Livro de Clodomiro de Oliveira, a ser relançado em Itabira, conta como tem início a dívida histórica impagável com a Cidadezinha Qualquer

O pico Cauê, em Itabira, MG

Fotos: Tibor Jablonsky/
Ney StrauchAcervo: IBGE

Carlos Cruz

O jornalista itabirano Otaviano Lage convida para o lançamento, na quinta-feira (1), às 10h, no teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, da edição em fac-símile do livro A concessão Itabira Iron – A origem da Vale e os primórdios da indústria da mineração no Brasil, de autoria de seu tio, o mineralogista Clodomiro Augusto de Oliveira, ex-professor e sexto diretor da Escola de Minas de Ouro Preto, no biênio 1930/31

A obra é um relato sobre o início, ainda em pequena escala, da exploração do minério de ferro na mina Cauê, em Itabira, antes da criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942. A sua reedição é uma iniciativa da Associação dos Municípios Minerados de Minas Gerais (Amig).

Trata-se do início da exploração de seu minério de ferro sob a promessa de geraria “muitos dividendos e progresso para Itabira” – município minerado já quase a exaustão e que até hoje tem ficado com as crateras, poluição do ar, detonações que abalam estruturas de residências, além da supressão de nascentes e de cursos d’água, somando-se ainda a ameaça das barragens de rejeitos.

Promessas vãs

A importância do relançamento do livro de Clodomiro de Oliveira é justamente por tratar desse momento histórico vivido em Itabira, ufanado, como agora se faz diante de um anunciado e ainda não realizado “acordão” com a Vale, como sendo um “case” de sucesso, mas que até aqui resultou em uma enorme dívida histórica ainda não resgatada.

Uma história que mal começa e já deixa  Itabira à mercê de uma estatal que ainda não “abriu o jogo” sobre o fim  inexorável já próximo, ficando apenas com as promessas nunca cumpridas, até que venha a derrota incomparável.

A exaustão das minas de Itabira agora está prevista para 2041 – prazo que vem sendo recorrentemente dilatado, até mesmo para não se dar início às negociações acerca do fechamento de suas minas, com as medidas mitigadoras do meio ambiente e compensações econômicas e sociais necessárias para a diversificação da economia da cidade minerada. Isso mesmo já tendo exaurida a mina Cauê e várias outras das Minas do Meio.

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Passado todo esse tempo da mineração em larga escala que traria “divisas e progresso”, Itabira continua dependente da monoatividade predatória pela sua própria natureza, embora insistam com o mito de uma mineração sustentável, que não há, até mesmo por não ter como assegurar a riqueza atual às gerações futuras.

Dívida eterna

Itabira em 1952, dez anos após o início da extração mineral pela então Companhia Vale do Rio Doce

Desde a fundação da CVRD que Itabira subsidia a mineração com isenção de impostos, o que a empresa só começou a pagar, mesmo assim irrisoriamente, com a edição do IUM – Imposto Único sobre Minerais, instituído pelo Decreto-Lei número 1038, de 21 de outubro de 1969, e que passou a distribuir migalha de apenas 20% aos municípios minerados.

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O IUM foi extinto com a Constituição de 1988, quando o minério de ferro passou a ser taxado pelo ICMS sob a promessa de fazer justiça tributária, o que valeu até a edição da Lei Kandir, que isenta as mineradoras – e demais exportadoras – do pagamento do imposto sobre o que é exportado.

Ou seja, Itabira continua subsidiando a poderosa multinacional Companhia Vale do Rio Doce, hoje chamada de simplesmente Vale S.A.

Com a queda do bolo do ICMS, Itabira perdeu arrecadação com o imposto ao ponto de o tributo ser hoje a segunda receita do município.

Perde para a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que não é um tributo, mas uma espécie de indenização pelas perdas incomparáveis no presente, e sem que se acerte a dívida histórica, que por certo nunca será quitada.

Registro histórico

Voltando ao livro de Clodomiro de Oliveira, o autor aborda, sobretudo, a Lei 3.391, de 5 de janeiro de 1920, pela qual o então presidente de Minas Gerais Artur Bernardes concedeu à Itabira Iron Ore Company várias autorizações para explorar o minério de ferro

Essa concessão foi posteriormente repassada a CVRD, de modo vitalício, o que tem sido questionado pela AMIG.  “A Vale possui concessões vitalícias em Itabira e em diversas outras cidades mineradoras. Isso não colabora para uma atividade minerária sustentável”, critica o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da Amig, Waldir Salvador.

Segundo ele, a mineradora Vale deveria ser a principal indutora da diversificação econômica da cidade minerada à exaustão. Para isso, existe até condicionante da Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira, de 2000, uma condicionante permanente que não foi cumprida, dentre tantas outras.

Revisão de outorgas e fim da Lei Kandir para recursos minerais

Para tentar reverter esse quadro, a Amig enviou documento ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pedindo a revisão das outorgas minerárias.

“Diferentemente de outros países do mundo, as concessões dos recursos minerais brasileiros concedidos pela ANM são de caráter “eterno” (até a exaustão da mina). Em decorrência disso, o Brasil perde porque as concessões são renovadas somente uma vez, deixando de abrir oportunidades e uma concorrência, legítima e necessária, para outros empreendedores minerários, em uma opção vantajosa para o país”, explica Waldir Salvador.

O documento também cobra o cumprimento da Lei 13.540/2017, que determina que 7% da receita da Cfem seja aplicada na Agência Nacional de Mineração (ANM). “A falta de estrutura de uma agência reguladora no segmento favorece ações de sonegação e evasão fiscal por parte das empresas mineradoras”, denuncia a Amig.

Outra reivindicação da entidade representativa dos municípios minerados é a revisão da Lei Kandir, retirando a sua incidência sobre os recursos minerais não renováveis. A norma foi criada, em 1996, para incentivar as exportações e incrementar a produção nacional.

Ao desonerar o ICMS das commodities, o legislador estabeleceu que haveria uma compensação das perdas de receitas aos estados e municípios exportadores. Mas essa compensação nunca cobre os prejuízos com a isenção ao diminuir o bolo tributário, com prejuízo para todos os municípios mineiros.

A Amig também reivindica a modernização do código mineral brasileiro, priorizando a autonomia do município, incluindo as concessões da licença minerária e ambiental.

Dívida da Vale

O lançamento da edição fac-símile 2022 do livro também endossa a campanha iniciada pela AMIG, em agosto deste ano, que cobra a dívida de R$ 2,3 bilhões que a Vale tem com municípios minerados.

O manifesto é endossado por 17 cidades mineiras, outras 11 dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Amapá, Sergipe e Pará. Tem por objetivo cobrar o pagamento adequado da Cfem referente à pelotização do minério, uma das fases de beneficiamento do mineral aos municípios onde ocorre a extração o mineral.

Nesse caso, a dívida da Vale é de R$ 1,8 bilhão com os municípios mineiros. Desse montante, R$ R$ 39.566.805,32 é devido a Itabira. Isso fora a dívida histórica, que é imensurável e nunca resgatada.

 

 

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4 Comentários

  1. Clodomiro de Oliveira, como secretário do Arthur Bernardes, foi quem barrou o gringo Percival Farquhar que queria fazer das suas trafulhices e tranbicagens corriqueiras no Vale do Rio Doce.
    Esse gringo trafulha já havia provocado a Guerra do Contestado no estado de Santa Catarina forçando a passagem da ferrovia por lá, também provocou grande mortandade na abertura da ferrovia Madeira-Mamoré.
    Salve, Clodomiro de Oliveira!

  2. A edição de um livro é sempre uma dádiva e no caso de Clodomiro de Oliveira é uma necessidade, itabira nao pode esquecer a expropriação das terras, as doenças.
    Itabira deve parar de pedir pra mineradora e fazer as devidas exigências, dado que roubo de riquezas se repara com a devolução dos objetis roubados.

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