Um certo baile itabirano 

Foto: Reprodução/Correio da Manhã/BN

Veladimir Romano*

 

Ao relento, parecendo incógnito, talvez terra de ninguém,

viva alma do negro escravo,

achando seu destino

ao guarani e tupi, caminho e universo disperso…

agora, ainda agora, sempre mineiro.

 

Longe das insónias do mar, sem correntes nem terreiro,

gritam de voz cheia distinta liberdade

crescente em eco que logo dizem ser terra das minas…

 

Grande e antiga, espaço imóvel, cobiçado espanto dos homens,

descansam por instantes no tempo

tumultos de arcaicas conquistas.

 

Entranhas e trevas, desejos relâmpagos, panoramas de sonho,

das fronteiras à solidão…

chegou orvalho conquistando a pedra

e auroras construindo o dia.

 

Anónimo está o ouro, vai ardendo ferro, cheira café, cerrado e pantanal,

de como o diamante parece feito licor cristalino…

renascendo infâncias diluídas nas águas dos rios

daqui o feitiço marcando fama da terra centenária.

 

Pisando flores no caminho alguém assim sorrindo falou primeiro:

Quando e como violeta vão as noites…

repararam dois amigos… Carlos e Andrade…

 

É sábado, costuma ter festa entre histórias sábias do velho povo

negro, branco, mulato, tupi… lendo, declamando Drummond;

entre baião, chorinho e samba, o mambo vem com a quitandeira…

 

Também tem José esperando que alguém lhe dê um recheado poema

por que não tem baile Itabirano

que vá esquecer palavra sentida…

pois então, é noite de um certo baile em Itabira, sim!

 

Se cumpra essa liberdade buscando seu rumo de amor com Minas

esquecendo quantos generais.

Se comemore o pão da unidade na Terra-Mãe e ventre do imenso Brasil.

 

Pois, dizem ita ser pedra… heranças nativas…

é itaberaba, itabirito, itacuã, itaguaba, itatiba, itaipava, itaim…

 

De tudo quanto existe longe dos movimentos do velho latim.

 

Interlúdio pintando nas palavras do que a crisma colocou hoje em mim.

 

Entra puro-reino imaginado

lembrando sepulcros áridos

e a neblina trazida do sertão;

ficou escravo sepultado.

 

Oi, Itabira, desde o monte cimeiro

rasgando ribeiros procurando

mar salgado…

desvenda no espanto dos homens

descobertas do pintor

e o cavalinho do poeta

onde o burguês morreu

e o povo chorou coragem

no canto quando reza e procura

da semente ao orvalho

que a Liberdade chegue primeiro.

 

Por acácias e sebes brotando

aromas silvestres de séculos

namorando quantas manhãs,

abelhas e luas aladas cantando.

 

Virão… ai, Itabira, Itabira…

Como você engana fingindo que não existe…

 

Lisboa, 31 de outubro, 2022

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano.

 

 

 

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