmo “estando longe das minas”, porém nem tanto, como não está longe nenhum bairro da cidade.

Ele acentuou que próximo da estação estão outras empresas que também emitem particulados, sendo uma delas um depósito de areia, além de existir uma área de bota-fora de material inerte.

A professora Ana Carolina concordou que é preciso avaliar e redimensionar a distribuição geográfica das estações de monitoramento, até mesmo pela movimentação das operações nas minas, como também pelas novas fontes de poluição, com as pilhas de estéril a seco que já começam a ser operadas nas minas de Itabira e geram partículas mais finas.

“Nessa estação (do Fênix) os dados não fugiram dos padrões apresentados nas outras estações”, relatou a pesquisadora da Unifei.

Júber Madeira quis saber também se é um procedimento padrão desligar os aparelhos medidores quando há uma fonte emissora de poeira próxima que possa interferir no resultado do monitoramento – e se isso é do conhecimento dos órgãos fiscalizadores.

“Quem informou que faz esse desligamento foi a própria Vale, por exemplo, quando há uma roçada próxima”, respondeu a professora. “É do conhecimento da Secretaria de Meio Ambiente, mas não sei informar se a Feam é informada.”

Medidas governamentais

O vereador Luciano “Sobrinho” foi quem convidou os vereadores para a reunião com a Vale

O vereador Luciano “Sobrinho” Gonçalves (MDB), vice-presidente da Câmara, foi a quem a Vale recorreu para convidar os vereadores para uma reunião um dia antes da apresentação da professora Ana Carolina.

“A empresa gera empregos e impostos há anos na cidade e os governos municipais nada fizeram ou muito pouco fizeram para diminuir outras fontes de poluição em Itabira. É muito fácil jogar pedra em uma única empresa”, repetiu o que disseram outros vereadores da “tropa de choque” da Vale na Câmara.

Hortos florestais

Já o vereador Robertinho “da Autoescola” Fernandes (MDB) responsabilizou, com razão, a Prefeitura de Itabira por não dispor de um programa de plantio de árvores para amenizar os efeitos da poeira e contribuir para o sequestro de carbono.

“A prefeitura planta grama, mas não vejo o plantio de árvores, como vemos nas fotografias do Canadá que a professora mostrou”, lamentou, acentuando que a crítica à má qualidade do ar na cidade não pode ter mão única.

“A prefeitura de Itabira também tem essa responsabilidade. Sabemos que as árvores funcionam como filtros, por que então não plantar mais”, cobrou, Fica a sugestão para que se formem hortos florestais nas “áreas verdes” da cidade antes que sejam invadidas ou leiloadas, como ocorreu na administração passada.

 

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3 Comentários

  1. Ou são todos sem os sentidos da visão e do olfato ou são retardados, mas podem ser mesmo é comprados.
    Tem aspecto de mera sacanagem com o cidadão também, pelo total desdém.

  2. Itabira não conhece a maior riqueza que aqui existe. Minério de ferro é migalhas comparado com o maior bem que por aqui existe. Esses vereadores que estão a defender a vale deveria aprofundar em estudos que podem e devem ser aferidos para quando a safra do minério acabar. Nas montanhas e nas serras pertencentes ao município corre ouro. Como sempre disse, vale mais que ouro, diamantes, esmeraldas, águas marinhas. É o maior bem da humanidade e o que aqui tem daria para abastecer o mundo inteiro. Para concluir, a VALE até nisso contribui e estou falando de um bem público e que não pode faltar nunca. Água é vida, e a quantidade de água que por aqui tem é imensa e é de graça, até que alguém, ou alguma empresa, venha aqui e tome dos Itabiranos. Acordem! Se liguem. Precisamos cobrar mais da VALE, por que ela quer acabar com esse bem precioso

  3. É revoltante ver um sujeito no qual votei se prestar a um serviço tão vil a nossa Itabira. Viram o a vale fez no Morro da Água Quente na belíssima Catas Altas? No dia da terra alguém vai chorar
    A burrice da grana
    Ouro Preto, Marabá, Catas Altas, Cocais
    Mina de Gongo Soco (Celso Adolfo).

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