Estão a exigir muito das matas ciliares

Ribeirão da Pureza, que abastece mais da metade da população de Itabira, MG, sem mata ciliar

Foto: Marcelo Pinheiro

As medidas de proteção de nossos recursos hídricos devem sim visar a mata ciliar e o derredor de nascentes, mas também, e fundamentalmente, se estender às vertentes das sub-bacias hidrográficas

Por Álvaro Rodrigues dos Santos*

EcoDebate – Grande parte de nossos ambientalistas, por falta de uma mais acurada observação de fundamentos técnico-científicos teóricos e práticos, vem cometendo grave erro ao se preocuparem apenas com as questões associadas à proteção de nascentes e matas ciliares no contexto de suas lutas e propostas para recuperação e preservação de nossos recursos hídricos.

Com esse cacoete comportamental, infelizmente promovido e disseminado pela transversa abordagem que o Código Florestal adota para a questão, esquecem-se por completo do papel essencial que, nessa equação hidrogeológica, jogam as amplas vertentes de uma bacia hidrográfica.

No âmbito dessa enorme incompreensão, o movimento ambientalista brasileiro, ao depositar às matas ciliares e aos entornos próximos de uma nascente a responsabilidade maior de proteção de recursos hídricos naturais, está a exigir-lhes um desempenho que isoladamente são totalmente incapazes de atender.

Na verdade, o que acontece a uma nascente e ao curso de água a que ela dá início é decorrência direta do que acontece nas amplas vertentes de sua sub-bacia hidrográfica. Lembrando que as vertentes correspondem às regiões que se estendem do curso d’água até os divisores de água que delimitam a sub-bacia, constituindo a área de recarga do lençol freático que a sustenta.

Desmatamentos e adoção de técnicas agrícolas equivocadas e destrutivas provocam uma contínua perda da capacidade de infiltração de águas de chuva nas vertentes, do que decorre o aumento do escoamento superficial e o consequente rebaixamento do lençol freático. Com a redução de sua alimentação e com seu rebaixamento o lençol subterrâneo deixa de cumprir sua plena capacidade de alimentar nascentes e cursos d’água.

De outra parte, com o aumento do escoamento superficial há a instalação de processos erosivos e assoreadores e o empobrecimento dos solos por lixiviação de nutrientes. Ao mesmo tempo, em situações de alta pluviosidade, um grande volume de água de escoamento superficial chega mais rapidamente ao curso d’água, aumentando bruscamente sua vazão; com isso erodindo margens e afetando a vegetação ciliar. Ou seja, os maus-tratos impostos às vertentes degradam as variáveis ambientais e o potencial econômico de toda uma sub-bacia hidrográfica.

Dentro desse cenário as medidas de proteção de nossos recursos hídricos devem sim visar a mata ciliar e o derredor de nascentes, mas também, e fundamentalmente, se estender às vertentes das sub-bacias hidrográficas. Essa proteção envolve as seguintes medidas: reflorestamento e adoção de técnicas agrícolas conservacionistas que recuperem a capacidade das vertentes em reter e infiltrar as águas de chuva (por exemplo, terraceamento e pequenas bacias de retenção, plantio direto etc.).

O mesmo raciocínio hídrico vale tanto para a área rural como para a área urbanizada. Nessa, por exemplo, o efetivo combate às enchentes deverá se dar por intervenções corretivas difusas nas vertentes objetivando a recuperação de sua capacidade em reter e infiltrar águas de chuva, diferentemente da prática atual que insiste e prioriza unicamente a intervenção nas calhas hidrográficas em busca do aumento de suas vazões.

Por fim, aconselho a todos uma proveitosa atenção aos textos técnico-científicos produzidos pelo professor Osvaldo Ferreira Valente, professor titular aposentado da Universidade Federal de Viçosa (UFV), engenheiro florestal especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, autor do livro “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas”.

* Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

  • Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
  • Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
  • Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
  • Articulista e Colaborador do EcoDebate

 

 

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