A não produção cultural de itabiranos: ainda tem uma pedra no meio do caminho

Opinião

Mauro Andrade Moura

Parafraseando nosso Poeta Maior, Carlos Drummond de Andrade, quando ainda se comemora o seu 120º ano de nascimento, digo que ainda tem uma pedra no caminho da produção cultural de itabiranos.

Passa ano, entra ano, muda governo municipal e a cantilena na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA) continua a mesma: nada muda, nada melhora, é o continuísmo continuado de sempre.

Por falta de critérios, de apoios efetivos, os produtores itabiranos efetivamente nunca tiveram apoios municipais, com raras exceções para aqueles que fazem parte da “panelinha”, os apaniguados de sempre.

A Lei Drummond continua engavetada e a Comissão Municipal de Cultura é um organismo “só para inglês ver”, só para fazer constar e agradar a alguns poucos para a FCCDA poder dizer à Secretaria Estadual de Cultura e à Secretaria Nacional de Cultura que a cidade de Itabira tem essa comissão.

A criação desta Comissão de Cultura foi um trabalho de anos e só foi concluída quando da obrigação por lei federal da criação. Mas, tudo que os membros tratam praticamente a administração não acata, infelizmente!

O tradicional Festival de Inverno é uma mera importação de concertos musicais e algumas poucas peças teatrais, verdadeira exportação de dinheiro com essas contratações chegando em um determinado ao valor bancado totalmente pelo município. Neste ano foram cerca de R$ 2 milhões que foram postos para fora da cidade.

Ademais, a cidade conta com uma grande empresa arrecadadora de impostos federais, a tal mineradora Vale, mas que quase nunca patrocina produções culturais de itabiranos, o que não quer dizer produções culturais realizadas em Itabira.

Por falta de apoios diretos aos produtores culturais itabiranos para realizar as programações no município de Itabira, quase não surgem novos produtores culturais por falta de condições essenciais, principalmente a do incentivo financeiro direto. E os mais antigos vão realizando pouco ou quase nada de nada.

No ano passado tivemos literalmente a morte da Semana Drummondiana com a chegada do Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira), assim como ficou escondidinha neste ano, desbotou, perdeu a cor.

Constatado está que a Semana Drummondiana já vinha morrendo, embora tenha sido criada por um grupo de admiradores da obra de Drummond de Andrade, liderada por professoras da antiga Faculdade de Ciências Humanas de Itabira, que formava professores e nem isso existe mais. Pobre Itabira que já não mais forma professoras e professores.

Agora temos essa Flitabira, programação elaborada por um produtor cultural não itabirano e totalmente por fora do contexto da produção cultural da cidade. Toda a equipe de apoio vem praticamente toda de Araxá, nem mesmo fotógrafo local eles contratam.

Chegou com este festival que é mantido com patrocínio da mineradora Vale e da municipalidade, uma situação primorosa nunca disponibilizada a algum produtor cultural itabirano.

No festival literário do ano passado publicaram uma foto de um casarão que não é de Itabira, possivelmente de Mariana.

É aquele negócio: “santo de casa não faz milagre”. Soube que a segunda edição do Flitabira, com o patrocínio da empresa garimpeira e mais da Prefeitura, alcançou a bagatela perto de R$ 3 milhões. (Correção: o Flitabira teve patrocínio do Instituto Cultural Vale de R$ 1.496.270,00 e o ViJazz ainda não teve o valor do investimento cultural divulgado. Ambos contaram com recursos da Lei Rouanet, que bancou a sua quase totalidade. N.R.).

Dizem que não há esse mesmo apoio aos itabiranos por falta de projetos culturais ou por falta de propostas dos produtores culturais locais, uma desculpa que não cola, pois a recíproca é também verdadeira.

Não dão apoio inicial e por conta disso não se cria nada de novo ou não se mantém o que foi feito alguma vez às duras penas com parcos recursos próprios ou minguados apoios do comércio local.

Pior ainda, esses que chegam de fora para realizar alguma produção cultural em Itabira, aqui aportam botando banca a denotar que o produtor cultural local não tem capacidade ou não busca a qualidade em seu fazer.

Menosprezam a todos e deixam transparecer que são melhores, pura bazofia dos tais. Nem uma mera representação fixa mantém em Itabira, somente na época da Flitabira.

Entretanto, com um volume de dinheiro deste porte é bem mais fácil de realizar algo. Basta pegar o telefone e ir montando a grade da programação de acordo com o orçamento que tem disponível, tudo muito simples.

Em cima desses fatos, esquecem-se esses estrangeiros, os da mineradora e os da produção da Flitabira, de que eles usufruem larga e ambiguamente da cidade, bem como do seu recurso natural, do financeiro e, pior ainda, da sua história e da sua cultura.

Enquanto isso, a FCCDA continua sem fazer concurso público, seguindo com o cabide de empregos para ganhar apoio de vereadores, puro fisiologismo que já é estrutural em Itabira, mesmo com todas as promessas de mudanças do atual prefeito Marco Antônio Lage (PSB). Triste, muito triste.

 

 

 

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12 Comentários

  1. Mauromeuamigo, bom dia. Texto perfeito, assino embaixo. Há décadas o Centro Cultural está sendo desmantelado em sua estrutura dorsal, roubos dentro das salas (cadê a ultima peça roubada?, o tapete da d. Dolores Dutra), funcionário recebendo dinheiro falsificado dentro de Centro Cultural. Nunca investigaram o roubo no museu casa do Brás. Sobre o Festival da mineradora assassina (mariana e brumadinho), comentei sobre o desinteresse pelo fazer cultural, mas é coisa de mineradora portanto, gangster, é apenas um escárnio pago aos cantores dos eua. O que importa é recuperar o centro cultural, que é da cidade. Flip, Vale, nao importam, nao são da cidade, é gente de fora explorando um povo pacato, sem voz.

    1. Olá, Cristina.
      Acompanho a Fundação Cultural, deixa o nome do Poeta pra lá, amiúde desde 2005 e vejo a sua diminuição a cada ano que passa.
      O que teríamos da Semana Drummondiana, ficou já no passado, e do Festival de Inverno só continua por conta de investimento maciço da Prefeitura a manter a propaganda em alta e o panis et circensis de sempre.
      Pior de tudo isto é vermos o uso e abuso de nossa história e cultura, bem como no espólio do nosso Poeta, por pessoas de fora e sem ligação com a cidade e o pior é ver essa mineradora aproveitando disto para dizer que investe na cultura da cidade de forma propositada.
      Tudo muito triste!

    2. Parabéns pelo texto, Mauro Moura. Um dos mais coerentes dos últimos tempos. Este desrespeito dos gestores aos trabalhadores da cultura itabirana se impõe ad eternum.Tanta luta para conquistarmos o Sistema Municipal de Cultura e o Conselho Municipal de Política Cultural, mas o desrespeito às decisões tem sido a tônica deste povo. Um plano decenal de Cultura belíssimo foi construído e votado em três conferências municipais, porém por simples falta de vontade política foi engavetado. Cultura em Itabira, não tem sido um bom negócio para nós, trabalhadores deste ramo, que apesar de tudo,vamos sobrevivendo, ainda que sejamos obrigados a abrir-mos mãos de nossas paixões pelas artes. Triste!

      1. Muito bem, Miriã.
        Foi um longo percurso até conseguirmos a instituição do Conselho Municipal de Cultura, como bem disse, foi muita luta para depois os governantes municipal fazerem de conta que a mesma não existe ou não tomar conhecimento de suas resoluções.
        Disse diretamente à superintendente e seu chefe de DPPA na última Conferência Municipal de Cultura e ambos responderam que eu estava equivocado, porém, a realidade está aí posta.
        E quanto aos coordenadores da FLItabira não contratarem ninguém da cidade para trabalhar na produção é mais um desrespeito com os itabiranos, deixa a entender que não temos capacidade para tal.
        É mesmo triste!

  2. Mauro Andrade que mente brilhante que escreve com tamanha elegância o abandono dos artistas de Itabira por tal instituição. Eu liguei e pedi para não me chamarem muito burocrático tudo portanto vocês não vão usufruir da minha música devido a tudo e mais um pouco que está mente brilhante escreveu nesta matéria. Estou com meu notebook estragado acidente ocorrido numa apresentação 0800 grátis na FCCDA pedi ajuda pois temos poucos recursos até o presente momento pediram 3 orçamentos coisa que nem deveria preciso que conserte o equipamento eu realmente sou um afetado. Da pandemia tadinho de um vereador ae ou de todos até hoje ninguém fez porra nenhuma. Lamentável. Parabéns de extrema relevância o texto, comentei sobre mim mas com certeza muitos outros são prejudicados a todo momento é implícito pois por estarem acomodados não gera conflito o que não gera conflito não incomoda. Nem seria para incomodar mas sim valorizar. Triste muito triste Deus abençoe que chegue no Marco Antônio que considero grande amigo e merece ler a avaliar este texto. Tem muitos artistas neste grupo é bom todos lêem e refletirem se vale a pena ler um texto lindo deste e ficarem calados. Sobre Flitabira sem comentários Drummond 120 anos literatura brasilera X Jazz Cultura Americana. 😭😭😭😭 De chorar Existe um caminhão de cargos e pedra no meio do caminho. Vando Lúcio.

    1. Então, Vando Lúcio.
      Quanto ao conserto do seu computador, a Fundação Cultural é obrigada a ter três orçamentos, porém deve dar celeridade ao processo de conserto ou compra para lhe restituir o seu pela responsabilidade dela.
      Infelizmente sempre vemos a cultura e história itabirana serem relegadas a enésimo plano por todas as administrações municipais, pois fazem alguma coisinha e se dão por satisfeitos.
      Quanto ao Marco Antônio, em conversa com ele antes mesmo da campanha eleitoral, ele me respondeu peremptoriamente que sabia tudo a respeito da Fundação Cultural e que, se fosse eleito, iria colocar alguém bastante capacitado como superintendente. Parece que nem conhecia tanto assim e muito menos nomeou pessoa com tamanha capacidade necessária para tão grandiosa função pública em nossa cidade.
      E FLItabira juntamente com a mineradora Vale, como já escrevi, é somente uso e abuso da história e cultura da cidade, não carecendo de mais comentários a respeito de ambas.

  3. Sr. Mauro, gostei de seu artigo e digo mais, os beócios pós modernos que produzem o flitabira devem estar zombando de suas verdades ditas com a propriedade de um itabirano legítimo. Estes produtores riem por serem cumplices da empresa Vale. O senhor deve se manter firme pois virá retaliação, eles sao os que usam a merde do perfume francês e se acham super superiores, tome cuidado pois a vale mata. Abraço ao senhor

    1. Olá, André Brasil.
      Sim, tanto os produtores da FLItabira quanto a direção local da mineradora Vale devem estar rindo dos itabiranos, usaram e abusaram de nossa história e cultura com essa programação com a justificativa de ter sido a mesma realizada na cidade, não se importando se os itabiranos tenham uma mínima capacidade de poderem participar da produção.
      A desfaçatez é tal com os itabiranos que a coordenação do FLItabira tem a capacidade de publicar em seu portal de internet sobradão que não é de Itabira, publicar fotografia do portal de entrada da cidade com uma qualidade zero e parecendo que foi tirada de aparelho celular de quinta categoria, deixando a entender que não há nem fotógrafos capacitados na cidade.
      Eu não temo por retaliação, já sou acostumado com isto desde menino quando a mineradora CVRD perseguia meu pai.
      E quanto à administração pública municipal, o que peço a eles é que trabalhem mais e melhor com o dinheiro da cidade em benefício de seus moradores deixando de lado o discurso que irão fazer enquanto nada efetivamente fazem ou acontece.
      Grato pela leitura e comentário,
      Mauro

  4. Eu já escrevi projetos pra Vale que nunca foram selecionados. Projetos sociais não são bem vindos, afinal, quem quer jovens em vulnerabilidade críticos e pensantes (sobre a própria condição de morador numa cidade mineradora), não é mesmo? Ensinar música pra jovens onde a violência e a criminalidade capturam seus direitos, não trazem visibilidade pra Vale. Ela só patrocina projetos consolidados, que são conhecidos e que, por muitas vezes, só fortalecem a hegemonia cultural unilateral: se vem de “fora” é bom, é “civilizado”. Não existe um recorte social epistemológico do entorno onde os projetos vão ser realizados.
    Vivemos em pleno séc XXI reproduzindo o pacto civilizatório do Brasil colônia do Séc XVIII, ignorando o fato que essa terra era indígena antes da invasão e da chegada das mineradoras.
    É fundamental considerarmos que nossa matriz é ancestral e portanto, nossas práticas precisam ser decolonizadoras.
    A arte que é produzida em Itabira tem valores simbólicos também e não deve ser relegada ao esquecimento.

    Não quero aqui tirar o mérito do FliItabira e sua contribuição pro lazer cultural da cidade. Não se trata disso. Também não ouso fazer nenhum juízo de valor.
    Quero apenas propor reflexões sobre os cânones que seguimos reproduzindo há tempos como modelos de fruição cultural, que muitas vezes excluem as práticas culturais que tecem nossa identidade e, estética e simbolicamente, nos desempossa da nossa própria cultura.

    Termino citando o cantor e compositor pernambucano Siba Veloso: “a cultura popular é a vanguarda, é a ponta de lança, que aponta para um país de democracia total e igualdade radical, pra quem sonha com isso nessas terras em tempos assombrados em que vivemos.”

    1. Olá, Nana.
      É assim, eu mesmo já tinha conseguido a aprovação do MinC em projeto cultural que poderia ter alguma relevância na cultura regional, porém, como foi proposto por itabiranos e somente fui recebido nos escritórios desta mineradora Vale porque a pessoa responsável pela comunicação dela na época é minha amiga, mas, obviamente, não foi adiante exatamente por ser de itabiranos.
      Está bem claro com essa FLItabira, como foi proposto por pessoas de fora da cidade, então a aprovação para o patrocínio pela mineradora é praticamente líquido e certo, como foi já por dois anos e presumo que tenha aprovação prévia para o ano que vem.
      É muita desfaçatez com itabiranos e, como escrevi, a direção da mineradora irá justificar que patrocinou alguma atividade cultural na cidade, mesmo que tenha sido proposta por não itabiranos e realizados por não itabiranos.
      É mesmo muito uso e abuso de nossa história e cultura por “estrangeiros”.
      É triste!

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