Vereadores prometem cobrar mais ações da Vale, mas precisam conhecer melhor os impactos da mineração e a dívida histórica com Itabira

E quando essas luzes se apagarem de vez, o que será de Itabira? Acordará um dia?

Foto: Geraldo Andrade

Carlos Cruz

A presença da Vale em Itabira, com os seus impactos econômicos, sociais e ambientais ao longo dos últimos anos, foi pauta de um pronunciamento do vereador Júlio “do Combem” Rodrigues (PP), na sessão ordinária da Câmara Municipal de Itabira, nessa terça-feira (1).

Embora tenha reconhecido os impactos positivos da atividade minerária, o vereador relacionou várias questões negativas que vêm se avolumando ao longo dos anos, ainda sem solução à vista.

Daí que o edil conclamou os seus pares no legislativo itabirano a acompanharem de perto o processo em curso de exaustão das minas de Itabira (descomissionamento já), cujo encerramento é previsto pela própria mineradora para 2041.

Esse horizonte temporal tem sido alterado ao longo do tempo, conforme registro do Relatório Form-20, com o qual a Vale divulga o seu balanço anual aos acionistas na Bolsa de Nova Iorque. Foi assim que em 2001, ano em que a Vale dá início à publicação desses relatórios anuais, a mineradora informou que as minas de Itabira iriam exaurir em 2014.

Para Júlio do Combem, a Câmara de Itabira não pode permanecer omissa diante de toda essa situação. “Vimos há pouco tempo a chuva de poeira que tomou conta de nossa cidade e o terremoto, há cerca de duas semanas, que abalou Itabira. Precisamos nos mobilizar e ativar a comissão de mineração para acompanhar todas essas questões”, cobrou o vereador pepista.

Vozes discordantes
Júlio do Combem quer a Câmara mais atuante nas cobranças da dívida histórica da Vale com Itabira (Foto: Raissa Meireles/Ascom/CMI)

“Poucas vozes em Itabira têm alertado para essa situação de exaustão, como também para as questões ambientais. Vocês devem saber, o jornal O Cometa ajuizou uma ação contra a empresa pelas questões ambientais e o ex-prefeito Li também ingressou com uma ação pelas perdas econômicas e ambientais, processo esse que não teve continuidade pelos prefeitos que o sucedeu”, lembrou o vereador.

Júlio do Combem se referiu às ações civis públicas, instauradas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a partir de inquéritos abertos pelo então promotor José Adilson Marques Bevilácqua, em 30 de setembro de 1985.

Foram os primeiros no país instaurados com base na Lei 7.347/85, que instituiu a ação civil pública. Essas ações tiveram como fundamento uma série de reportagens publicadas por este repórter no jornal O Cometa Itabirano.

Dos três inquéritos instaurados, dois seguiram em frente, com a abertura das respectivas ações civis púbicas.  A primeira exigiu que a Vale tornasse público os dados do monitoramento da qualidade do ar, já realizado desde aquele ano, mas empresa os guardava a sete chaves.

Foi quando a cidade ficou sabendo, pelas páginas de O Cometa, que só no mês de agosto daquele ano, o índice máximo admitido de 240 microgramas de partículas em suspensão por metro cúbico fora ultrapassado 22 vezes, quando não poderia se repetir mais de uma vez ao ano.

Poeira de minério: desde 1985, Vale se comprometeu a diminuir a poeria em Itabira e continua sem cumprir termo de ajustamento de conduta (Foto: Carlos Cruz)

Na mesma ação, outra cobrança foi para que fossem empregados todos os meios disponíveis para diminuir a poeira na cidade. Como isso ainda não aconteceu, passados mais de 38 anos, a ação pode ser reaberta a qualquer momento.

Já a segunda ação foi para responsabilizar a empresa pela descaracterização paisagística da Serra do Esmeril, que teve toda a vegetação nativa suprimida de uma só vez, no início da década de 1980, para a extração de minério nas Minas do Meio. A ação cobrou a imediata revegetação da encosta, como meio de reparação paisagística, como também para diminuir a poeira na cidade. Mas isso ainda não aconteceu.

O terceiro inquérito foi para apurar a responsabilidade da Floresta Rio Doce na supressão de mata nativa na região dos Gatos para plantar pinus e eucalipto. Por meio de um termo de ajustamento de conduta (TAC), firmado com o MPMG, a empresa suspendeu o plantio de espécies homogêneas, com o replantio de espécies nativas. Depois disso o inquérito foi arquivado.

Detonações nas minas assustam Itabira com fortes tremores (Foto: Reprodução/acervo Vila de Utopia)

Mais do que nunca, a substituição de florestas homogêneas por mata nativa (reconversão) é um imperativo urgente, uma necessidade até mesmo para a mineradora diminuir a sua pegada ecológica, como meio importante de “descarbonizar” o seu processo produtivo no complexo de Itabira, inclusive com a imediata reabilitação de áreas mineradas degradadas.

Já ação aberta pelo ex-prefeito Olímpio Pires Guerra (1993-96), no último ano de seu governo, cobra o pagamento de R$ 1 bilhão (valor da época, não atualizado) pelo que chamou de dívida histórica com o município de Itabira, por perdas incomparáveis ao longo dos anos.

Entre essas perdas está a destruição de inúmeras nascentes na Serra do Esmeril, que tanta falta fazem hoje à cidade que terá de fazer transposição de água do rio Tanque para assegurar o abastecimento na cidade e e atrair novos empreendimentos industriais.

Todas essas ações podem ser reabertas, ou movimentadas, a qualquer momento por não cumprimento de condicionantes e pelo não pagamento da dívida histórica, que se acumulou depois da privatização da Vale.

Requerimento

Bernardo Rosa quer acompanhar e até mesmo reabrir ações de Itabira contra a Vale (Foto: Raíssa Meireles/Ascom/CMI)

“Vamos encaminhar ofício à Procuradoria Jurídica do município para informar todos os processos que a Prefeitura de Itabira tem contra a Vale nas áreas ambientais e econômicas, com informações também sobre a questão tributária (perdas com arrecadação da Cfem, os royalties do minério)”, comprometeu-se a fazer o vereador Bernardo Rosa (Avante).

“Devemos questionar também a utilização exacerbada dos serviços públicos com as empresas que vêm prestar serviços à Vale. São gastos que a Prefeitura tem de arcar nas áreas de saúde, educação, sem a contrapartida devida”, acrescentou.

Agenda setting
ANM quer saber se a Vale vai fazer o reaproveitamento do rejeito de minério em suas barragens. Itabira também precisa saber (Foto: Carlos Cruz)

Se de fato, e não de ficção, os vereadores querem mesmo acompanhar de perto essas questões que afetam a vida dos itabiranos, segue uma série de sugestão de requerimentos que podem fazer e encaminhar à Vale, pedindo informações e esclarecimentos.

Os vereadores podem começar, por exemplo, solicitando à mineradora que remeta à egrégia Câmara Municipal a íntegra do novo plano de aproveitamento econômico das reservas de Itabira, encaminhado à Agência Nacional de Mineração (ANM), em 2020 – e que até hoje não é de conhecimento de Itabira, que é parte interessada, por motivos óbvios.

Conforme exigência da ANM, para revalidar a licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira, a empresa teve de apresentar relatório não só das reservas aferidas e medidas, mas também dos recursos minerais disponíveis, inclusive nas barragens.

Outro questionamento de grande interesse para Itabira é se ainda há ouro incrustado nos itabiritos ou disposto junto com o rejeito na grota do Minervino, assim como em outras barragens.

Garimpo de ouro no Pontal, na década de 1980: ANM quer saber se ainda existe o precioso metal incrustrado nos itabiritos restantes nas minas de Itabira (Foto: Eduardo Cruz)

A ANM pediu que fosse apresentado “um histórico da lavra do minério de ouro no processo 577/1986, para que seja discutida a situação atual dos recursos e das reservas desse bem mineral na área da poligonal”.

“Caso seja de interesse da Vale manter esta substância no processo, providenciar a aprovação de uma revalidação de reserva e de um plano de aproveitamento econômico para minério de ouro”, assim estabeleceu a agência reguladora do setor mineral.

Mas se não houver interesse da mineradora em explorar esse bem mineral, quem sabe seria o caso de seguir a sugestão do poeta Carlos Drummond de Andrade e, em um gesto de boa vontade, permitir a abertura de uma lavra garimpeira, que serviria como frente de trabalho em uma conjuntura de desemprego?

Foi o que o poeta e cronista sugeriu ironicamente em crônica publicada no Jornal do Brasil, reproduzida pelo O Cometa, como se estivesse fazendo a proposta, em um lampejo de generosidade com a cidade onde nasceu:

“- Em rala compensação pelo que tiramos do município, em 41 anos de sucção da sua riqueza, vamos ajudar os garimpeiros! Vamos dar-lhes assistência sanitária e um servicinho de prevenção de acidentes, e facilitar-lhes a sindicalização!”, escreveu o poeta/cronista, em 22 de outubro de 1982.

O cronista prosseguiu:

“A egrégia Câmara Municipal, comovida com esse rasgo de generosidade, baterá palmas:

– Bravos! Muito bem! Até que enfim, ilustre Companhia, a senhora se lembrou de dar alguma coisa, em vez de tirar da gente!”

Leia sobre a crônica e proposta de CDA aqui:

Drummond pede para a Vale deixar o ouro do Pontal para os garimpeiros de Itabira

E mais aqui:

Drummond premonitório: em crônica de 1977, ele escreve sobre a possível exploração de ouro no rejeito do Pontal

Descomissionamento de minas
Ação civil pública cobra, desde 1985, a reabilitação paisagística da Serra do Esmeril (Foto: Carlos Cruz)

Outro requerimento que os vereadores podem – e devem encaminhar à Vale – trata-se de pedir que informe sobre os sucessivos planos de fechamento das minas de Itabira, apresentados à agência reguladora do setor mineral desde 2013, com atualizações obrigatórias de cinco em cinco anos.

Trata-se de dar início desde já ao processo de descomissionamento das minas de Itabira, que a empresa quer que seja integrado de todo o complexo, ignorando casuisticamente o esgotamento da exploração de minério na mina Cauê, no início deste século, e de boa parte das Minas do Meio, a partir de 2015.

No ano Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), de 2013, que a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria elaborou para a Vale, consta a proposta do “Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap”.

Esse documento foi encaminhado à ANM em 2013 e até recentemente foi mantido em sigilo. Só se tornou público depois que este site obteve cópia desse documento, tornando-o público em um furo de reportagem.

Se os vereadores não leram a reportagem, é bom tomar conhecimento até para ter mais embasamento na hora de discutir e cobrar essas questões da Vale, se é que essa intenção é memo para valer, e não apenas discursos para os incautos itabiranos ouvirem e se sentirem representados.

Dique desativado no Pontal: hora de discutir futura ocupação da área com Itabira, inclusive com cultivo de plantas medicinais conforme está em plano encaminhado pela Vale à ANM (Foto: Carlos Cruz)

Sugestão de leituras

Segue abaixo uma série de links de reportagens postadas neste site para conhecimento do leitor e, em especial, dos vereadores como dever de casa, para se inteirarem de parte do que se passa aqui nas minas da Vale e que impacta a vida na cidade.

Sobre o Novo plano econômico para as minas de Itabira:

ANM passa a exigir das mineradoras informações sobre recursos e não mais só as reservas minerais. Itabira também precisa saber

Vale pede sigilo e Itabira fica sem saber as respostas apresentadas à ANM para explorar as suas minas nas próximas décadas

Sobre o Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira:

Vale já prepara, pelo menos desde 2013, o Plano de Fechamento das Minas de Itabira

Cultivo de plantas medicinais e novo hospital constam, em 2013, do Plano de Descomissionamento das Minas de Itabira

Vale esconde de Itabira o Plano de Fechamento de Minas, inclusive das que já exauriram. E não atende pedido do Codema

Exaustão Mineral

Relatório Form-20 da Vale de 2022 mantém horizonte de exaustão das minas de Itabira para 2041

Previsão da exaustão do minério de Itabira tem mudado com o tempo nos relatórios da Vale

Vale vai investir R$ 26 milhões em pesquisas geológicas para aumentar a vida útil das minas de Itabira

Vale estuda viabilidade de explorar mina subterrânea de minério de ferro em Itabira

Poeira em suspensão

Vale vai investir R$ 4,6 bilhões para conter “o pó preto” da poeira, diz gerente de Meio Ambiente. Em Itabira? Não, no porto de Tubarão, ES

Poeira da Vale e queimadas, os males de Itabira são, enquanto as autoridades cruzam os braços e nada fazem

Prefeitura quer compensações para o Codema mudar norma da poeira que a Vale quer flexibilizar. Saúde da população é inegociável

Ações contra a Vale

Prefeitura reabre ações ambientais contra a Vale, instauradas em 1985 com base em reportagens do jornal O Cometa

Licença ambiental

Licença ambiental da Vale para minerar em Itabira venceu em 2016, mas foi prorrogada pelo órgão ambiental sem data para revalidar

O risco que Itabira corre: Vale está com licença ambiental vencida desde 2017

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Para Denes Lott, secretário de Meio Ambiente, pega mal para a Vale ficar com licença ambiental vencida em Itabira, mesmo que prorrogada

Renovação da licença ambiental da Vale em Itabira é liberada para análise e pode ser aprovada sem audiência pública, com anuência antiga

O poeta e a mineração

No link abaixo o leitor encontra uma série de artigos e crônicas publicadas por Carlos Drummond de Andrade no Correio da Manhã com reivindicaões históricas de Itabira

Drummond e a mineração

Boa leitura!

 

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