Das viúvas do tempo às escravas mauritanas
Veladimir Romano*
Dos tempos quase arrumados no arquivo sobre o conflito colonial para onde jovens da geração perdida enterrou seus melhores anos para nada, se perderam vidas nos quase quinze anos de guerra.
E, por entre reclamações contra o esquecimento ou abordagens de menor frontalidade, raramente se fala e analisa do efeito dramático, traumatizante, até onde condicionalismos psicológicos ainda hoje afetam o lado feminino desta história muito mal acondicionada no cardápio político e militar dos portugueses.
A morte anunciada se reflete bem latente nas roupas pretas de todos os dias nas mulheres afetadas para quem entra na rodovia A1 em Portugal, suba pelo litoral marítimo norte.
Depois de viajar por uma hora e vinte minutos, e cobertos 120 quilômetros no asfalto a partir de Lisboa, encontramos a pacata, deliciosa e pequena vila da Nazaré, local onde foram realizados o primeiro documentário nacional, pelo então realizador António Lopes Ribeiro (1908-1995).
Ele, com 18 anos, documentou em 1926, as primeiras imagens da difícil vida deste povo; mas logo em 1929, nasce o primeiro filme dramático do histórico e multiplicador de arte José Leitão de Barros (1896-1967), realizando “Nazaré, Praia de Pescadores”.
É bom recordar que, no 2º Festival de Cinema de Língua Portuguesa, organizado pela Fundação Joaquim Ormeo Botelho, de Guarulhos, Minas Gerais, em Lagos, no Algarve, durante onze dias de muita coisa a meados de 2006, o famoso cineasta foi homenageado e relembrada sua obra.
Na mesma parceria participaram a ONG portuguesa Etnia, Câmara Municipal de Lagos, Tv Cultura e o apoio da Fundação Carlos Drummond de Andrade, nos programas das Rádio Azul e Emissora Farense: “Viajando na Poesia”.
E parecia sser um lugar tranquilo e charmoso. Mas o pejorativo permanece na ordem diária da vida atacando o lado psicológico, anímico em permanente transtorno afetando a mulher ligada aos acontecimentos quando mães, irmãs, noivas que são viúvas precoces suportaram tal impacto sofrido durante anos sem quartel submissos ao regime colonial.
Depois, chegou o 25 de Abril, trazendo a democracia, processo igualmente esquecido ou, se tem feito esquecer dos horríveis eventos marcantes e as emoções continuam.
Sendo o dia 8 de março comemorativo do Dia Internacional da Mulher, trata-se de uma longa história que não começa agora, mas que remonta a antes de meados do século 19, nos EUA onde mulheres operárias organizam primeiras greves.
Remete também à Europa, ou à Rússia, onde mais mulheres se revoltam, o que fez o movimento bolchevique antecipar a revolução contra o czar, seu império e a escravatura branca.
Foram tempos de muito esforço, resistência, união e muita luta exigindo reformas, se estendendo pela Dinamarca, Inglaterra, Alemanha, entre outras localidades, na distância do tempo que a memória não se apaga.
Inquietudes sociais e raízes operárias estão no caminho reformista onde a mulher se encontra lutando pelos direitos políticos, cívicos, religiosos, financeiros, laborais, sindicais numa firmeza ilimitada durante gerações.
O verdadeiro começo da história que chega aos nossos dias começa com outra abordagem na Alemanha, com uma mulher ativista do Partido Comunista local: Clara Zetkin, em 1910, junto com Rosa Luxemburgo, proclamam por direitos das mulheres e criam o “Dia Nacional da Mulher”, já no final de fevereiro daquele ano.
Porém, no ano anterior, igualmente nos EUA, o Partido Socialista das Terras do Tio Sam, pedia o estabelecimento de leis para convocar a mulher ao voto, proteção social e direitos laborais.
Em 1911, Copenhague, na Dinamarca, realizava então a primeira cúpula feminina unindo 17 nações na “Conferência Internacional das Mulheres Operárias”. E foi logo seguida de manifestações em que mais de um milhão de pessoas ocuparam as ruas na Áustria, Alemanha, Dinamarca, Suíça e Rússia.
Entre os primeiros dias de fevereiro até dia 8 de março de 1914, as primeiras organizações femininas as primeiras sairam às ruas contra acontecimentos do primeiro conflito mundial (1914-1918), reclamando “pão e paz”.
Temma Koplan, historiadora e escritora norte-americana, relata no seu mais recente livro: “As Origens Socialistas do Dia Internacional da Mulher”, muito do que poucos conhecem.
Fidel Castro repetiu nas suas longas locuções aquilo que ainda não se escutou numa frase bem simples e humana: «Sin, qué un mundo mejor es posible». Contudo, não será nunca melhor sem a participação das mulheres.
A crueldade colocada desde sempre na vida humana contra o estatuto feminino, atravessa raios em diferentes latitudes, acusando especialistas “causas culturais”; pois que seja esse o padrão, mas não certamente valores dessa mesma cultura fazendo a grandeza masculina.
Quem já conheceu ou passou pela Mauritânia, logo descobre no rosto dos habitantes mais negros da nação islamita, uma clara tristeza, angústia, resignação, ao pior dos tratamentos e humilhações pelas quais uma parte do povo mauritano passa com particularidade nas mulheres negras.
A nação é possuída pelos chamados “mouros brancos”, onde apenas 30% da população domina o restante dos seres mais pobres do planeta. Até hoje, ninguém consegue criar estatísticas verdadeiras sobre o fenômeno anti-social e humano.
Na carta oficial das Nações Unidas do dia 8 de março de 1975, que já vem desde 1945 convertida no primeiro acordo estabelecendo princípios de igualdade, jamais a Mauritânia, ainda que várias tentativas em abolir a escravidão no país em 1905, depois 1981 e novamente em 2007, nunca aboliu práticas perversas de desrespeitos aos direitos humanos, principalmente em relação às mulheres.
Prevalece em boa parte do continente africano a mutilação genital, mesmo com governos estabelecendo direitos e aprovando leis que protegem as mulheres, tais como casamentos precoces, vício podre de muitas etnias julgando ainda suas vidas pela força do poder, este comandado por clãs religiosos, financeiros e políticos baseados na ideia tradicional dessas cúpulas elitistas dominadoras.
O caso mais recente desta vergonha e desumanidade remonta a novembro de 2020, quando quase 50 mulheres viúvas e crianças órfãs foram presas numa manifestação por esses direitos, coisa hoje banal em outro lugar qualquer onde se luta pela sua civilização, modernização e reforma do pensamento humano, uma vez primitivo.
E, cruelmente primitivo, continua o parlamento mauritano e seus constituintes amarrados ao passado e a uma escravatura sem explicação, rechaçando tudo quanto são temas, incluindo estudos das ONG internacionais e a própria chancelaria diplomática da ONU, como dos conselhos mais saudáveis e reformistas da Unidade Africana.
Assim, numa das nações mais conservadoras, mulheres vão continuar escravas e viúvas, até quando?! Quem anda escutando tal clamor, com seu sofrimento?
*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano.
As mulheres africanas que vivem em África, a maioria delas, são sempre umas sofredoras…