Vale rechaça no Codema acusação de geólogo de prática de lavra ilegal na mina Conceição, na poligonal de pesquisa da Itabiriçu

Foto: Reprodução/
Google

Carlos Cruz

A denúncia do geólogo Everaldo Gonçalves, professor aposentado da USP e da UFMG, um dos proprietários da empresa Itabiriçu Nacional, que acusa a mineradora Vale de extrair ilegalmente minério de ferro em uma antiga pilha de estéril contendo itabirito compacto na mina Conceição, sem licença ambiental e mesmo autorização de lavra, foi rebatida pelo representante da Vale no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema),

Breno Caldeira Brant, na reunião de sexta-feira (14), rebateu a acusação, depois de questionado por este repórter. “A respeito da reportagem publicada na Vila de Utopia de que estaria sendo retirado material na área de domínio da empresa Itabiriçu, a acusação não procede”, assegurou o representante da Vale no Codema.

Segundo ele relatou na reunião do órgão ambiental municipal, foi feita uma avaliação e análise pelo corpo técnico da mineradora, assim como teria sido comprovado em perícia judicial “que toda atividade de lavra sobre rejeito e estéril realizado pela Vale em Itabira é realizada em área devidamente licenciada e de seu domínio, não tendo adentrado na poligonal de pesquisa da empresa Itabiriçu”.

Além disso, Brant informou que foi feita também uma fiscalização pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que, da mesma forma, teria comprovada a improcedência da denúncia.

“Ficou atestado e provado que todo o serviço de lavra está sendo executado em área licenciada, sendo que um laudo do perito judicial foi anexado ao processo atestando também que não há invasão pela Vale da área da poligonal da empresa litigante de parte (do rejeito) da barragem Itabiruçu”, acrescentou.

Para saber mais sobre a denúncia, acesse aqui:

Justiça dá prazo para a Vale informar à perícia quanto já lavrou de minério em área de pesquisa da Itabiriçu Nacional na mina Conceição

Conselheiros da Vale no Codema (à esquerda) sustentaram que não há lavra ilegal em Itabira e que a mineradora só vai reaproveitar os rejeitos de minério de ferro contidos nas barragens se houver interesse econômico pelo mercado (Foto: Carlos Cruz)

Esbulho minerário

Na reportagem publicada por este site, Everaldo Gonçalves acusa a Vale de lavrar minério em pilha sobre a qual a sua empresa Itabiriçu detém alvará de pesquisa na mina Conceição, onde no passado foram depositados rejeitos contendo itabiritos compactos. “Lavrou minério de ferro in situ, por volta de 2005, em pilha na Mina Conceição, na poligonal do alvará de pesquisa da Itabiriçu”, ele acusou.

“Depois lavrou, a partir de 2016, conforme o gerente da Vale confessa, e está nos autos, quando foram extraídos (da antiga pilha de estéril, contendo itabirito compacto) 70 milhões de toneladas de minério de ferro (com teor) de 40%, na escala de dez milhões de toneladas ano”, denunciou o geólogo.

“Isso é grave, não só por executar lavra ilegal, mas também por vender o minério que não está no ativo e na reserva mineral da empresa. A Vale invadiu a área (de pesquisa da Itabiriçu) e executou lavra ilegal fora da poligonal do Manifesto de Mina dela, ANM 000577/1936”, insistiu o geólogo em sua denúncia.

Em decorrência, a Itabiriçu ingressou com ação cautelar pedindo liminar para paralisar o que chama de esbulho minerário por meio de lavra ilegal. Por seu lado, a Vale sustenta na ação que as pilhas de estéril e o rejeito da barragem Itabiruçu são de aproveitamento dela, ainda que descartado fora da poligonal do seu manifesto de lavra.

Para isso, conta com a resolução número 85/21, da Agência Nacional de Mineração (ANM), que está sub judice, por força de um Mandado de Segurança impetrado pela Itabiriçu Nacional. “Qualquer advogado, e até um leigo, sabe que (nenhum ato jurídico) é retroativo. Contestamos essa resolução, que fere direitos adquiridos da Itabiriçu”, informou Everaldo Gonçalves à reportagem.

A sua empresa Itabiriçu Nacional é detentora de alvará de pesquisa de minério de ferro numa poligonal de 480,87 hectares na barragem Itabiruçu – e também em uma pilha de estéril na mina Conceição, em Itabira, Minas Gerais, obtido junto ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).

Desde então, por meio judicial, a Vale tem procrastinado o ingresso de profissionais da Itabiriçu para realizar as pesquisas geológicas requeridas e autorizadas por meio de alvará pelo DNPM.

Em recente despacho, datado de 28 de março deste ano, no processo em que a Itabiriçu requer a execução desse direito de pesquisa, e que corre na I Vara Cível da Comarca de Itabira, sob o número 5001193-54.2017.8.13.0317, o juiz André Luiz Alves determina que a Vale forneça ao perito judicial todos os documentos necessários à realização da perícia, que é para avaliar eventuais impactos de se realizar pesquisa geológica na barragem Itabiruçu e em pilha de estéril (itabirito compacto) na mina Conceição.

O prazo dado pelo juiz para a empresa encaminhar os documentos ao perito, e que deveriam ter sido anexados aos autos, foi de 20 dias, contados do recebimento da intimação. Isso sob pena de pagar multa diária de R$ 100 mil no caso de descumprimento, limitado a R$ 1 milhão, a ser revertida em favor da Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral.

Entre os cinco documentos requeridos, o perito Júlio César de Melo pede que a mineradora “ateste qual é o volume atual de rejeito contido na barragem (Itabiruçu) e na pilha de estéril (Conceição).

O perito indaga também se as respectivas reservas de minério contidos no estéril (na pilha) e no rejeito (na barragem) estão sendo aproveitadas e se foram averbadas na ANM. Em consulta ao processo nessa segunda-feira (24), a Vale ainda não havia respondido às indagações periciais.

Por meio de um agravo de instrumento, que corre no Tribunal Regional Federal, em Belo Horizonte, a Vale contesta o direito de pesquisa outorgado pelo antigo DNPM – e pede também a não prorrogação da outorga.

Até então as sondagens geológicas requeridas pela Itabiriçu não foram realizadas, por impedimento da Vale, que não concorda com a entrada de pessoas estranhas ao seu quadro de empregados e contratos na barragem e na mina Conceição. Ao impedir a realização das prospecções geológicas com furos de sondagens, a empresa alega riscos à segurança da estrutura.

Alteamento da barragem de Itabiruçu vem ocorrendo desde que foi liberada a licença ambiental, mesmo tendo sido embargado pela justiça: a justificativa era que se fazia o reforço da estrutura, quando na verdade já era a base para o aumento da capacidade de armazenamento. O alteamento deve ser concluído em outubro (Reprodução/Vídeo/Vale)

Reaproveitamento

Na ocasião em que a Itabiriçu Nacional obteve o alvará de pesquisa na poligonal requerida na barragem Itabiruçu, a Vale não participou do chamamento público do DNPM. Alegou que não havia interesse econômico no reaproveitamento desse material contido em suas barragens. Na mesma ocasião, uma outra empresa requereu direito de pesquisa em área da barragem do Pontal.

Na mesma reunião do Codema, o analista ambiental Denes Duarte, conselheiro suplente da Vale no Codema, assegurou que a mineradora não tem feito o reaproveitamento de rejeito, que tem sido mantido internamente nas estruturas desativadas, nos diques do Pontal – e também na barragem do Rio de Peixe.

“Esse material fica retido na barragem, faz parte da descaracterização. É disposto em seu interior, não está havendo reaproveitamento”, sustentou. “Se no futuro vai ser extraído com fins comerciais, é o mercado que vai dizer. Pode ser que amanhã seja viável economicamente a sua exploração”, emendou.

Pois é justamente a viabilidade econômica de se reaproveitar, desde já, esse material contido nas barragens, por conter teor de ferro que pode chegar a até 40%, que pretende comprovar a Itabiriçu Nacional, que briga na justiça com a Vale para prevalecer o seu direito de pesquisa outorgado pelo DNPM.

Recentemente, a resolução 04/2020, da ANM, definiu que tanto o rejeito nas barragens, como também o estéril depositado em pilhas, constituem produto de lavra, portanto, pertencentes a quem os gerou.

Anteriormente, o entendimento no DNPM, com base na Constituição Federal, era de que esse material voltava a pertencer à União, sendo passivo de novas pesquisas e autorização de lavra para a sua exploração.

Entretanto, mesmo depois de editada a resolução da ANM, que está sub judice, por ser considerada inconstitucional, a Justiça Federal já decidiu que ela não se aplica à área requerida para pesquisa pela Itabiriçu Nacional.

O certo é que novas premissas ambientais, sobretudo depois dos trágicos e mortais rompimentos de barragens da Vale em Brumadinho e da Samarco em Mariana, (Vale e BHP Billiton), recomendam o reaproveitamento desses materiais até então considerados estéril, além dos rejeitos contidos em barragens e em pilhas.

A própria ANM tem criado facilidades para que isso aconteça, tanto pela resolução que considera esse material como produto de lavra, portanto pertencente a quem o gerou, como também por recentes resoluções que reduzem as alíquotas incidentes para efeito de cálculo da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), os royalties minerais.

É que o dispõe a resolução 85/202, que desburocratizou o reaproveitamento desses materiais estéril e rejeitos de minério, assim como a própria lei da Cfem (Lei 7.990/89).

Portanto, a definição do que fazer com esses materiais não pode ser apenas do mercado, como disse o representante da Vale no Codema. Passa também pela questão ambiental, que inclui a segurança de barragem, como ainda pela sustentabilidade do município, que tem interesse na sua exploração pela geração de emprego e royalties.

A retirada desse material das barragens, além de ser fator de segurança, pode facilitar também a implantação de novas atividades econômicas nessas localidades, como, aliás, estão previstas no Plano de Fechamento de Mina, apresentado pela Vale em 2013 à ANM, e que até recentemente era mantido em sigilo – e que este site tornou público em um “furo” de reportagem.

Outro lado

Procurada pela reportagem, por ocasião da denúncia do geólogo, a Vale respondeu genericamente como sempre faz, sem esclarecer as dúvidas apresentadas.

Preliminarmente, disse que “não tem como prática comentar processos judiciais em andamento”. Porém, “em relação a este assunto, esclareceu que:

  1. A Vale já realizou pesquisa mineral na área mencionada, tendo concluído pela inexistência de potencial geológico por meio da apresentação de Relatório Final de Pesquisa negativo, com o consequente descarte voluntário da área pela própria Vale.
  2. Os materiais (rejeitos, estéreis e produtos) porventura depositados pela Vale são de sua propriedade, nos termos da legislação minerária.
  3. A Vale não reconhece quaisquer interesses especulatórios de terceiros sobre materiais de sua propriedade.”

Para saber mais, acesse:

Empresa ganha direito de pesquisar rejeito na barragem do Itabiruçu para futura exploração

Disputa por rejeitos de minério na barragem Itabiruçu continua. Vale contesta alvará de pesquisa da Itabiriçu Nacional

Vale contesta direito de pesquisa de terceiros em sua barragem de rejeito do Itabiruçu

Justiça Federal decide que portaria da ANM, que diz ser o rejeito e o estéril produtos da lavra, não se aplica à Itabiruçu. Vale contesta

ANM está para aprovar resolução que assegura o direito da Vale explorar rejeitos de minério das barragens e estéril das pilhas

Justiça autoriza perícia que antecede pesquisa para explorar rejeito na barragem do Itabiruçu

 

Posts Similares

1 Comentário

  1. Não há um tiquinho de razão para confiar no Breno, agente da destruição. Já o Gonçalves tem reputação académica. Até máquina sem manutenção que quase matou um operário acontece na mineradora inimiga.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *