O que fazer para que tragédias com enchentes em Santa Maria de Itabira não se repitam
Carlos Cruz
Para que a população de Santa Maria de Itabira não volte a sofrer com a tragédia natural, como assim o prefeito Reinaldo das Dores Santos (PROS) classifica a enchente de grande proporção que atingiu a cidade na madrugada de domingo (21), mas que é também decorrente de ações antrópicas em suas consequências, uma série de medidas formais, governamentais e estruturais terão de ser tomadas urgentemente.
Hoje, o clima é de desesperança para com o próprio futuro da cidade e das pessoas que nela vivem. Santa Maria já havia passado por outras inundações, mas seguramente, jamais na proporção do diluvio que se abateu sobre a cidade.
Constatou-se, mais uma vez, agora de forma dramática, que os santa-marienses vivem em uma calha topográfica sem saída, sempre que o rio Tanque entanca o Jirau.
O triste saldo dessa “cabeça d’água” foram seis mortes, 2.476 pessoas atingidas, sendo que 1.085 foram desalojadas de suas casas, segundo informa a Defesa Civil do município.
Diante desse trágico quadro, o que se deve fazer, além de levar a solidariedade, como a que aconteceu imediatamente à tragédia e que ainda se sucede, para que a frase escrita em uma faixa afixada na cidade se torne realidade, para que os santa-marienses possam dar a volta por cima e recompor as suas vidas e afazeres com segurança?
A tragédia que se abateu em Santa Maria foi natural, mas as trágicas consequências são também decorrentes da ação humana, dos impactos ambientais localizados nas proximidades do rio e nas encostas da cidade, jamais mitigados.
Isso acontece em uma cidade que carece de planejamento urbano, que cresceu sem ter para onde expandir, serpenteando nas margens do sofrido e cada vez mais minguado rio Jirau.
Santana
Ao longo dos anos, o rio Jirau sofreu grande impacto da mineração vizinha da Vale em Itabira, com carreamento de finos de minério depositado em seu leito e nas margens desde a sua nascente até a confluência com o rio Tanque.
Esse impacto aconteceu até meados da década de 1970. E só parou quando a mineradora construiu a barragem Santana para conter o “fino” – e também para armazenar água para suprir o complexo processo industrial de concentração dos itabiritos da mina Cauê, que fica à montante.
Se é verdade que o rio Jirau deixou desde então de ser assoreado pelo “fino”, daí em diante os santa-marienses passaram a conviver com o medo de ruptura desse imenso reservatório.
E não é para menos. Se isso acontecer, arrasa com a cidade e os seus moradores dificilmente teriam como escapar pelas chamadas zonas de autossalvamento (ZAS), mas que os ativistas do Comitê dos Atingidos pela Mineração de Itabira e Região chamam de zonas de alto risco de morte.
A barragem está no nível 1 de segurança, o que significa que tem problemas, mas que podem ser corrigidos em tempo hábil de impedir que ocorra uma ruptura. Falta à empresa explicar em detalhes que problemas são esses que estão exigindo investimentos para reforçar a sua estrutura.
Na enchente, é fato que a barragem de Santana não só suportou bem o dilúvio, como o seu sistema extravasor aguentou a pressão, com a estrutura segurando parte da forte tempestade que caiu desde a cabeceira do rio Jirau, em Itabira.
Segundo informações de um hidrogeólogo que conhece bem a região de Itabira, ouvido pela reportagem na condição do anonimato, com o dilúvio da fatídica madrugada de domingo, a lâmina d’água de Santana subiu um metro, sem transbordar.
Isso enquanto o leito do rio Jirau subiu mais de três metros. E extravasou também por força contrária do efeito de “represamento” causado pelo rio Tanque, que teria naquela madrugada subido mais de seis metros, segundo essa mesma fonte.
Investimentos para livrar Santa Maria do transbordamento na calha do rio Jirau
Entre as várias obras necessárias para mitigar o impacto de futuros dilúvios, além do desassoreamento, alargamento e aprofundamento do leito do rio Jirau para aumentar a sua calha, o hidrogeólogo sugere que sejam construídas pequenas barragens ou mesmo diques de contenção da água, posicionados abaixo de Santana, até bem próximo da cidade de Santa Maria.
Essas pequenas estruturas ao longo do rio, segundo ele, podem ser capazes de conter o aumento acentuado e repentino da vazão do Jirau, a exemplo do que já faz, em parte, a estrutura da barragem da Vale também à montante.
“Pode parecer um paradoxo, mas a construção de pequenas barragens, a exemplo de muitas já existentes na Europa e no Chile, para conter a água do degelo nos Alpes e nos Andes, respectivamente, podem ser uma das medidas de proteção aos moradores de Santa Maria”, sugere.
Essas pequenas barragens permanecerão vazias durante a estiagem, enchendo nas enchentes, normatizando o fluxo da água nos períodos chuvosos.
“Se várias dessas estruturas forem construídas na rede de drenagem à montante de Santa Maria, elas podem impedir o transbordamento do Tanque no perímetro urbano, como vimos nessa enchente, com a água atingindo o telhado das casas mais próximas do rio”, acrescenta o hidrogeólogo.
Segundo ele, o custo dessas estruturas, com vertedouros na parte inferior para que a água do rio siga o seu curso normalmente na seca, deve ser cobrado da Vale.
Isso até mesmo como investimento preventivo da mineradora para conter parte da força da água, à montante do núcleo urbano e em boa parte da zona rural, em caso de ruptura da barragem de Santana, o que é improvável, mas não impossível de acontecer, antes do fluxo caudaloso chegar à cidade.
Além disso, acrescenta, a mineradora tem também uma dívida histórica com Santa Maria de Itabira. “Como dizia o professor Ângelo Machado (1934/2020), a Vale indenizou os bois dos fazendeiros que embucharam com o ‘fino’ do minério, mas não quitou a dívida ambiental com o rio Tanque.”
Encontro dos rios
Juntamente com essas pequenas barragens, o hidrogeólogo concorda com o projeto da Prefeitura de Santa Maria, apresentado a este site Vila de Utopia em março de 2018 pelo então secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Santa Maria, o engenheiro ambiental Luiz Augusto Moysés de Magalhães. Leia mais aqui.
Esse projeto prevê um pequeno desvio à direita do curso do rio Jirau, antes de se encontrar com o rio Tanque, para que a sua água possa ser absorvida sem provocar o represamento e o refluxo que inundou Santa Maria.
“Ou então que se faça um desvio mais à montante do rio Tanque, distanciando-o do perímetro urbano, com o Jirau seguindo pelo seu antigo leito para só se unir a ele mais abaixo. Desse modo, o rio maior pode funcionar como ‘puxador’ do que desce do Jirau, deixando de represar a sua água na cidade”, explica o hidrogeólogo.
“Não sei se hidrodinamicamente se esse atalho é possível, fazendo-se um corte reto antes da curva em que o rio Tanque se encontra com o Jirau, de modo a amenizar essa alça na longa curva que faz, diminuindo o choque desse encontro, que hoje ocorre à montante da foz do Jirau”, pondera.
Ele acentua que, se feita essa modificação, mesmo que a água do rio retorne, não será com a força atual, com carga total. “São estudos técnicos de viabilidade, que podem ser feitos por simulações em computador, utilizando-se de algoritmos próprios e técnicas de inteligência artificial que irão confirmar, ou não, essa possibilidade”, afirma.
Segundo o hidrogeólogo, essa solução se enquadra na teoria de Daniel Bernoulli (1700/82), matemático suíço, para quem “um aumento na velocidade do fluído ocorre simultaneamente com uma diminuição na pressão ou uma diminuição na energia potencial desse mesmo fluído.”
Ou seja, é preciso eliminar, de alguma forma, a força desse “tampão” que faz a água do rio menor retroceder para a cidade, provocando um turbilhonamento muito grande de uma força hidraulica querendo descer e de uma outra onda querendo voltar, por força do transbordamento do rio Tanque.
“Os estragos foram os que se viram em Santa Maria, que podem voltar acontecer se nada disso for executado”, prevê o hidrogeólogo como alerta geral de algo que é já por demais sabido entre os santa-marienses, dessa vez com a força de uma tragédia.
Recursos para executar essas obras devem ser buscados onde estiverem, inclusive junto ao governo de Minas Gerais que recebeu vultosa indenização da Vale pela tragédia de Brumadinho.
E, também, podem virar realidade por meio de outros recursos da própria Vale, causadora de grandes impactos de vizinhança em Santa Maria – e que ainda persistem com a barragem de Santana assombrando os santa-marienses.
Prezado Carlos Cruz, o hidrogeólogo poderia ainda alertar a população e ao poder público local que, sem uma grande, consistente e maciça campanha de conscientização, educação ambiental e treinamento dos cidadãos pra enfrentar catástrofes como a que se abateu sobre a cidade e região, nada das medidas e soluções de engenharia vão resolver para sempre este problema. Para lembrar uma das máximas do livre pensador norte-americano do século XIX, o agnóstico Robert G. Ingersoll, notável por sua cultura : “Na natureza não existem recompensas nem castigos. Existem consequências.”
Curioso que o hidrogeólogo não se apresenta….
Em 1875 Sant’Anna dos Ferros sofreu as consequências das chuvas torrenciais, a família do sr. Joaquim Jerônimo, que teve a casa soterrada, perdeu 8 pessoas de sua família.
Nada do que não é bom continua matando, destruindo…
E no final de tudo, os governantes ainda acreditam que a mineração é lucrativa, é sim lucrativa pro capital estrangeiro, pro Brasil sobra tragédias e tragédias em tempo curto uma da outra.
Concordo plenamente com o hidrogéolico. A ocupação desordenada sempre proporcionou catástrofe mundo afora. Habitar local onde a calha de um rio corre é temeroso, e passível de inundação. Outra coisa que também proporciona certos tipos de catástrofes durante uma cabeça d’água ou, como queiram, tromba d’água são os cortes para edificações e sem que haja uma intervenção que segure as encostas. São os famosos cortes em forma de caixão, a habitação fica sujeito aos desmoronamentos que causam soterramento. O asseoramento dos cursos hídricos também colabora para esses cataclismas, uma vez que o Rio, ou ribeirão não siga o seu curso natural. Lembrando que sem uma conscientização maciça outras catástrofe como essa poderão num futuro próximo ocorrer.