Aqui passava um rio
Mauro Andrade Moura
Fotografias Ygor Bibiano de Souza Moura
Itabira é terra de muitas nascentes de água, com altitude média de 800 metros do nível do mar. Com isso, não há como ter um grande rio dentro do município, apesar de toda a dimensão geográfica montando 1.253,70 KM2.
Noutros tempos, nas lembranças da infância, tínhamos um ciclo natural de chuvas com um volume razoável de água a encher o lençol freático e daí a formação dos córregos e rios.
Nos últimos 80 anos, com o início e o aumento gradual da extração do minério de ferro – e depois com a expansão do perímetro da mineração a abraçar a área urbana de Itabira – vimos ano a ano mudar esses ciclos naturais do meio ambiente e, consequentemente, a diminuição de chuvas e volumes de água em nosso território.
Após a extinção do antigo Pico do Itabira, mais comumente conhecido por Cauê, por volta de 1982/85, o vento Sul que ali parava a formar as nuvens de chuvas, hoje passa direto e espraia-se ao Norte sem o mesmo efeito causar.
A mata natural do município sucumbiu. Primeiramente foi cortada para se fazer o carvão vegetal e abastecer as usinas siderúrgicas da região. Por último foi severamente cortada pela Florestas Rio Doce, subsidiária da antiga CVRD, que plantou eucaliptos e pinus, formando em lugar da Mata Atlântica dizimada, florestas homogêneas, desprezando todo o resto da flora. Resultou na liquidação de quase toda mata autóctone. Mais um crime ambiental debitado na conta da mineradora Vale.
Para a manutenção da mineração de ferro na cidade, a Vale vem há décadas rebaixando o lencól freático e os aquíferos, o que tem afetado todas as nascentes e pequenos olhos d’água no centro de Itabira. Entre o Cauê e a Camarinha já rebaixou o aquífero em mais de 200 metros e até o momento sem efetivamente promover a reposição desse manancial natural de água de nossa cidade.
Todas essas intervenções humanas, a fim de manter produção econômica e empregos na cidade, transformou sobremaneira o nosso clima. E agora estamos pagando a conta que, aliás, é caríssima, até mesmo para quem mais se beneficiou e beneficia-se dessa destruição, a tal mineradora Vale.
Todo esse desvio da nossa natureza ocasiona em ciclos de chuvas mais curtos e com maior volume de água num mesmo período, provocando a secura das muitas de nossas nascentes por vários meses dentro de um ano e sucessivos desastres ambientais, com perda de vidas que poderiam ser preservadas se a incúria humana não persistisse.
O ribeirão da Pureza extingue-se na Estação de Tratamento de Água (ETA) da Pureza. Para o seu suprimento para abastecer a cidade, do ribeirão é captado quase toda a água, que abastece mais de 50% da água potável que Itabira consome.
Do ribeirão dos Gatos, e do córrego Pai João, vem uma boa parte da água também para abastecer os moradores da cidade. A ETA dos Gatos seria reforçada com a captação de água da barragem de Santana (córrego Jirau), mas já foi constatada certa contaminação de metais pesados, o que a torna imprópria para o consumo humano.
Dos sete poços artesianos perfurados na área urbana de Itabira, pelo menos a metade já não funciona mais, seja por falta d’água, ou por perdas pelas fissuras (trincas) desses poços.
A mineradora Vale disponibilizou para consumo humano 60 l/s de água que sobra na mineração do pico do Itabiruçu. É água ruim e mal cheiros, uma sobra da mineração, sendo ali também a nascente do rio do Peixe.
O ribeirão da Pureza verte a pouca água que sobra para o rio do Peixe e esse segue para o morto rio Doce. O ribeirão dos Gatos, do que sobra de água, verte para o antigo rio e atual ribeirão do Tanque. E esse segue para o rio Santo Antônio já no município de Ferros.
A barragem do Santana represa a água do ribeirão Jirau, sendo que desta a maior parte é utilizada para lavar o minério de ferro. Já o que verte da barragem encontra com o corguinho do Jirau, passa por Santa Maria de Itabira e deságua no ribeirão do Tanque.
A cena deste ribeirão no centro de Santa Maria é uma visão de horror e de muito mau-trato com a natureza. Tem a sua calha bastante assoreada e o seu nível na seca é o mínimo possível, ficando mais para um simples filete de água.
Transposição
Agora e após diversas reportagens e crônicas publicadas aqui na revista eletrônica Vila de Utopia, essa empresa de mineração que tanto espolia nossa cidade, se vê obrigada a aceitar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado com o Ministério Público de Minas Gerais, tendo o Saae e a Prefeitura como meros figurantes intervenientes. Leia também aqui.
Em cumprimento ao TAC, a Vale irá custear a transposição de 600 litros de água por segundo do ribeirão do Tanque a fim de abastecer Itabira com água potável. Enfim, irá cumprir a condicionante 12 da LOC.
Antes, a proposta do prefeito Ronaldo Magalhães, que já disse que a barragem Itabiruçu é a mais segura do Brasil, a solução era para ser uma parceria público-privada (PPP) para o povo pagar a conta, com a privatização da captação, que seria terceirizada para gáudio de alguma empresa do “grupão”, ao invés de cobrar essa dívida da mineradora. Leia também aqui.
Até então a mineradora Vale dizia que não era obrigada a fazer a transposição. E todos os prefeitos até aqui, incluindo sobremaneira o atual, porque reincidente tendo sido prefeito por dois mandatos após a aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC) das minas de Itabira, abaixaram a cabeça aceitando mais essa imposição da mineradora, desprezando totalmente o direito à água potável dos moradores de Itabira.
Toda a água que verte para o centro urbano de Itabira escoa para o rio do Peixe e este para o rio morto Doce. Na outra vertente, o Tanque já enfraquecido segue para o Santo Antônio, já bem devagar.
Santo Antonio
Já o rio Santo Antônio, que há muito tempo sofre com o mineroduto da mina de ferro de Conceição do Mato Dentro, vai perder ainda todo esse volume de água com a transposição do ribeirão do Tanque para o rio do Peixe.
O curso do rio Santo Antônio, no centro de Ferros, é uma cena um pouco menos horrível que a de Santa Maria de Itabira, mas sofrerá essa pena do crime que não cometeu e o nível de água ali será reduzido.
Esse fato será ainda mais agravado depois de a Câmara Municipal aprovar a revisão do Plano Diretor de Itabira, já em tramitação no legislativo e com a conivência do Codema, reduzindo as áreas de preservação permanente nas margens dos rios Tanque e do Peixe, assim como de seus afluentes e cursos d’água.
Favorece assim a especulação imobiliária e os transgressores do meio ambiente, quando deveria ser ampliada essa faixa para impedir o assoreamento dos leitos de rios e córregos, com a expansão da mata ciliar já tão escassa ao longo de seus cursos d’água.
Somente após concluída essa transposição saberemos o tamanho do estrago, tendo uma noção melhor de como ficará aquela cena, que está mesmo mais para horror.
Rio Doce
Toda essa situação ocasionada pela transposição e mudança da calha de rio, já foi feita com o morto rio Doce em sua passagem por Aymorés, que fica bem na dívida de Minas Gerais com o Espírito Santo.
Ali a calha do rio e, obviamente a água, foram desviadas para outro trecho a fim de formarem a barragem da usina hidrelétrica nos idos de 2000.
Essa usina hidrelétrica é um agrupamento empresarial composto pela ainda estatal Cemig e a Vale, que tem o único interesse de manter o fornecimento de energia elétrica para a sua atividade extrativa de minérios de ferro no Quadrilátero Ferrífero.
Quando fizeram aquela mudança da calha do morto rio Doce, a Cemig e a Vale prometeram aos moradores de Aymorés que manteriam uma pena d’agua na antiga calha que passa no centro da cidade.
Foi mais um “golpe do joão-sem-braço” dessa mineradora Vale que pouco ou nada vale para o nosso meio ambiente aqui na região Centro-Leste de Minas Gerais.
Alguns moradores relatam o fato do aumento da temperatura local no centro de Aymorés após o desvio da calha do morto rio Doce.
A cena ali é de extremo horror, ainda que reparável, mas que depende sempre da boa vontade do capital financeiro da Vale, que define o destino de todos os moradores da região.
Não enterrem o meu coração na curva do rio, que esse já está destroçado vendo tantos desmandos e crimes contra o meio ambiente. E, mesmo porque, nem mesmo rio existirá mais, só um corguinho.
Mauro, que horror todo o relato, a gente sabe mas quando lê sobre as águas de Itabira ou que passam por Itabira, narrada em detalhes, é lastimável, é o fim de tudo.
O ser humano ainda não evoluiu o necessário para viver em harmonia com a riqueza da natureza.
Sou Inimiga do Progresso, o que significa que não aprecie as tecnologias avançadas, o problema é como o capital usa a ciência.
E sobre a Mineradora, não há que fazer quando a população ama perdidamente de olhos vendados o seu opresor, aquele que destrói.
O prefeito, ora os prefeitos são aqueles seres, de modo geral ignóbeis, que alimentam os seus cofrinhos para um futuro bestial para eles mesmos.
Já era, Mauro!
Putz esta matéria é mesmo um soco no estômago. Além de pobre a cidade estará seca, sem água. Um horror.