Vale esconde de Itabira o Plano de Fechamento de Minas, inclusive das que já exauriram. E não atende pedido do Codema

Carlos Cruz

Embora esteja, pelo menos desde 2013, elaborando os necessários e exigíveis Planos de Fechamento de Minas (PFM), que são encaminhados ao mercado, via bolsas de valores, aos órgãos ambientais estaduais e à Agência Nacional de Mineração (ANM), Itabira muito pouco sabe desses documentos, apenas o que já foi revelado por este site Vila de Utopia.

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O conhecimento prévio daquilo que a mineradora pretende fazer com as cavas já exauridas, assim com as demais áreas mineradas, e mesmo o que já está sendo executado, deveria ser de conhecimento geral na cidade, que sofre com os impactos de vizinhança com a mineração nunca solucionados, apenas minimamente mitigados.

É o que ocorre com a poeira, o pó preto carregado de minério lançado sobre a cidade, a poluição sonora, além dos tremores das detonações de rochas de itabirito, como também com os riscos das barragens.

Mas mesmo sendo de interesse do público itabirano, a empresa mantém essas informações como segredo de ex-estatal, recusando-se a dar conhecimento à população de Itabira do teor desses relatórios, que devem ser atualizados e encaminhados aos órgãos ambientais estaduais e à agência reguladora a cada cinco anos.

Cobrança

Provocados pela reportagem deste site, na reunião de setembro os conselheiros do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) aprovaram o envio de ofício à Vale solicitando a remessa, para amplo conhecimento, dos sucessivos PFMs do complexo de Itabira.

Já na reunião deste mês, o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, leu a evasiva resposta da mineradora aos conselheiros, sem atender à solicitação do órgão ambiental municipal.

Sem citar os relatórios, e sem responder diretamente à solicitação do Codema, a Vale mais uma vez tergiversa na resposta.

Alega que o plano de exaustão das minas do complexo de Itabira foi “ajustado para 2041 em função da revisão dos planos estratégicos de lavra e de produção da empresa”, conforme foi detalhado no relatório 20F deste ano, encaminhado à Securities and Exchange Comission, para conhecimento, principalmente, dos investidores na Bolsa de Nova Iorque.

Horizonte

A mina Cauê exauriu no início deste século e a Vale não apresentou à Itabira o plano de fechamento. A cava está sendo preenchida com rejeitos de minério (Fotos: Carlos Cruz)

Ou seja, a mineradora responde apenas o que já é sabido, acrescentando que “as reservas minerais provadas e prováveis corresponde a 1,0023 bilhão de toneladas com teor de ferro a 45,8%”.

É mais ou menos o mesmo volume que Itabira possuía de minério provado em 1902, quando o mundo tomou conhecimento dessa imensa reserva ferrífera contida em seu subsolo, na histórica Conferência da ONU, a primeira organizada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) – e também por intermédio de Drummond, em 1932, na crônica Vila de Utopia:

“É curiosa a vila de Utopia, posta na vertente da montanha venerável e adormecida na fascinação do seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro, que darão para ‘abastecer quinhentos mundos durante quinhentos séculos’, conforme garantia o visconde do Serro Frio.”

“Os números que exprimem a quantidade de minério de Itabira, confirma o professor Labouriau, são astronômicos: de tão grandes tornam-se inexpressivos”, vaticinou o poeta, profetizando que tamanha riqueza poderia virar um grande mal para Itabira do Mato Dentro, pela acomodação subsequente. “Tanta riqueza em potência vem sendo, talvez, um grande mal para a vila de Utopia.“, escreveu o cronista itabirano. “A vida passa devagar em Itabira do Mato Dentro.”

Da pura hematita dos primórdios da mineração em larga escala, em 1942, quase nada existe mais no complexo de Itabira. Resta apenas um veio remanescente desse quase puro minério de ferro que a empresa planeja explorar no futuro, por meio de lavra subterrânea.

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Realidade paralela

As poucas informações sobre o PFM, assim como sobre o plano econômico para as minas de Itabira, já aprovado pela ANM, só têm chegado ao conhecimento da sociedade itabirana por meio de reportagens deste site, obtidas com acesso aos dados, que ainda não estão sob sigilo, na agência reguladora e também junto aos órgãos ambientais estaduais.

Ou seja, não são informações da empresa dirigidas à sociedade itabirana, mesmo dizendo prezar pela transparência. “Os projetos de fechamento de mina e o futuro do território serão construídos com base nas diretrizes de sustentabilidade e no conceito de valor compartilhado, em que a escuta ativa e o engajamento com a sociedade são fatores essenciais, além de considerar a aptidão do município.”

Se é assim, por que então a mineradora se recusa a encaminhar os respectivos PFMs ao Codema? É o que pergunta também Denes Lott, presidente do órgão ambiental, em nova correspondência encaminhada ao gerente do complexo minereador de Itabira, Daniel Daher.

Ao ressaltar que a Vale não apresentou os PFMs de Itabira, conforme solicitado pelo Codema, o secretário lembra que esses documentos estão regulamentados na resolução ANM 68/2021, prevendo as formas de “descomissionamento das estruturas e o uso futuro das áreas mineradas”.

Portanto, Itabira tem direito à essa informação, enquanto a mineradora deveria ter a obrigação legal de tornar público esses documentos. E mesmo que não seja legal, já que a legislação é vaga, a divulgação desses documentos é premissa para o diálogo e para as negociações em torno do descomissionamento das minas, cujas medidas mitigadoras e compensatórias devem ter início desde já.

É o que cobra, mais uma vez, o presidente do órgão ambiental municipal, em nome dos conselheiros e da sociedade itabirana.

“Para o município de Itabira, trata-se de verdadeiro instrumento de gestão e planejamento, cuja disponibilização e publicidade demonstrará a solidez da parceria da Vale com esta cidade”, afirma Denes Lott na missiva novamente enviada à mineradora Vale.

“Diante do exposto, reiteramos à empresa Vale a solicitação para apresentação ao Codema do Plano de Fechamento de Mina do Complexo Minerador de Itabira em todas as suas versões, as já elaboradas, incluindo a que está vigente e, periodicamente, a partir de agora, das próximas atualizações”, reivindica o presidente do órgão ambiental.

 

Essa recusa de informar Itabira sobre algo que é de grande importância para o presente e o futuro do município, demonstra incoerência, quando a mineradora afirma que “os projetos de fechamento de mina e o futuro do território serão construídos com base nas diretrizes de sustentabilidade e no conceito de valor compartilhado”. Pois então, onde está esse compartilhamento?

Que os planos anteriores, o atual, e o futuro, a ser encaminhado à ANM até 1 de dezembro, conforme as referências estabelecidas na resolução 68/2021, da agência regulamentadora, sejam também informados a Itabira, por meio do Codema.

Sem isso não há escuta ativa e engajamento com a sociedade, a não ser na realidade paralela em curso no país e na cidade de Itabira.

Leia a íntegra da resposta da Vale ao Codema

 Itabira, 13 de outubro de 2022.

Ref.: ofício 063/SUPMA/SMMA/2022

Prezado Senhor,

 A Vale AS, (…), vem, respeitosamente, em resposta ao ofício em tela, informar o que segue.

Conforme relatado no Relatório 20F, o plano de exaustão das minas do Complexo Itabira foi ajustado para 2041, em função da revisão dos planos estratégicos de lavra e de produção da empresa. As reservas minerais provada e provável correspondem a 1,0023 bilhão de toneladas com teor de ferro de 45,8%.

Importante esclarecer ainda que premissas econômicas, demandas de mercado e avanços tecnológicos podem interferir na estimativa dos recursos e reservas minerais declarados.

Os estudos da Vale para aumento do aproveitamento das reservas indicadas em constante evolução. Esses estudos levam em consideração aspectos tecnológicos, ambientais, legais e sociais.

Após conclusão de viabilidade, os resultados serão submetidos ao processo de obtenção das licenças requeridas para a continuidade de qualquer empreendimento da empresa.

Além disso, a Vale tem se dedicado às ações que busquem o desenvolvimento de oportunidades para o município de Itabira dentro do conceito de visão sistêmica e integrada.

Os projetos de fechamento de mina e o futuro do território serão construídos com base nas diretrizes de sustentabilidade e no conceito de valor compartilhado, em quem escuta ativa e o engajamento com a sociedade são fatores essenciais, além de considerar a aptidão do município.

Sendo o que se apresenta para o momento colocamo-nos à disposição para o que se fizer necessário, ao passo que renovamos nossos votos de estima e consideração.

Eder Medina, Meio Ambiente Corredor Sudeste

 

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1 Comentário

  1. Se a mineradora tripudiou sobre as vitimas do crime de Mariana e Brumadinho, nao se deve esperar que ela devolva as migalhas a Itabira, a canalhada da mineradora é estadunidense e brasileiros comprometidos com o capital estrangeiro. E o povo da cidade tem a mente industrializada. Itabira baba ovo pro seu inimigo numero 1, a MINERADORA VALE. Já era!

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