Prefeito de Itabira visita obras de desativação da barragem do Pontal. Falta agora ouvir os moradores que terão de deixar as suas residências

Após vista ao sistema Pontal (barragem, diques e cordões de retenção de rejeitos de minério), na manhã de quinta-feira (27), a convite da mineradora Vale, o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) disse ter ficado satisfeito com o que viu:

“Está sendo preparado o que há de mais moderno nessa obra que é uma determinação legal”, disse ele, referindo-se ao descomissionamento (descaracterização, com reabilitação ambiental/paisagística) de estruturas internas, alteadas à montante, na barragem do Pontal.

Marco Antônio Lage foi acompanhado de equipe técnica, dos secretários de Obras, José Maciel Duarte Paiva, e do Meio Ambiente, Denes Martins da Costa Lott, ambos ex-empregados da mineradora, hoje a serviço da administração municipal.

Segundo o prefeito, a visita foi agendada a seu pedido. O objetivo foi tomar conhecimento do que está ocorrendo no município que ele administra, principalmente com as obras de descomissionamento de diques e do cordão Minervino.

São estruturas internas da barragem do Pontal, que também terá de ser desativada, alteadas à montante – e que terão de deixar de existir com essa finalidade de conter rejeitos de minério, por força da legislação.

O prefeito e a sua equipe foram em busca de informações, já que nem mesmo a Prefeitura dispunha de informações sobre essas obras, assim como a forma que se dará a remoção de moradores para a construção de dois grandes muros tubulares.

A construção desses muros, segundo a Vale, é preventivo, devendo ser utilizada uma “tecnologia japonesa para conter até tsunami” – o que demandaria a retirada de moradores próximos da antiga lagoa do Coqueirinho, onde será erguido o segundo muro tubular.

De acordo com o prefeito, a Vale assegura que os muros tubulares são meiso de impedir o arraste de material pela mancha de inundação, no caso de ruptura de uma dessas estruturas com a movimentação de máquinas pesadas mobilizadas para a retirada de rejeitos.

Nessa mancha de uma possível inundação estão incluídas algumas residências do bairro Praia, mas a mineradora ainda não fala em remoção de moradores dessa localidade. Leia mais aqui.

Dois muros tubulares semelhantes ao da ilustração serão construídos na barragem do Pontal como parte do descomissionamento de diques e do cordão Nova Vista (No destaque, o prefeito Marco Antônio Lage em visita ao Pontal (Fotos: Reprodução e Carlos Cruz)

Negociações

“A Vale terá de negociar com os moradores e precisamos ter as informações técnicas para acompanhar essas negociações”, disse o prefeito em seu encontro semanal com seguidores pelas redes sociais, na mesma quinta-feira em que visitou a Vale.

“Queremos transparência absoluta e justiça social.  Temos que buscar o equilíbrio com um bom relacionamento com a Vale, mas sem abrir mão da justiça social”, disse o prefeito, assegurando que se manterá ao lado dos moradores nas negociações com a mineradora.

“Vamos ficar ao lado da pessoa que tem a sua casa, ainda que não tenha registro, sem uma regularização fundiária, para que os seus direitos possam ser assegurados”, acentuou o prefeito, que promete colocar a área social, desenvolvimento urbano e de engenharia da Prefeitura, assim como a Defesa Civil, acompanhando todas as negociações com os moradores.

Impactos de vizinhança

João Batista com a sua mulher Maria Terezinha: “Não temos mais sossego desde que a Vale construiu o cordão Nova Vista, aproximando-se mais ainda de nossa residência”, diz ele, cercado pelos dormentes

Para conhecer essa realidade, o prefeito precisa procurar também ouvir os moradores, para saber o que o outro lado tem a dizer, assim como fez em relação à mineradora Vale

Para isso, poderia começar por visitar o aposentado João Batista Carlos, morador da rua João Júlio de Oliveira Jota, no bairro Bela Vista, que “divide parede-meia” com o cordão Nova Vista, localizado a menos de 30 metros de sua residência e com a cerca de dormentes instalada pela mineradora.

João Batista, há cerca de dez anos, vem cobrando da Vale o cumprimento da condicionante 46 da LOC, aprovada em 2000, que determina o “reassentamento populacional, discutido com a comunidade e a administração pública, como medida preventiva a toda intervenção futura do empreendimento que implicar riscos às famílias, ou deslocamento compulsório da população”.

Ou seja, para ele, a Vale já está atrasada nesse processo de remoção, assim como a Prefeitura não tem cumprido o dever constitucional de defender a vida e os interesses da população itabirana.

Para João Batista, o impacto de vizinhança vem afetando a sua vida, juntamente com a de sua mulher Maria Terezinha Carlos, principalmente depois da construção do cordão Nova Vista, com mudança do curso do córrego, aproximando-se a estrutura da barragem do Pontal ainda mais de sua residência.

“Não temos mais sossego. Acordo à noite com o barulho de máquinas rodando bem próximo da gente”, diz o aposentado, que tem-se apresentado como candidato número um a vender sua residência à mineradora, como meio de resolver esse impacto de vizinhança, de medo e susto – e que há muito os apavoram, mesmo antes do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho.

“Que a Vale nos pague o que é justo”, pede ele, como reivindicação imediata. “Não dá para continuar vivendo nessa agonia, aguardando os estudos para saber quantos serão atingidos”, protesta.

“Queremos receber o valor justo antes da desvalorização de nossa casa para comprar outra residência digna e bem longe das barragens que cercam Itabira”, é o que ele vem reivindicando antes mesmo de a Vale decidir pela necessidade de remover moradores da regiões mais próximas das novas estruturas de contenção que serão construídas.

Realidades diferentes

Jeane Souza e Cristina Ferreira não querem deixar as residências onde moram no bairro Bela Vista

Além de João Batista, o prefeito deve ouvir também outros moradores que vivem realidades diferentes – e que não querem deixar as suas residências.

É o caso da professora Cristina Ferreira, residente na rua José Marinho, vizinha de João Batista, que se sente segura mesmo morando próximo da barragem.

O que ela teme é não conseguir comprar outra casa com o dinheiro a ser oferecido pelo imóvel onde reside, dividindo com outros parentes. “Vamos ter que dividir (o valor da venda) com outros herdeiros que não moram aqui com a gente, mas que têm também direito à indenização”, alega, com justificado receio.

A dona de casa Jeane Cristina de Souza, sua vizinha no mesmo lote, tem a mesma preocupação. “A remoção só será justa se cada um receber uma residência igual ou melhor, além de indenizar os outros herdeiros”, acrescenta.

Demora angustiante

Máquinas já trabalham na remoção de rejeitos do cordão Nova Vista, bem próximo da residência de João Batista

O que todos querem saber são quantos e quais moradores serão atingidos pela remoção. “Essa história de tirar a gente daqui é antiga. Vivemos essa aflição há muitos anos. Aqui não se morre pela lama,  mas morre de depressão e desgosto. Qualquer barulho perdemos o sono à noite”, diz a moradora Elce Anunciação Horta, que reside na rua Antônio Germano Barroso, no bairro Bela Vista.

“A Vale está nos devendo uma resposta plausível. Nem mesmo sei se a minha casa será atingida”, diz ela que procurou, na manhã desta segunda -feira (31), se informar melhor no Posto Móvel de Informação, da Vale com a Comunidade, que há vários dias tem se posicionado em locais diferentes dos bairros Bela Vista e Nova Vista “para dialogar com os moradores” sobre o descomissionamento da barragem do Pontal.

“Dizer que serão construídos novos muros para conter rejeitos e que muitos moradores serão desalojados, isso já sabemos não pela empresa, mas pela imprensa e também na reunião que participamos com a deputada Andreia de Jesus. A empresa nos deve essa resposta”, cobra a moradora, que não ficou satisfeita com as informações que recebeu no posto móvel da mineradora que visitava a sua rua.

Elce Horta faz coro com João Batista. “Se temos de sair, que a Vale decida logo e acabe com essa agonia, pagando o que é justo pelas nossas residências”, ela também reivindica.

“Prefiro negociar coletivamente com a Vale, mas que seja considerado cada caso em separado”, acentua, lembrando que são realidades distintas encontradas no bairro – e que nem todos querem sair do lugar onde vivem há tanto tempo, com laços não só de parentesco, mas também de vizinhança.

Elce Horta não ficou satisfeita com as informações prestadas no posto móvel e cobra mais transparência da Vale: “repetiram o que já sabemos.”

Fedentina

Uma outra moradora, que pede para não ser identificada, concorda. “Eu não me importo de sair, desde que me paguem o preço justo. Já não suporto ter que conviver com o esgoto que, quando chove, entra em nossas casas, tornando a nossa vida insuportável com o mau-cheiro que exala”, diz ela, lembrando um outro impacto de vizinhança com a Vale que se arrasta há vários anos sem solução favorável aos moradores. Leia mais aqui.

“Levei especialistas comigo na visita que fiz ao Pontal e fiquei convencido com o que vi e foi explicado. Não sou porta-voz da Vale, mas precisava me aproximar e conhecer de perto o que está para ser feito para também tranquilizar a população”, disse o prefeito em sua live semanal.

“É importante ter esse conhecimento técnico, saber que está sendo preparado o que há de mais moderno nesta obra que é uma determinação legal”, assegurou o prefeito, comportando-se, na prática, como porta-voz da mineradora, assim como fez o ex-prefeito Ronaldo Magalhães (PTB), para quem a barragem Itabiruçu é a mais segura do país, conforme ele afirmou logo após o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho.

Que o chefe do executivo itabirano seja, mais do que tudo, porta-voz da população – e não dá empresa. E que dê prosseguimento à busca de informações, repassando-as aos moradores, não somente sobre as descaracterizações das barragens, mas também sobre o processo de descomissionamento das minas de Itabira.

No caso dos moradores do bairro Bela Vista, eles estão cansados de “negociar” com a Vale sem solução à vista, inclusive para outros impactos de vizinhança, a exemplo do sistema de escoamento de esgoto, assoreado pelo rejeito de minério, e que invade as residências no período chuvoso, outro tormento além da poeira que vem dessa incômoda vizinhança.

 

Posts Similares

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *