Itabira Infeliz (desde 1890)
Panorama do centro de Itabira 1899.
Foto: Brás Martins da Costa Acervo: IBGE
Estivéramos nos séculos da astrologia, os peritos na arte dirão que esta cidade nasceu debaixo do influxo do astro da infelicidade. Hoje, porém, quando nós compreendemos que o homem é a máxima parte no seu bem-estar e prosperidade, é inexplicável que mal gênio assentou sua fatal morada sobre este altaneiro pico.
Esta cidade, tendo aliás todos os elementos para merecer a vanguarda de suas coirmãs da nobre Minas, vai fazendo passo retrogressivo, enquanto as outras ou em realidade ou em próxima esperança avançam sempre.
Pequenas localidades que ainda ontem sentiam o bafejo materno da Itabira, hoje olham-na de revés e com desdém, deixando-a como uma velha cansada que com passo lento ou descansando em pé, contempla com inveja as filhas que lá se vão saltando cheias de vida e animação ao banquete dos desposorios da civilização e do progresso.
O observador que de parte contempla este espetáculo, pergunta de si para si: Por que esta velhice precoce? por que caminha a passos largos para o túmulo ela que tem razão para uma vida vigorosa? Por que está quase a estender a mão indigente ao viandante perplexo, esta que guarda em seus cofres riquezas para felicitar um império? É difícil a resposta.
É, porém, a dura verdade. A grande e rica cidade de Itabira descamba de dia para dia para o ocaso, e um ocaso vergonhoso, por sem razão. Coberta de ouro deste alto pico que lhe está a cavaleiro, e que dá-lhe o belo nome original, até seus últimos confins de muitas léguas; nadando por todos os lados em um mar de ferro; possuindo em sua extensão a mais fértil terra para toda a espécie de cultura; coberta das mais nutritivas e lindas pastagens; empório de tudo o comércio do norte; possuindo um povo laborioso e cheio de ambição, e assim mesmo morre!
Cidade populosa e, das do centro, desde a capital, só inferior à Diamantina; industriosa, que em seu seio já pode formar duas grandes fábricas de tecidos de algodão; não só, mas em toda outra indústria; contando sempre grandes trabalhos; e, no entanto, mesmo assim definha! Onde está o segredo desse mal que tão atrozmente corroí-lhe a vida?
Há no individuo, um órgão, que obstruído, embora todos os outros em plena vida, esse indivíduo é cadáver; assim é também a sociedade, grande ou pequena.
Esse órgão é a cabeça, o órgão que pensa; o órgão que do alto de sua posição domina todos os mais.
Pois a causa do aniquilamento desta futurosa terra é a falta desse órgão necessário. Tudo tem ela de sobejo, mas falta o elemento da vida ordeira e una; e enquanto não o tenha caminhará sempre como monstro para todos os lados menos para diante.
Houve um tempo em que Itabira cresceu; foi justamente quando uma plêiade de homens sensatos e patriotas, à cuja frente se via monsenhor José Felicíssimo, que, cheios de união e desprezando os comandos próprios, olharam para o benefício público.
Isso acabou-se, infelizmente, e com esses homens vai morrendo também a sua criação. Depois, uma política tacanha, miserável; o benefício só enquanto pegasse a pressão de voto.
Uma vista míope e egoísta olhando só de perto para si; um contínuo bocejo da inércia confiada nos dinheiros públicos; o titular da criança, que só procura apoio para segurar-se, isto tudo começou o descalabro, que vai sendo completo dia para dia si alguém não pensar por esta pobre cidade digna de melhores destinos.
Hoje então, causa dó a vertiginosa carreira em que avança Itabira para o abismo. Os seus destinos colocados em mãos inábeis ou invejosas que vão pagando caro as críticas virulentas de passados homens ou de trânsfugas estragados, acostumados ao almocafre de empregado público, convidam-nos a tomar a luto do funeral. Não creio que haja neste vasto Estado localidade mais baixamente governada.
O mais boçal mandão de aldeia que por aí haja, com certeza pegará com menos desastre o timão de sua canoa, temendo ao menos que se afunde.
Mas na Itabira, o instinto de conservação seria anomalia; falta lhe o órgão do pensamento. Desta tresloucada governação provém outra igual desordem; a falta de união.
Esta falta parece proposital da parte desses que avocaram a si o mando ou influência; importa-lhes em muito arredarem-se os homens sensatos por que o instrumento próprio para o acrobata é a maromba.
Moralmente eram estes os primeiros degraus da queda desta cidade que foi boa e esperamos ainda alcance seus foros. Por acréscimo a estes males vem ainda o ludibrio com que tem ela sido tratada pelos poderes públicos.
Parece mesmo que por colocar, onde merecem estar, as ridículas caricatas influencias, os homens que dirigem o país não as enxergam quando reclamam, ou não as ouvem.
Por isso tem a Itabira ficado sempre à margem nos favores gerais e benefícios dos governos. O único remédio que hoje pode salvá-la é a sua união com o mundo civilizado pela ferrovia.
A entrada de novo pessoal que não esteja afeito a essas lutas e intrigas baixas; o engrandecimento do comércio e meios de trabalho; a influência de todas as produções que ora aí jazem apodrecidas por falta de possibilidade de oferta e procura, são com certeza bem segura base de esperança.
Ainda aqui tem esta cidade navegado contra o vento. Exultou de alegria uma vez quando viu bater-se a última baliza da estrada Leopoldina, dentro de uma de suas praças; mas frustrou-se bem depressa porque a companhia não quis e não véio.
Acendeu-se uma outra vez um lampejo de alegria. Foram feitos estudos para o prolongamento partindo de Ouro Preto; novamente frustrada e infeliz Itabira e todos os dias promessas! E todos os dias telegramas! E as promessas e os telegramas vem já fechados para irem à urna.
É certamente um cumulo de abuso e de ironia lançada à face desta cidade. No entanto para não repisar vantagens já conhecidas, basta considerar que as duas bem montadas fábricas de tecidos importam algodão de seu consumo e exportam grande parte de seus tecidos, e quanto iria nisso de lucros para a estrada?
Demais, sobe a cem mil arrobas o café, que daqui é enviado ao mercado, já deste município, já dos municípios circunvizinhos, que terão aqui seu embarque cômodo e natural. E, não merece, uma cidade populosa, em geral composta de bons cidadãos e todos dados à indústria, com todos os meios de riqueza a única coisa que pode arrancá-la do aniquilamento a que caminha?
Se me fora possível falar ou se minha voz pudesse ser ouvida, eu gritaria bem alto aos cidadãos que dirigem as redes deste Estado: senhores, não penseis que a Itabira é pugilo de homens que vós tão tristemente conheceis: vós sabeis qual a lei das efervescências, começai por serdes conscienciosos na escolha do pessoal que vos tem de representar nela: continuai por fechardes os olhos e tapardes os ouvidos a todos esses pretensos chefes ou influências que só tem de real a fumaça, e acabai por vos convencerdes de que a Itabira em todo o sentido merece mais que nenhuma outra cidade de Minas toda a influência benéfica de um governo que deseje o engrandecimento deste Estado que parece talhado para em breve ser uma potência.
Nullus
A Ordem (MG), 22/11/1890. Hemeroteca BN-Rio. Pesquisa: Cristina Silveira]
Vejo nos estudos voltados para a pesquisa, dois conterrâneos tenazes, minha querida Cristina Silveira e o
querido Mauro Moura, cada um traga no peito o sentimento particular que a ambos nutro. Companheiros
de estradas, labutas onde permeiam alegrias, tristezas, insatisfações que, teimosamente como o ferro, se
vê a insistência resignada a um destino, que resiste ao nosso desejo de ver a nossa cidade transformada,
mas que o reprogresso procurado em meia dúzia de palavras traduzidas pelo Google, outrora, cabeceira
de berço do Aurélio, adiantamento, ascensão, aumento, avanço, crescimento e desenvolvimento, nos sinalizam o contrário e que essas palavras por mais que insistamos, não encaixam no nosso desejo de vermos uma Itabira de pico altaneiro assentado em suas montanhas compostas de minerais serem dilapidadas como a lâmina pungente que devassa as nossas florestas para dar lugar às represas de rejeitos, fruto da lavagem de minério de ferro envolto em mercúrio e outros compostos comprometedores à saúde humana, além dos riscos de desmoronamentos, colocando em risco de morte, milhares de pessoas que vivem debaixo do medo desse possível desabamento,
Os míseros tostões fruto do comércio além-mar, não pagam, muito menos justificam a crise do medo, do sofrimento, sobretudo, da desgraça moral a que todos vivem impotentes ante o poder do capital e os que deveriam zelar pelo bem-estar de todos. Por isso, a essas vistas cansadas inebriadas se vê ofuscada diante da falta de perspectiva desta um dia alvissareira, Itabira do Mato-dentro.
José Norberto de Jesus – 23 – 04 – 2022 – Itabira/MG