Simulado de evacuação por rompimento de barragem tem baixa adesão popular em Itabira
Agentes da Defesa Civil e empregados da Vale à espera dos moradores durante o simulado: indiferença e ausência de populares
Carlos Cruz
Apesar de a Vale e as defesas civis estadual e municipal considerarem como sucesso, o segundo simulado de rompimento de barragem realizado em Itabira, no sábado (27), não contou com a participação da população de Itabira na proporção em que se esperava – e era desejado.
De um total de 17.695 moradores cadastrados nos bairros que fazem parte das Zonas de Autossalvamento (ZAS) – e que os ativistas do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região chamam de “alto risco de morte”, apenas 2.252 pessoas se dirigiram aos 103 pontos de encontros existentes na cidade – um percentual de 12,7%, índice extremamente baixo para um evento de tamanha magnitude que se instalou na cidade, inclusive com bloqueio de ruas, avenidas e trechos de rodovias.
(Nota da redação: Esses números agora são oficiais e foram repassados pela assesssoria de imprensa da Vale, corrigindo o que fora informado anteriomente, com número menor de participantes).
E outras 1.597 pessoas, efetivos de entidades, empresas e autarquias envolvidas, como agentes das defesas civis, empregados da Vale, Corpo de Bombeiros, Samu também fora mobilizadas para o simulado.
Para se ter ideia do pouco interesse, no bairro Jardim das Oliveiras, onde a reportagem acompanhou o simulado, apenas 23 moradores participaram do “treinamento”. Isso em um universo de 397 moradores cadastrados naquele bairro – um percentual de apenas 5,7% dos que podem, hipoteticamente, serem atingidos pelo mar de lama.
Atrasos e indiferença
E mesmo as pessoas que participaram, em grande parte, não seguiram o rito do que seria o simulado, com muitos chegando bem depois de a sirene ser acionada.
Foi o caso, por exemplo, da dona de casa Marli Gonçalves, moradora há 25 anos no bairro Jardim das Oliveiras. Ela não seguiu o ritual do “autossalvamento”, tendo passado pelo ponto de encontro, onde hipoteticamente os moradores não seriam atingidos pelo “mar de lama”. 45 minutos depois de a sirene ser acionada.
“Fui fazer compras e só agora pude passar aqui”, disse ela, que participou do primeiro simulado realizado em Itabira, em 17 de agosto de 2019 – e que teria contado com a participação de 3.177 moradores.
Marli Gonçalves acredita que o desinteresse dos moradores é por muitos não acreditarem que um eventual rompimento de uma dessas estruturas possa atingi-los. E disse que como ela, a maioria não acredita no autossalvamento.
“Vou dizer a verdade: se acontecer (o rompimento de barragem), só Deus salva. Ela (a barragem do Pontal) é a maior de todas e não teremos tempo de correr. Os mais velhos não vão ter como fugir (da lama) e eles são muitos em nosso bairro.”
É o que também preocupa a moradora do mesmo bairro, Inês Aparecida Oliveira Coelho. Assim como Marli Gonçalves, ela também chegou bem depois de a sirene ser acionada.
Foi acompanhada dos sobrinhos Valentina e Marcus Vinicius. Contou que só pôde comparecer depois de arrumar a cozinha – e que só foi por insistência da sobrinha, que queria saber o estava acontecendo em seu bairro.
Inês Coelho foi outra que disse ter participado do primeiro simulado. E achou estranho que o comunicado, repetido por três vezes pelo alto-falante instalado no bairro convocando a população para participar, estava inaudível. “Não entendi o que foi falado”, disse ela, para quem se houvesse mesmo uma ruptura, as pessoas iam achar que era mais um treinamento.
“Eu moro na parte alta da rua Diamantina e estou fora da área de risco. Mas quem mora na parte de baixo, não terá tempo de correr até o ponto de encontro, pois o morro é muito forte. Vão ter que correr muito, vai ser um salve-se quem puder”, disse ela, que não acredita na ruptura de uma das estruturas da barragem do Pontal.
“Só depois do primeiro simulado fiquei sabendo que esse perigo existe. Moro há 51 anos aqui e já busquei muita lenha no Pontal. Cheguei a ficar atolada na lama até quase a cintura, sem saber desse risco”, confessou.
Treinamento
A coordenadora da Defesa Civil de Itabira, Nilma Macieira de Castro, mesmo lamentando a pequena participação popular, considerou como positiva a realização do simulado. “Contribuiu para se criar a cultura da prevenção”, avaliou na coletiva de imprensa realizada após o evento, no centro de comando instalado no estacionamento da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi).
Segundo ela, como muitos moradores havia participado do primeiro simulado, pode estar aí a explicação para a baixa adesão popular. “São variáveis que não controlamos (a participação popular)”, disse ela.
Castro avaliou que a população não está ainda preparada para um caso emergencial”. “Quanto mais treinada a população estiver, mais preparados estaremos para uma situação emergencial. Precisamos buscar mais a participação dos moradores.”
A mesma avaliação teve o superintendente de Gestão de Desastres da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil Estadual (Cedec-MG), major Carlos Eduardo Lopes, que também considerou positiva a realização do segundo simulado.
“Foi uma oportunidade de as diversas entidades participantes testar os seus recursos e o tempo de deslocamento (para prestar socorro aos moradores até o ponto seguro), assim como para testar a funcionalidade das 32 sirenes instaladas na cidade, com 103 pontos de encontros”, disse ele na mesma coletiva de imprensa.
“Nos últimos três meses foram realizados contatos diários com a comunidade de Itabira no sentido de levar informações aos moradores que podem ser atingidos, e que teriam de participar de uma ação emergencial no caso de ocorrência real”, relatou.
Aprendizado
O gerente-geral da Vale no Complexo Minerador de Itabira, Daniel Daher, disse acreditar que o simulado é um processo de aprendizado. “Procuramos fazer com o que o treinamento reflita uma situação real. Foram feitas visitas a todas as casas (nas ZAS) antes de sua realização.”
Daher não viu a baixa adesão dos moradores como ponto de preocupação, embora essa participação seja considerada imprescindível.
“Estamos em processo de conscientização e de fomento da cultura de prevenção junto à comunidade. Vamos avaliar o que pode ter levado à baixa aderência, mas o ponto positivo foi o aprendizado do processo junto aos órgãos e autarquias participantes”, reconheceu.
Obrigatoriedade
O simulado de emergência é parte do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM). A sua realização periódica tornou-se obrigatória com a Lei 14.066/2020, com a nova Política Nacional de Segurança das Barragens (PNSB).
Foi promulgada após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019, que deixou 270 mortos, destruindo pastagens, pousadas, assoreando todo o leito do rio Paraopeba.
Três anos antes, em 2015, ocorreu a ruptura da barragem de Fundão, em Mariana, da Samarco, um consórcio minerador da Vale associada a anglo-australiana BHP. Causou 20 mortes e deixou um rastro de destruição na bacia hidrográfica do rio Doce, atingindo 230 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo até chegar ao litoral capixaba.