Crise na Argentina vai afetar o Brasil
Rafael Jasovich
Não seria novidade se um jornal argentino estampasse em sua manchete que o país vive uma crise sem precedentes. A nação vizinha ao Brasil sofre com picos constantes de ebulição política e econômica e já passa por um novo momento de forte instabilidade.
Seja a pandemia, o conflito na Ucrânia ou as eleições nos Estados Unidos, os impactos de crises e eventos mundiais sempre são mais profundos na Argentina devido à grande sensibilidade ao dólar.
No último dia 2 de julho, o então ministro da Economia argentino, Martín Guzmán, renunciou ao cargo e deu novos contornos à crise do atual governo de Alberto Fernández.
De correntes políticas diferentes, o presidente e sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, se veem em lados opostos do debate sobre como enfrentar a atual situação econômica do país.
Enquanto Fernández apostava em Guzmán para tratar da dívida externa do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o grupo de Kirchner defende nova orientação política quanto ao acordo estabelecido pelo ex-presidente Mauricio Macri.
Além da dívida externa, a Argentina convive há alguns anos com outro grave problema econômico. Com taxas galopantes, a inflação chegou a 60,7% em maio no acumulado em um ano.
Para piorar a situação de Fernández, o governo perdeu a maioria no Senado para a centro-direita na eleição legislativa de 2021. Em 2023, o país terá novas eleições presidenciais.
E há jornais locais, como o Página/12, que já apontam a possibilidade de Kirchner concorrer às prévias contra Fernández, no que seria a cristalização do racha do atual governo formado para derrotar a direita de Macri no pleito passado, em 2019.
Argentina não conseguiu, ao longo dos anos, se desvincular de sua dependência da moeda americana. Além de boa parte da população preferir manter suas reservas em dólares, para não perder dinheiro de compra com a desvalorização do peso argentino, o país é exportador de commodities, principalmente de trigo, deixando o mercado interno ainda mais dependente do exterior.
Impactos no Brasil
Mesmo havendo um forte relacionamento comercial entre Brasil e Argentina, a dependência econômica de Buenos Aires para com Brasília é muito maior do que o contrário. O fato de o Brasil vir patinando economicamente nos últimos anos, com momentos de recessão, é mais uma pedra no sapato argentino.
E bom lembrar que uma parte do segmento de autopeças da indústria automobilística brasileira está vinculada à Argentina, o que poderia gerar aumento de preços no país. Porém a desvalorização do peso promove um balanceamento, já que o real fica cada vez mais forte frente à moeda argentina.
O Brasil é grande consumidor de trigo da Argentina, e essa é uma commodity que segue os preços internacionais, que já estão elevados desde o conflito na Ucrânia. Diria que o Brasil não deve se preocupar tanto, a não ser alguns exportadores que desaguam produtos na Argentina.
Brasil como importante membro do FMI, poderia intervir nessa renegociação [da Argentina com o fundo monetário internacional] de uma maneira mais pesada.
O Brasil quitou suas dívidas com o fundo monetário durante o governo do ex-presidente Lula, em 2005. Em 2009, o país chegou até a emprestar dinheiro à organização pela primeira vez na história.
Tanto os governos de Jair Bolsonaro como o do ex-presidente Michel Temer abandonaram as relações Sul–Sul como prioridade e voltaram à situação de vassalagem para com os Estados Unidos e o mundo europeu.
Mas é muito complicada uma crise argentina diante de uma crise econômica brasileira. É como se o que resta de motor industrial na América do Sul estivesse indo a pique.
Isso é preocupante para todos. E pode prejudicar, sim, as cadeias integradas. A desindustrialização nos afeta, no Brasil, e a Argentina também.