Morre dom Pedro Casaldáliga, monsenhor martelo e foice contra toda cerca que oprime

Carlos Cruz

Na manhã deste sábado (8), morre aos 92 anos, o bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga.

Dom Pedro foi um dos fundadores, juntamente com o seu amigo dom Tomás Balduíno (1922/2014), do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), tendo sido seu presidente.

Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Felix do Araguaia (MT), morre aos 92 anos (Foto: Metrópoles)

Foi um dos principais expoentes da Teologia da Libertação. Foi também um fervoroso defensor da Amazônia e de seus povos originais, dos seringueiros e de todos os que sofrem com a opressão da “ganância do capitalismo selvagem que avança sobre a região”.

Na década de 1970, nos anos de chumbo, no auge da repressão do regime militar, Casaldáliga ficou conhecido internacionalmente pela sua luta em defesa da reforma agrária e pela demarcação das terras indígenas.

Por isso mesmo, forças poderosas dos latifundiários e grileiros, além dos setores conservadores da Igreja Católica, se voltaram contra a sua franzina pessoa. Ganhou as pechas de “bispo vermelho”, “subversivo” e “comunista”.

O bispo emérito de São Félix estava internado há vários dias – e o seu estado de saúde se agravou nesta semana. Dom Pedro sofria também de mal de Parkinson, tendo sido acometido por tuberculose no ano passado.

Espanhol, nascido na região da Catalunha, em Balsareny, em 16 de fevereiro de 1928, desde 1968 veio morar no Brasil, onde naturalizou-se. Nunca mais retornou à sua terra natal, antes por temer sair do país e não poder retornar. Por diversas vezes foi ameaçado de deportação pela ditadura militar (1964-85).

Terra-sem-males

Ruínas de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, palco da Missa da Terra sem Males, celebrada em 1978 por dom Pedro Casaldáliga, e de sua autoria com Pedro Tierra (Foto: Reprodução)

Eu o conheci pessoalmente, em 1978, na cidade de São Miguel das Missões, no noroeste do Rio Grande do Sul, nas ruínas que integravam os Sete Povos das Missões (1610-1768).

Foi destruída por portugueses e espanhóis para não mais florescer a chamada República Comunista Cristã dos Guarani.

Tive o privilégio de assistir, na ocasião, o lançamento nacional da Missa da Terra-sem-males, de sua autoria, em parceria com Pedro Tierra.

São Miguel fica na fronteira entre as Américas espanhola e portuguesa, que, como dizia Casaldáliga, deveria ser só uma, mas que “foi dividida pelo fogo dos conquistadores”.

O templo de São Miguel foi destruído, mas as suas ruínas permanecem como testemunho de resistência e grandeza dos povos indígenas, cenário do lado brasileiro do massacre do povo Guarani.

Este livro contém um resumo autobiográfico de sua luta por uma sociedade justa, igualitária e fraterna

Trata-se de uma missa memorialística, de remorso e denúncia de um massacre, um genocídio português/espanhol desse povo que vivia em paz, produzindo e distribuindo riquezas de acordo com a capacidade e a necessidade de cada um de seus membros.

Cerca de 90 milhões de índios foram massacrados pelos exércitos de Cortez, Pizzarro, Valdívia, Raposo Tavares.  O povo Guarani sonhava com a Terra-sem-males, com a utopia possível. Não esperavam pelo Céu sem Males, mas com a vida plena, socialmente justa aqui na Terra.

O lançamento da Missa da Terra-sem-males foi um escândalo nas hostes conservadoras do país, no regime militar. A trupe escandalizada da TFP (Tradição, Família e Propriedade) a tachou de “sacrílega” e “blasfema”, rotulando-a como uma versão guarani, escrita em português, do manifesto comunista.

Descanse em paz, Dom Pedro Casaldáliga. Aqui na Terra, mesmo com todos os retrocessos, enquanto ainda damos um passo à frente e dois atrás, seguimos em busca da Terra Prometida.

Isso para que a Justiça impere e as riquezas sejam distribuídas entre todos, conforme viviam os primeiros cristãos, que “mantinham-se unidos e tinham tudo em comum, distribuíam as suas riquezas a cada um conforme a sua necessidade (Atos 2:44, 45)”.

PS: Assista aqui a trajetória Casaldáliga contada no filme Descalço sobre a Terra Vermelha, de 2014, uma coprodução entre o Brasil e a Espanha.

Canção da Foice e do Feixe

Dom Pedro Casaldáliga
Casaldáliga recém-chegado ao Brasil (Reprodução/Acervo Pessoal)

Com um calo por anel

Monsenhor cortava arroz.

Monsenhor “martelo

E foice”?

 

Me chamarão subversivo.

E eu lhes direi: O sou.

Por meu povo em luta, vivo.

Com meu povo em marcha, vou.

 

Tenho fé de guerrilheiro

E amor de revolução.

E entre Evangelho e canção

sofro e digo quanto quero.

Se escandalizo, primeiro

Queimei o próprio coração

ao fogo desta Paixão.

crua do Seu mesmo madeiro.

 

Incito à subversão

contra o Poder e o Dinheiro.

Quero subverter a lei

que perverte o Povo em grei

e o Governo em carniceiro.

(Meu Pastor se fez Cordeiro

Servidor se fez meu Rei)

Creio na Internacional

das frontes levantadas

da voz de igual para igual

e as mãos entrelaçadas

E chamo a Ordem de mal

e o progresso de mentira.

Tenho menos paz que ira

Tenho mais amor que paz.

 

… Creio na foice e no feixe

destas espigas caídas:

Uma Morte e tantas vidas!

Creio nesta foice que avança

– sob este sol sem disfarce

e na comum Esperança –

tão curvada e tenaz!

(Poema transcrito do livro Creio na Justiça e na Esperança, 1977, editora Civilização Brasileira).

 

 

 

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3 Comentários

  1. uma perda irreparável, principalmente nesse momento que a presidência da República está nas mãos armadas do Genocida e Miliciano. E o Carlos, o meu amável o editor esteve perto dele. Que a memória de D. Pedro Casaldáliga esteja sempre presente.

  2. Um bispo declarado e assumidamente comunista, admirador de Che Guevara e suas barbaridades, condenado pelos papas Pio XI e Pio XII. A Teologia da Libertação que ele tanto propagou, também foi condenada pelos Papa João Paulo II e Bento XVI. Com certeza, estava fora do rumo da Santa Igreja Católica. Não julgo consciência, mas espero que Deus tenha complacência com sua alma.

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