Com mais de 25 anos, canal da João Pinheiro nunca passou por vistoria técnica e deixa moradores apreensivos com as chuvas
Carlos Cruz
As tempestades severas, com acumulados entre 150 e 300 milímetros (mm) de precipitação, têm deixado o estado de Minas Gerais em estado de alerta e de pânico, com registros de 58 mortes e situações de riscos sem precedentes históricos em várias cidades.
No trágico dia 28 de janeiro, uma terça-feira, o que se viu na capital mineira foi uma praça de guerra, provocada por administradores públicos que, ao longo dos anos, cercearam o livre curso de córregos e ribeirões, canalizados e encobertos por galerias e asfalto, que não comportaram a vazão das fortes chuvas.
E transbordaram com a força da natureza indomada, a mesma que um dia imaginaram que poderiam dominá-la. Ledo engano.
Em três horas choveu mais de 180 mm naquela fatídica noite de terça-feira na capital mineira. E o que se viu foi o caos, com vários córregos e ribeirões transbordando, rompendo o asfalto e o cimento, arrastando carros, invadindo comércio e residências, deixando um rastro de mortes e destruições.
Em todo o estado já foram registradas 58 mortes, segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, decorrentes de deslizamento de terra e transbordamentos. Em 196 municípios mineiros foi decretado estado de emergência.
Para o mês de fevereiro permanece o estado de alerta em todo o estado. As mudanças climáticas, consequências do aquecimento global, indicam que chuvas severas podem ser o “novo normal” neste período do ano, ainda que as tempestades de agora possam ser consideradas como fenômeno meteorológico que só se repete em mil anos. Será?
Avenidas sanitárias
Como o prevenido morreu de velho, é preciso que as cidades se preparem para o que virá, com a experiência das tragédias anunciadas. O que não se pode é negligenciar as situações de risco, deixando de fazer o que precisa ser feito assim que passada a turbulência.
Em Itabira, embora as chuvas não tenham tido a mesma severidade ocorrida na capital mineira e em outras cidades ribeirinhas, foi aceso o sinal de alerta. Com as chuvas deste ano, muitos moradores têm manifestado receio de ocorrer nos canais encobertos da avenida João Pinheiro, o mesmo que ocorreu com vários canais que correm abaixo de avenidas e ruas de Belo Horizonte, pavimentadas sobre córregos e ribeirões.
Os canais da avenida João Pinheiro passaram a ser cobertos com a reurbanização executada no final da administração do prefeito Li Guerra (1993/96). Atualmente, os órgãos ambientais já não aprovam a cobertura de cursos d’água, pelas consequências que ocorreram em Belo Horizonte.
A avenida João Pinheiro foi reurbanizada sobre o córrego da Água Santa. Com as chuvas, comerciantes contam que, em várias ocasiões, a água chegou a invadir os seus estabelecimentos, indicando a força do dilúvio que passava por debaixo da avenida, nos dois canais.
Com quase 25 anos, a reurbanizada avenida João Pinheiro, com os seus dois canais encobertos, jamais passou por uma vistoria técnica, para verificar como estão as suas estruturas.
Ronaldo Pires Lott, secretário municipal de Obras, e especialista em engenharia de diagnóstico, não vê risco de ruptura da estrutura, embora ele admita que essa avaliação seja superficial.
“Se houvesse alguma infiltração, apareceriam trincas longitudinalmente no asfalto e isso não apareceu”, assegura. “Mas há necessidade de se fazer uma vistoria técnica em toda a extensão do canal”, reconhece.
“Contratamos 800 horas de consultoria especializada para gerenciamento e supervisão de obras em Itabira. Vamos utilizar parte dessas horas para que sejam feitas essas vistorias técnicas”, anuncia o secretário, mas sem indicar data para o início dessa avaliação.
Ronaldo Lott repete o que havia anunciado no ano passado, em entrevista à reportagem deste site (leia aqui). Ele não vê risco de transbordamento na avenida, diferentemente do que aconteceu, por exemplo, na avenida Prudente de Morais, em Belo Horizonte.
“O risco é pequeno. Os canais da João Pinheiro foram superdimensionados, o que permite uma vazão muito acima do que se tem verificado no regime de chuvas na cidade”, diz ele.
Pelos dois canais, de um lado corre a água pluvial que desce do bairro Pará e de parte que vem das minas da Vale, passando pela região da Chacrinha. O segundo canal, que tem dimensão ainda maior, recebe a água que desce do bairro Alto Pereira e bairros adjacentes.
Mas como toda obra de engenharia tem prazo de validade, é preciso verificar as condições estruturais desses canais. “Vamos fazer a vistoria técnica e corrigir eventuais falhas na estrutura.” É preciso também fazer a limpeza dos dois canais, que devem estar com muito entulho e vasilhames descartados sobre o córrego.
Represamento
Outras obras e situações de riscos existentes na cidade também precisam ser vistoriadas urgentemente pela prefeitura.
É preciso saber, por exemplo, o que tem provocado o transbordamento de água das chuvas na Vila Paciência, próximo da avenida France de Paula Andrade.
De acordo com o secretário de Obras, o canal ali existente, por algum motivo ainda não sabido, não comportou o volume da água represada com as chuvas.
“O canal foi bem dimensionado, mas pode ser que tenha algum obstáculo, um tronco de árvore e ou entulhos que impedem a livre vazão da água das chuvas”, acredita.
“A galeria é profunda e só uma vistoria técnica, com profissionais capacitados, poderá indicar o que de fato ocorre nessa localidade”, afirma Ronaldo Lott, que assegura não haver esgoto lançado no local. “A galeria é de água pluvial, que segue para o canal da Penha.”
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