Vale já prepara, pelo menos desde 2013, o Plano de Fechamento das Minas de Itabira
Carlos Cruz
Pelo menos desde 2013, a Vale, em cumprimento da legislação, apresenta de cinco em cinco anos à agência reguladora, ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) e agora à atual Agência Nacional de Mineração (ANM), a atualização do Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI) relativo ao complexo minerador de Itabira.
Em 2012, a Vale contratou a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria para elaborar o plano de descomissionamento da Área de Abrangência para o Fechamento Integrado das Minas do Meio e Conceição, em Itabira.
Entre os consultores que participaram da elaboração desse PFM estão André Jum Yassuda, Makoto Namba, Arsenio Negro Jr, indiciados pelo crime de Brumadinho, que resultou em 272 mortes e destruição ambiental.
O resultado desse estudo conduzido pela Tüv Süd foi concluído em 2013, tendo sido, possivelmente, encaminhado ao antigo DNPM, assim como ao mercado.
Por ele, a projeção de investimentos necessários para execução das ações propostas é de R$ 6.245.851.677,74, em valores da época, sem atualização. Hoje daria uma bagatela de mais de R$ 14,6 bilhões, já precificado pelo mercado.
O resultado final é um calhamaço que não foi divulgado pela Vale em Itabira, mas que a Vila de Utopia disponibiliza para consulta aqui:
Concessão
A Vale é detentora do Manifesto de Mina número 557, de 1936, de dez mil hectares, “herdado” da Itabira Iron com a criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942, a completar 80 anos em 2 de junho.
A mineradora é assim proprietária do solo e do subsolo em cuja poligonal existem várias minas, além de outros títulos minerais.
Por serem várias frentes de lavras, e aproveitando da falta de clareza da legislação em relação aos prazos para o descomissionamento de minas (fechamento), o início desse processo é sempre adiado, indefinidamente.
E com esse adiamento, protela-se também a participação da sociedade itabirana nesse planejamento do que virá a ser o descomissionamento (fechamento com medidas mitigadoras e reparadoras). E também as medidas compensatórias por essa perda irreparável são adiadas indefinidamente.
A legislação ordinária é vaga, mas por princípios da legislação ambiental e da própria Constituição Brasileira, o descomissionamento deve ser precedido de consulta pública para que se preste contas e para que se abra o debate das alternativas para a ocupação das áreas mineradas após a exaustão.
`É o que deveria ocorrer agora, com interveniência dos órgãos ambientais e Ministério Público com participação da sociedade itabirana, com o descomissionamento de barragens alteadas à montante, em decorrência do crime ambiental e contra a vida ocorrido em Brumadinho – e que é parte antecipada do descomissionamento das minas locais.
E é assim que até o descomissionamento de barragens não foi precedido de audiência pública para se saber, inclusive, o que fazer com essas áreas descaracterizadas, além da questão dos moradores já atingidos e que os que ainda serão impactados.
Ocupações
A sociedade itabirana está colocada à margem de toda essa discussão. Nos últimos anos a mineradora tem apresentado ao órgão regulador – e também ao mercado – planos mirabolantes e até mesmo inexequíveis para a ocupação futura das áreas mineradas, após a exaustão de suas minas em Itabira.
Isso enquanto, sem ao menos informar e prestar contas à sociedade itabirana, por princípios democráticos e até mesmo impositivos da Constituição Brasileira, a empresa vai ocupando as cavas exauridas com rejeitos e estéril.
É o que ocorre desde o início deste século na cava da mina Cauê, exaurida em 2006 – e agora também nas Minas do Meio. Trata-se de uma alternativa que, ainda que correta por não impactar novas áreas para disposição desse material, pode comprometer um importante recurso hídrico que sãos os aquíferos Cauê e Piracicaba.
Leia mais aqui: Prometidos como legados da mineração, aquíferos são alternativas para o suprimento de água em Itabira
No início deste século, esses aquíferos foram propagandeados pela empresa como promessa de “grande legado da mineração para Itabira”. Isso se daria pela grande disponibilidade das águas subterrâneas, cujo acesso se tornou possível com o aprofundamento das cavas das minas.
Leia também aqui: Mesmo com a disposição de rejeitos, aquíferos Cauê e Piracicaba devem ser protegidos como patrimônios de Itabira e da região
Tudo isso vem ocorrendo sem que ocorra sequer um fórum de debates com a sociedade itabirana, mas por decisão monocrática da detentora do manifesto de mina de 1937.
Legislação
Como se trata de minas antigas, espoliadas e já em vias lenta, gradual e segura de exaustão, não há na legislação clareza quanto a obrigação de a empresa, no estágio atual, fazer consulta popular para elaboração e aprovação do como se dará o fechamento de mina.
Já para a abertura de novas minas, pela resolução ANM número 68, o PFM deve ser apresentado à sociedade local juntamente com o plano de lavra, informando o prazo para a sua exploração e como será a sua destinação após a exaustão.
Diz o artigo 3º da mesma resolução que esse PFM deve ser atualizado a cada cinco anos, medida que concerne também às minas antigas. É o que a Vale vem fazendo em relação às minas de Itabira pelo menos desde 2013.
Ao se aproximar a exaustão, o empreendedor deve apresentar, com antecedência mínima de dois anos da data prevista, o planejamento final para o fechamento da mina.
Porém, essas informações têm ficado restritas ao órgão regulador e ao mercado. As sociedades estabelecidas no entorno do empreendimento minerário quase nada ficam sabendo a respeito dessa importante medida de encerramento.
A esse respeito, a legislação estadual também é omissa. É o caso da portaria 651, de 12 de agosto de 2019, da Fundação Estadual de Meio Ambiente(Feam), que relaciona os procedimentos para a realização de reunião pública nos processos de fechamento de mina, tendo por base o que dispõe o artigo 10, inciso I, do Decreto Estadual 47.347, de 24 de janeiro de 2018.
Sem estabelecer prazos e as condições para a realização da reunião pública, diz apenas que deve ocorrer em obediência ao princípio da publicidade, conforme artigo 37, parágrafo 1º, da Constituição Federal.
E também em consonância com a Deliberação Normativa Copam nº 220, de 21 de março de 2018, que estabelece diretrizes e procedimentos para a paralisação temporária da atividade minerária e para o fechamento de mina.
Determina que o planejamento para a realização da reunião pública deve ser efetuado segundo orientação do órgão ambiental, considerando que o “descomissionamento, a recuperação ambiental e o fechamento definitivo dos empreendimentos minerários interferem na economia e na dinâmica local.”
Daí que deve ocorrer a reunião pública para tratar desse fim inexorável. Mas quando? Em que fase? Não se pode confundir fechamento de minas com o descomissionamento do complexo industrial.
Sem data prevista, e sem explicitar as condições para que essa reunião pública deve ser convocada, a legislacao deixa a cargo do empreendedor a sua realização. No caso de Itabira, a Vale vai postergando indefinidamente, mesmo já tendo exaurido a mina Cauê e a maioria das frentes de lavras das Minas do Meio.
Cobranças
No âmbito do processo de renovação da licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira, em curso junto à ANM, e que corre sob sigilo, com base no novo plano de aproveitamento econômico para as minas de Itabira, uma das questões levantadas pelo órgão regulador foi justamente saber se esse processo de discussão democrática sobre o fechamento das minas já teve início em Itabira.
É o que consta de um oficio de 3 de setembro de 2020, encaminhado pela ANM à Vale, no qual pede que se apresente “evidências objetivas da construção contínua e participativa do Munícipio, do plano de fechamento da mina, com encerramento atual previsto para 2029.” Esse horizonte de exaustão já é para 2031 e deve ser estendido, mais uma vez, para 2035.
O pedido de apresentação de evidências pela ANM consta do processo número 27203.930641/1989-11, que trata da renovação da concessão de lavra e do novo plano econômico para as minas de Itabira.
Leia aqui:
E o que Itabira sabe desse processo? Pouco, quase nada, somente o que a reportagem deste site conseguiu apurar junto à agência reguladora, antes de ser imposto o sigilo de todo o processo, em nome sabe-se lá de quê.
Possivelmente para resguardar informações sigilosas que não podem ser do conhecimento da concorrência. Ou que não deve chegar ao conhecimento da sociedade itabirana?
Se o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) dispõe de mais informações a respeito deste tema, que venha a público informar à sociedade itabirana.
Em negociações com a Vale, Lage aguarda para junho, aniversário dos 80 anos de fundação da então estatal, para se posicionar a respeito.
Isso enquanto aguarda um pacote de projetos, mais um “presente” da mineradora, como se fosse uma dádiva para Itabira e não uma obrigação de fazer.
O que diz a Vale
Questionada pela reportagem a respeito de todo esse processo de descomissionamento, já em curso na empresa e com conhecimento da agência reguladora, mas sem que Itabira conheça o seu teor e termos, a assessoria de imprensa da Vale respondeu evasivamente:
“Conforme o Relatório 20F, o Plano de Fechamento das Minas do Complexo Itabira foi ajustado para até o ano de 2031 em função da revisão dos planos estratégicos de lavra e de produção da empresa”, ressaltou, referindo-se ao relatório Formulário 20, que anualmente a empresa divulga aos acionistas que investem no papel na Bolsa de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
“Os estudos para aumento do aproveitamento das reservas minerais, bem como para os planos de fechamento de mina, estão em constante evolução. Eles levam em consideração aspectos tecnológicos, ambientais, legais e sociais”, complementa a nota da empresa.
Ou seja, esse horizonte temporal de exaustão muda ano a ano, conforme é possível constatar desde a primeira divulgação do relatório em 2001.
Leia mais aqui: Previsão da exaustão do minério de Itabira tem mudado com o tempo nos relatórios da Vale
Com isso, o processo democrático de se debater o fechamento das minas com a sociedade itabirana é também adiado, mesmo já tendo ocorrido a exaustão de várias frentes de lavras.
Prossegue a nota: “Além disso, é importante ressaltar que a Vale tem se dedicado às ações que busquem o desenvolvimento de oportunidades para o município de Itabira dentro do conceito de visão sistêmica e integrada”, afirma, sem contudo demonstrar como isso vem ocorrendo.
“Os projetos de fechamento de mina e uso futuro do território serão construídos com base nas diretrizes de sustentabilidade e no conceito de valor compartilhado, no qual a escuta ativa e o engajamento com a sociedade são fatores essenciais, além de considerar a aptidão do município”, finaliza.
É o que prevê a legislação ordinária e determina a Constituição Federal.
Mas todo esse processo, ainda que vago de participação popular, pode deixar de existir no caso de ser aprovado o novo marco regulatório da mineração, com a possível aprovação da nova (sic) Lei do Licenciamento Ambiental – e do novo (sic) Código de Mineração, em tramitação no Congresso Nacional.
É a política de ir passando a boiada, de fim de festa no último ano desse governo que já vive o seu crepúsculo, mas sem antes fazer estragos contra a democracia e aos interesses da sociedade brasileira.
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Além de muitas coisas que a Vale poderia fazer a cidade de grande importância para que o município continue a caminhar sem os seus impostos . Seria pagar as dívidas do time que ela mesmo criou e abandonou . Poderia deixar o Valério Doce novamente estruturado para que nas mãos de pessoas responsáveis e capazes possa continuar sua história.