Tragédia em Santa Maria não deve ser atribuída apenas às fortes chuvas, mas também à incúria de governantes e empreendedores
Carlos Cruz
“Não tem barragem caindo, mas a situação é bastante crítica na cidade”, afirmou, peremptoriamente, o chefe de Gabinete da Prefeitura de Santa Maria de Itabira, Eduardo Martins, na manhã de domingo (21), em entrevista ao repórter Heitor Bragança.
Martins procurou tranquilizar a população santa-mariense, duramente castigada pelas consequências das fortes tempestades – e que mais assustada ainda ficou com as falsas notícias disseminadas pela rede social de que a barragem de Santana estava para se romper.
A informação foi desmentida pela mineradora Vale. Mas até isso acontecer, essas fakes news criminosas, que certamente serão investigadas pela equipe de da Polícia Civil, criaram mais pânico na população da vizinha cidade que sofre com as mortes (cindo já confirmadas até agora), além de danos materiais.
“Ainda estamos fazendo o levantamento de pessoas em situação de risco extremo. Ocorreram soterramentos, principalmente na zona urbana”, disse o chefe de Gabinete da Prefeitura de Santa Maria.
Mas ele não descarta outras situações de riscos na extensa zona rural do município, com muitos moradores ilhados. “Faltou comunicação com essas comunidades, pois ficamos muito tempo sem energia elétrica.”
Investigações
Equipe da Polícia Civil já investiga as causas de tamanha tragédia, que não podem ser atribuídas apenas às fortes chuvas, que são recorrentes nesta época do ano.
É preciso investigar também as ações antrópicas, como loteamentos abertos recentemente nas encostas da cidade, sem controle ambiental e infraestrutura adequada, e que provocam assoreamento do leito do rio Jirau.
Segundo o delegado regional Helton Cota, quatro peritos criminais, incluindo um especialista em engenharia, já deram início às diligências para apurar as causas e as consequências da enchente e dos deslizamentos.
Outro foco das investigações, com certeza, deve se dirigir aos areais que, também sem controle ambiental, contribuem para o assoreamento do leito do rio Jirau. Esse arraste de material, que inclui também entulhos e resíduos urbanos, obriga a Prefeitura local a investir periodicamente no desassoreamento de seu leito.
Encontro dos rios
Outra investigação deve focar na omissão das autoridades locais por não terem ainda buscado recursos necessários para amenizar o impacto do encontro das águas do pequeno rio Jirau que deságua no rio Tanque.
Em entrevista a este site, em março de 2018, o então secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Santa Maria, o engenheiro ambiental Luiz Augusto Moysés de Magalhães, apontou a solução para amenizar esse impacto.
Segundo ele, por ser um rio maior, com o aumento da água das chuvas, o Tanque acaba represando o Jirau quando os dois se encontram. E o mais forte empurra a água do pequeno rio de volta para a cidade.
Para mitigar essa recorrente situação de represamento, a solução seria mudar o percurso do rio menor a poucos metros antes de se encontrar com o Tanque.
Essa solução técnica consiste, segundo o engenheiro ambiental, em abrir um novo leito à direita, de forma a diminuir a velocidade da água do Jirau e amortecer a sua absorção pelo rio mais caudaloso. Trata-se de uma alternativa já estudada, mas que até hoje não saiu do papel.
É assim que todos os anos, neste período chuvoso, as enchentes atingem principalmente a região do bairro Conselho, mas também os moradores do bairro Lambari, esse no início da cidade, devido ao assoreamento do leito do Jirau. Só que neste ano a inundação atingiu toda a cidade.
No passado, com a construção da barragem Santana, na década de 1970, o “fino” do minério processado na usina Cauê parou de descer pelo rio, mas ainda há resquícios desse rejeito. Já o assoreamento com material proveniente de outras fontes, a montante de Santa Maria e abaixo da barragem, não deixou de ocorrer.
Ainda de acordo com o ex-secretário de Agricultura e Meio Ambiente da vizinha cidade, outra causa importante que precisa ser mitigada trata da supressão da mata ciliar ao longo do rio Jirau.
Os estragos da chuva são também decorrentes da falta de vegetação, com taludes expostos nas margens da rodovia MGC-120. Foi o que provocou deslizamento de terra, interditando a rodovia na proximidade da comunidade do Córrego da Lage. Leia mais aqui. E aqui.
Loteamentos
A pequena cidade de Santa Maria tem vivido nos últimos anos uma expansão urbana em um vale cercado por dois maciços montanhosos, com ocupações desordenadas nas encostas e topo de morro, inclusive por condomínios mais luxuosos.
Esses loteamentos têm provocado constante carreamento de solos descobertos, que sofrem erosão – e que são mais um contribuinte para o assoreamento do rio Jirau.
Daí que as inundações são recorrentes na cidade, mas não com a dimensão de tragédia, como a ocorrida no domingo. É assim que as investigações das causas de tamanha tragédia não devem ser focadas apenas nas fortes chuvas.
As enchentes e os estragos na cidade são também provocados pela omissão e pela ação irresponsável de governantes e empreendedores imobiliários, como também de donos de areais, principalmente.
Após a tragédia de ontem, é bem possível que as autoridades, inclusive estadual, tomem decisões e aloquem recursos para executar o que for necessário para eliminar as causas estruturais, recorrentes e antropizadas que causaram a inundação.
Só assim será possível evitar que novas tragédias anunciadas se repitam, ainda que como farsa, por indicar a incúria dos homens e não da natureza.
Balanço das doações
Após balanço dos donativos arrecadados em Itabira para auxílio aos atingidos e desabrigados pelas chuvas em Santa Maria de Itabira, a Prefeitura de Itabira pede para que as doações sejam direcionadas para itens de higiene pessoal (cremes dentais, sabonetes, shampoos), absorventes, fraldas, material de limpeza (vassoura, rodos, sabão em pó), toalhas, roupa de cama e banho.
Os itens serão encaminhados para uso dos desabrigados, que estão sendo alojados em escolas de Santa Maria, que não foram atingidas pela enchente, assim como para as seis escolas de Itabira que a Prefeitura colocou à disposição para abrigar os atingidos.
As doações devem ser entregues no posto de arrecadação, no Corpo de Bombeiros (rua São Paulo, 377, bairro Amazonas).