Itabira do Matto Dentro – o Hospital N. S. das Dores, o monsenhor Felicíssimo e a Maçonaria
O primeiro hospital Nossa Senhora das Dores, fundado por monsenhor Felicíssimo. está em frangalhos, exigindo uma urgente restauração
Foto: Carlos Cruz
Nesta edição, das lembranças da Cidadezinha, a Vila de Utopia transcreve um pouco da história do grande itabirano (não era garrucheiro, ele nasceu em Ouro Preto), monsenhor José Felicíssimo do Nascimento (1806-1884), e da primeira loja maçônica na Itabira do Matto Dentro.
No dia 23 de março de 1866, Emílio Soares de G. Horta Junior, fez o discurso em homenagem ao fundadador do Hospital Nossa Senhora das Dores – o monsenhor Felicíssimo – ao dependurar na parede o retrato do ilustre monsenhor, mandado fazer pelo confrade João Camillo de Oliveira.
Trechos que contam a história da fundação do HNSD e da primeira loja maçonica, Oficina Fraternidade IV, na Itabira. E lê-se também ofensas aos jesuítas que no Brasil ensinaram a escrever sobre areia de rios e mares que o vento apagava, mas não nos ensinaram a interpretar o texto, razão do porque não há futuro para o Brasil (acho eu).
Como desfeita aos jesuítas cito o formidável padre João Daniel (1722-1776), autor de textos compilados no livro Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas, pela editora Contraponto, 2004, obra belíssima e que não se pode deixar de ler para compreender o Brasil. (Maria Cristina Silveira, do Jardim Plantada à Beira-Mar da Glória)
Do discurso do Emílio Horta – Foi em 1853 que monsenhor Felicíssimo por intermédio do tenente coronel João Baptista Drumond, de saudosa memória, convidou nossa municipalidade a promover uma subscrição, cuja soma se empregaria na fundação de um hospital.
O apelo não se fez debalde. A semente caiu em terra fértil, e germinava viçosa. A 11 de julho de 1854 celebrava-se a primeira reunião dos esforçados propugnadores de tão santa ideia, os quais, para realiza-la, nomearam provedor monsenhor Felissimo.
A 15 de abril de 1859 instalou-se o Hospital Nossa Senhora das Dores, e nesse dia tão glorioso para a Itabira, os primeiros enfermos receberam no leito da caridade o suave alívio de suas dores. [Diário de Minas, 17/6/1866. BN-Rio]
A cama francesa – Carta que o Monsenhor Felicíssimo dirigiu ao dr. Daniel Arthur Horta agradecendo a oferta que ele fez ao Hospital da Cidade da Itabira:
Ilm. Sr. Dr. Daniel Arthur Horta. – Cidade da Itabira 12 de junho de 1866.
Hoje me foi entregue a cama francesa, que v.s. deixou para o hospital desta cidade. Vou diligenciar sua venda para empregar o seu produto nas despesas do mesmo, que ora são excessivas pelo subido preço a que tem chegado os gêneros alimentícios.
Com sentimentos de estima e gratidão sou de v.s. amigo afetuoso criado – Monsenhor Felicíssimo, provedor da Santa Casa. [Diário de Minas, 2/10/1866. BN-Rio]
Vigário e maçons – (Do Colombo). Existe na cidade de Itabira, em Minas, um antigo e respeitável vigário, chamado José Felicíssimo.
Tomando ao sério o que de bom tem encontrado nos livros da sua religião, este sacerdote entre as virtudes que honra com a palavra e com o exemplo, tem em elevada conta a caridade e a tolerância.
A seus esforços e perseverança deve aquela cidade a edificação do templo em que pratica o culto, à sua prudência e circunspeção a paz e a tranquilidade das consciências.
Este honrado sacerdote foi convidado para assistir a um espetáculo de acrobatas que por ali se exibiam, devendo ser o produto da função recolhido a caixa da loja maçônica do lugar.
Duvidavam os maçons da coragem do seu excelente vigário em afrontar as iras do ultramontanismo, em que está engolfada a igreja brasileira, e por isso não contavam com a sua presença.
O vigário compareceu, e sua presença, como era de esperar, produziu a mais agradável sensação. No correr do espetáculo o gracioso circo pôs em leilão um insignificante objeto, que alcançou o preço de seis mil réis. A pessoa que o arrematou pediu nova licitação sobre o objeto com aplicação às obras da igreja Matriz. O ato do vigário começava a dar resultado. O novo leilão rendeu 500$ que foram entregues ao reverendo Felicíssimo.
Não contentes com esta prova de heresia, os maçons resolveram no mesmo espetáculo que fosse oferecido ao padre para aplicar à sua igreja o produto da festa. Assim foi que mais de 200$ reuniram-se a quantia anterior e sua reverendíssima voltou com 700$ nas algibeiras, dados pelos excomungados maçons para a conclusão da igreja.
O padre Felicíssimo faria um bom serviço, se repartisse e fosse recebido pelos jesuítas episcopais que nos estão a incomodar, um pouco da sua sabedoria e circunspeção.
Temos estas informações do nosso digno correligionário e amigo, o sr. Augusto Mourão, o qual esteve presente à esta tocante cena. [Diário de Minas, 26/7/1873. BN-Rio]
Loja maçônica de Itabira – Enquanto o jesuitismo trabalha por minar e diluir o grande edifício da religião católica, a maçonaria, essa filha dileta de Jesus Cristo, serena e altiva, caminha firme na sacrossanta missão a que se impôs, já distribuindo o óbolo da caridade pelos necessitados, já concorrendo para conservação dos hospitais e reparos de igrejas, e já finalmente consagrando à memória dos finados pertencentes a seu grêmio, atos da verdadeira caridade e religião.
A Oficina Fraternidade IV, há pouco fundada na cidade d’Itabira, já tem demonstrado a toda luz como é robusta e viva a instituição maçônica, e envolvendo-se no sublime véu do mistério, acalma as dores do pobre e as lágrimas dos aflitos, com a beneficência e pura religião católica.
A esta Oficina deve o povo itabirano o ser hoje um dos dias mais cheios de glória e esplendor; porque, tendo falecido o maçom Joaquim Caetano de Paula e Silva, mandara a Loja celebrar uma missa e liberar-me para descanso de sua alma, e para a missa convidara toda a pobreza, que, em número superior a 400 pessoas, comparecera e assistira a celebração do ato religioso.
Depois o povo maçom dirigira-se a Loja, e aí distribuíra esmolas de 500 réis para cada um, tendo-se elevado as esmolas a mais de 200$000 réis. Atos semelhantes não mendigam elogios, porque eles por si mesmos elevam-se da face da terra, e vão reproduzir no seio de Deus, fonte de toda virtude e caridade. E, no entanto, os jesuítas, envolvendo-se suas consciências nos seus amplos e denegridos seios, ainda passam murmurando que tais atos são fingidos.
Eia, pois, obreiros da Fraternidade IV, enchei vossos corações de ondas d’alegria, e vede o sorriso do pobre a contar a seu vizinho que não há memória na Itabira d’esmolas espalhadas em tanta profusão, e como tão boa vontade.
Continuai, pois, na mesma vereda, e crede que o agradecimento do pobre recompensa a catadura feia e ameaçadora do jesuíta retrógado.
Itabira, 27 de novembro de 1873. Um pobre. [Diário de Minas, 11/12/1873. BN-Rio]
O monsenhor Felicíssimo foi amigo do poeta Bernardo Guimarães que escreveu um poema para o amigo padre poucos dias antes de sua morte em 1884. Este foi o último poema de Bernardo Guimarães.
À Memória de Monsenhor Felicíssimo
Bem poucas lousas há que em si contenham
Cinzas mais preciosas,
Bem poucas há que merecido tenham
Pranto mais puro, bênçãos mais saudosas.
Do povo desolado.
Que viu da morte ao golpe despiedado
Tombar ao chão da campa o altivo cimo
Do tronco que lhe dava sombra e arrimo.
Mas o tronco tombado entre os viventes
Deixou frutos benditos;
Seus feitos e virtudes eminentes
Em eternos padrões acham-se escritos;
Das doutrinas do mártir do Calvário
Foi denodado intérprete fiel.
Desta vida no túrbido cenário,
Como outrora o profeta Samuel,
Foi sua escola o templo,
Em que o espírito vivaz e penetrante
Bebeu seiva abundante
De altas lições e salutar exemplo;
Dedicou todo o ardor da juventude
Da liberdade ao culto,
Sofrendo com estóica e sã virtude
Por amor dela o desacato, o insulto,
Contratempos, trabalhos, amargores,
Fadigas mil, terríveis dissabores;
Mas prosseguindo impávido e altaneiro
No começado, glorioso esteiro,
Como o arroio que desce da montanha
De cascata em cascata,
E contra as rochas a bramir se assanha
Desdobrando-se em ondas cor de prata;
E se afastando do obscuro ninho
Lá vai-se engrandecendo em seu caminho,
Depois por largos planos deslizando
Tranqüilo e majestoso.
Em longo curso vai fertilizando
As margens que percorre caudaloso,
Até que através de mil azares,
Vai-se embeber na vastidão dos mares:
Tal foi o curso da afanosa vida
Do exímio sacerdote,
Da caridade luminoso archote,
Que há pouco se apagou!
Foi seu começo luta embravecida
Contra a tormenta e desfavor da sorte,
Até que um dia achou
A seus anelos glorioso norte.
O manto desdobrou da caridade
Por sobre um povo inteiro,
E exalando o suspiro derradeiro
Passou sereno ao mar da eternidade.
Sobre o seu berço bruxuleia incerta
A sombra do mistério;
Mas sobre sua campa há pouco aberta
Verte clarão sidéreo
Lâmpada eterna, que à posteridade
Recomenda o herói da caridade.
Para saber mais sobre o Monsenhor Felicíssimo leia também Um liberal de batinas: a trajetória de Monsenhor Felicíssimo e a questão religiosa, de Bruno Henrique Fernandes e Alexandre Mansur Barata.
Monsenhor Felicíssimo demandou a todos da cidade a fazerem o Hospital, foi com grande empenho que ele conseguiu este feito numa cidade que a população crescia e estava muito carente de bons atendimentos médicos.
São vários os itabiranos que doaram alguma monta de dinheiro e algumas declaradas em testamentos e inventários para a edificação e manutenção da Irmandade Nossa Senhora das Dores.