No país do futebol

Foto: Divulgação/CBF

Carlos Eduardo Novaes*

Conto Brasileiro

Juvenal Ouriço aproximou-se de um vendedor parado à porta de uma loja de eletrodomésticos e perguntou:

– Qual desses oito televisores os senhores vão ligar na hora do jogo?

– Qualquer um – disse o vendedor desinteressado.

– Qualquer um não. Eu cheguei com duas horas de antecedência e mereço uma certa consideração.

– Para que o senhor quer saber?

– Para já ir tomando posição diante dele.

O vendedor apontou para um aparelho. Juvenal observou os ângulos, pegou a almofada que o acompanhava ao Maracanã e sentou-se no meio da calçada.

– Ei, psiu – chamou-o um mendigo recostado na parede da loja – como é que é, meu irmão?

– Quer me botar na miséria? Esse ponto aqui é meu.

– Eu não vou pedir esmola.

– Então senta aqui ao meu lado.

– Aí não vai dar para eu ver o jogo.

– Na hora do jogo nós vamos lá pra casa.

– Você tem TV em cores?

– Claro. Você acha que eu fico me matando aqui pra quê?

Juvenal agradeceu. Disse que preferia ficar na loja, onde tinha marcado encontro com uns amigos que não via desde a final da Copa de 90.

Aos poucos o público foi aumentando, operários, vendedores, contínuos, vagabundos, e às 15h e 45min já não havia mais lugar diante das lojas de eletrodomésticos, os retardatários corriam de uma para a outra à procura de uma brecha. Alguns ficavam pulando atrás da multidão tentando enxergar a tela do aparelho.

As lojas concentravam multidões. As calçadas da cidade, que já são poucas, desapareciam completamente.

Em jogos da Seleção Brasileira, durante a semana, cresce bastante o número de atropelamentos porque o pedestre é obrigado a circular pelas ruas. Além disso, os motoristas ficam muito mais ligados no rádio do que no trânsito.

Na porta da loja onde estava Juvenal havia umas 200 pessoas do lado de fora e somente uma do lado de dentro: o gerente.

Até os vendedores da loja já tinham se bandeado afirmando que assistir a um jogo atrás da televisão não é a mesma coisa que vê-lo atrás do gol. Quando a bola saía entravam os comentários dos torcedores.

No início do segundo tempo um cidadão que não se interessava por futebol (um dos 18 que a cidade abriga ) foi pedindo licença à galera e com muita dificuldade conseguiu entrar na loja. O gerente foi ao seu encontro: “O senhor deseja algo?”

– Um aparelho de televisão.

– Por que o senhor não leva aquele?

– Qual?

– Aquele que está ligado ali na porta.

– É bom?

– O senhor ainda pergunta? Acha que haveria 200 pessoas diante dele se não tivesse uma boa imagem?

– Bem…

– E não é só isso – completou o gerente aproveitando a euforia do público com um gol do Brasil – que outro aparelho transmite emoções tão fortes?

O cidadão convenceu-se. Disse que ia levá-lo. O gerente, precavido, pediu-lhe para ir à porta da loja apanhá-lo. O cidadão não teve dúvidas. Ignorando aquela massa toda diante do seu aparelho, foi lá tranquilamente e cleck. Desligou-o.

O que aconteceu depois eu deixo por conta da imaginação de vocês.

*Carlos Eduardo Novaes é é advogado, cronista, romancista, contista e dramaturgo brasileiro.

 

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