Itabira em águas secas
Rio Tanque abaixo de Senhora do Carmo ainda recebe esgoto do distrito
Fotos e vídeos: Ygor Bibiano de Souza Moura
Mauro Andrade Moura
Em memória ao meu saudoso pai, Aníbal dos Santos Moura, que sempre labutou em prol da manutenção das nascentes de Itabira.
Passa ano, entra período de seca e a cantilena é sempre a mesma.
Por mais um ano os moradores de Itabira sofrem com o descaso proporcionado a partir dos excessos promovidos pela mineração de ferro, pois as águas que vertiam do contraforte da Serra do Esmeril hoje são bombeadas para lavar o minério e retirar a sílica (areia).
Temos estabelecido em nosso Código das Águas que a água primeiramente deve ser utilizada pelos cidadãos e animais e somente após para a irrigação de plantios e no uso industrial, sendo que a ordem aqui, em Itabira, está invertida totalmente.
Há décadas o antigo superintendente da CVRD Ricardo Dequech declarava em público que a cava do antigo Pico do Cauê ficaria para armazenar a água do aquífero e também para colher e reter a água das chuvas.
E assim ficaria como uma enorme caixa d´água, que verteria naturalmente para as antigas nascentes no centro urbano de Itabira.
Ocorre que passado várias décadas, a mineradora Vale, sucessora da CVRD, vem entupindo aquela cava com o material friável, mais comumente conhecido como rejeito mineral e assim a cidade ficou sem sua caixa d´água.
Sabe-se que o ribeirão da Pureza, está mais para um corguinho sofrido. E que há décadas já não suporta atender a demanda de 50% de toda água potável consumida pelos moradores de Itabira.
Se fosse aplicada a lei ambiental, essa captação teria de cair para bem menos deste inconcebível percentual que vem sendo praticado continuamente, já que a outorga municipal tem sido superada.
Em termos de captação de água para atender aos moradores a última obra de monta foi ainda em 1986 com a captação da água e abertura da Estação de Tratamento de Água (ETA) no ribeirão dos Gatos, que atende aos moradores da região Norte de Itabira.
Em 1994 foi feita uma captação paliativa pela CVRD, em decorrência de acordo com a prefeitura, com a abertura de sete poços artesianos. Ocorre que após esses quase trinta anos pelo menos a metade desses poços já não funcionam. (PS a LOC é de 2000)
Agora em 2020 foi feito a interligação de todo o sistema de água potável de Itabira, no intuito de poder fazer alguma distribuição de um lado a outro dos dois pontos principais de tratamento da água, entre a Pureza e os Gatos. Trata-se de mais um paliativo para que a maioria da população possa ter a garantia da distribuição de água potável. Será que funciona?
Águas secas
Ainda em meados de 1930, Virgínia Augusta de Andrade Lage, proprietária da Camarinha, atualmente conhecida como Minas do Meio, cedeu o uso das águas que ali nasciam para atender aos moradores da cidade, o que durou até a abertura da ETA da Pureza.
Com o aumento das agruras e securas promovida com os excessos de uso pela mineradora na cidade, essas nascentes voltaram a ser utilizadas com a abertura de dois poços artesianos em 1994, sendo que um já não funciona, a atender o bairro do Pará e parte do Centro de Itabira.
Em 2005, após audiência no Fórum da Justiça, e com acordo do município de Itabira e a Gerência de Patrimônio da União Federal, foi implantado o programa “Mãe D´agua”, para reabilitar a mata ciliar do corguinho que nasce na Fazenda Boa Esperança/Posto Agropecuário.
Ocorre que esse programa funcionou por poucos anos e foi desativado totalmente pela administração municipal passada, a saber que o mesmo era para criar o senso nos cidadãos para a preservação, manutenção e possível captação de água para o consumo humano e de animais.
Praticamente nada foi feito no Posto Agropecuário no que tange à preservação do córrego Mãe D´água, que está ainda hoje com a sua mata ciliar desprotegida, mesmo que isso faça parte do acordo com a Gerência de Património da União Federal.
Considerando que esse córrego é um dos afluentes do ribeirão da Pureza, que fica na parte Sul/Sudeste da cidade, a sua preservação torna-se essencial.
Em promessa acertada pela Vale com o Ministério Público de Minas Gerais e interveniência do município, ficou ao encargo da mineradora a captação das águas do rio Tanque, o que tem sido apontado como solução definitiva (sic) para a crônica falta de água em Itabira.
Ora, como será uma “solução definitiva” se o rio Tanque está secando, como se observa neste período de seca, quando vira um ribeirão sofrido ou um corguinho mesmo?
E que no período das chuvas, pela falta de mata ciliar e assoreamento de seu leito, se torna um rio barrento, recebendo ainda a maioria de esgoto de toda a nossa zona rural, o que pode ainda comprometer a nascente “indústria do turismo” na região.
O rio Tanque nasce na Serra dos Alves a noroeste de Itabira. Pelo que está projetado, essa captação de água deve ser feita a uns 30 quilômetros do centro da cidade, o que impactará um custo considerável de manutenção e bombeamento dessas águas.
O rio Tanque em seu curso passa por quatro municípios, a saber: nasce em Itabira, corre em Itambé, escorre em Santa Maria de Itabira e deságua no rio Santo Antônio, em Ferros.
Neste percurso o rio Tanque vai sofrendo todo tipo de uso e mau uso, considerando que passa por diversas fazendas, as quais, naturalmente utiliza aquelas águas para as suas atividades.
Boa parte de suas margens carece das necessárias matas ciliares. Além disso, sofre com o pisoteio do gado que por ele matam as suas sedes.
Parte considerável das nascentes de pequenos cursos d´água que desaguam no Tanque, como ocorre com os ribeirões da Pureza e dos Gatos, não são preservados, diminuindo ainda mais o volume de água.
A expectativa é de que com o projeto Águas de Itabira, lançado pela prefeitura em substituição ao Preservar para não Secar, extinto pela administração passada, possa surtir o efeito desejado, diminuindo esses impactos nas nascentes.
E a reconformação das matas ciliares por toda a extensão do rio deveria constar como condicionante da captação e transposição da água do rio Tanque, e paga pela Vale.
Além disso, mais valeria se essa água a ser captada no rio Tanque ocorresse na represa que toca as turbinas da hidrelétrica Dona Rita, pois ali o volume da água é mantido em bom nível. E a sua captação naquele local não impactaria tanto como ocorrerá provavelmente pouco abaixo da nascente, ainda no território itabirano.
Essa captação na represa da dona Rita serviria também para atender ao centro urbano de Santa Maria de Itabira, devido a proximidade entre esses locais.
A população de Itabira já passa dos 120 mil habitantes, o período de seca é extenso e a carência de água potável é considerável.
Será mesmo essa captação a solução definitiva, ou atende mais uma vez aos interesses da Vale, que ficará com 400 litros por segundo (l/s) dos 600 l/s que serão captados, conforme tem reiteradamente informado esse site Vila de Utopia.
É hora de Itabira planejar o seu futuro sem depender da Vale, pois como dizia o meu pai, o “que é bom para a Vale, com certeza não é o melhor para Itabira”.
Leia mais aqui: O que faz a Vale arcar, após anos de reivindicação, com os custos da captação, adução e tratamento da água do rio Tanque
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