Cidades mineradas permanecem sob o signo do medo depois dos crimes de Brumadinho e Mariana
Carlos Cruz
Para os mineiros que vivem abaixo de perigosas barragens contendo rejeitos de minério, o mês de janeiro passou a ser de luto – e de luta – desde o dia 25 do ano passado. Foi nessa data fatídica que rompeu a barragem 1 da mina de Córrego do Feijão, da mineradora Vale, tida como segura como tantas outras, mas que rompeu e assassinou 272 trabalhadores, moradores, turistas, além de deixar um rastro de destruição ambiental em toda a extensão do rio Paraopeba, em Brumadinho.
Inspiradas nas campanhas de conscientização de saúde já existentes (Outubro Rosa, Novembro Azul), organizações sociais que lutam pelo fim das barragens de rejeitos de minério no estado lançaram a campanha Janeiro Marrom.
O objetivo é esclarecer e informar para que a população não se esqueça de lembrar – e exigir punição – por mais essas tantas mortes anunciadas, uma vez que o risco de rompimento dessa estrutura era conhecido pelos técnicos da mineradora.
E, que, mesmo assim, nada fizeram para evitar a tragédia humana e ambiental. A campanha é, portanto, um grito de alerta para que outros crimes dessa natureza não mais ocorram, lembrando-se também do já quase esquecido crime de Bento Rodrigues, em Mariana, em 2015.
Conforme explica a ambientalista Maria Teresa Corujo, a Teca, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) e integrante do coletivo que idealizou e está na coordenação da campanha, o que se espera é marcar o primeiro ano desse crime da Vale em Brumadinho, por meio de atos públicos e divulgação de informações para não ser esquecido e para que os culpados sejam punidos.
Mar de Lama nunca mais
A cor marrom da campanha é uma referência à lama de rejeitos de minério de ferro – e é também um alerta sobre os impactos decorrentes, que são permanentes. No caso de Mariana, impactou ao longo do rio Doce até chegar à sua foz na vila de Regência, no município de Linhares, no Espírito Santo.
A campanha ocorre principalmente pelas redes sociais, mas serão também promovidos atos públicos em diversas localidades, principalmente nas cidades que vivem sob o signo do medo em decorrência da existência de gigantescas barragens de contenção.
É o caso de Itabira, onde estão Pontal e Itabiruçu, as maiores do estado, além de outras dezenas de estruturas menores. Um dos eventos já programados será a 1ª Romaria Arquidiocesana pela Ecologia Integral a Brumadinho, que irá ocorrer no fatídico dia 25, naquela cidade.
Divulgação
Para divulgar a campanha – e também esses eventos – foi criado um blog www.janeiromarrom.com.br – @janeiromarrom). Nesses meios eletrônicos de divulgação, o coletivo reúne material alusivo a esses crimes com barragens, contendo informações e esclarecimentos sobre a mineração e os seus impactos nas comunidades vizinhas.
Esses coletivos reunidos na campanha têm cobrado também ações do Estado, que tem sido omisso. E da Justiça que não julga, aceitando as manobras protelatórias em detrimento dos interesses das populações já atingidas e daquelas que podem ser atingidas, no caso dessas estruturas não serem descomissionadas, permanecendo como ameaças permanentes à vida dos moradores.
Atropelo da lei atinge populações de cidades mineradas
“Infelizmente, mesmo depois da aprovação da Lei 23.291/2019, projeto de iniciativa popular conhecido como Mar de Lama Nunca Mais, e que institui a Política Estadual de Segurança de Barragens em Minas Gerais, o governo e o setor mineral continuam agindo como se nada tivesse acontecido, pois temos visto serem pautados, reiteradamente, projetos minerários onde tem moradores vivendo abaixo dessas barragens”, diz a ambientalista, que vê nessas arcaicas estruturas uma ameaça permanente à integridade dos territórios e à integridade física e qualidade de vida dos moradores.
Em Itabira, por exemplo, a Superintendência de Projetos Prioritários (Supri), deu parecer favorável à aprovação de licença ambiental para que a Vale lance rejeitos de minério sobre a cava das Minas do Meio. A licença ambiental foi concedida sem sequer ouvir a população em uma audiência pública sobre os impactos que a medida pode causar, comprometendo o futuro sustentável da cidade. E com a complacência, omissão e submissão das autoridades municipais e do Ministério Público. Leia aqui.
Abaixo dessa cava se encontra localizado o aquífero Piracicaba, que foi anunciado, no início deste século pela própria mineradora Vale, como promessa de “grande legado” que ficaria após a exaustão mineral para abastecer a população do município e ainda atrair novas indústrias. Com a disposição de rejeitos, corre-se o risco de comprometer o acesso a água desse aquífero, perdendo-se para sempre “esse grande legado da mineração”. Leia mais aqui.
A maneira célere como o licenciamento foi aprovado justifica plenamente a instituição da Supri no âmbito da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A sua instituição tem servido plenamente para desburocratizar e facilitar o incremento da mineração, por meio de pareceres técnicos favoráveis, sem perder tempo com essa história de ouvir a população dos territórios atingidos em audiência pública.
Novas tragédias
Outro exemplo de atropelo ao que dispõe a lei Mar de Lama Nunca Mais foi a concessão de Licença de Operação para o alteamento da barragem da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, que irá conter 300 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A autorização foi dada pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI), do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Mesmo com todos os riscos, dez dos doze conselheiros do Copam votaram favoráveis à concessão da licença ambiental. “Existem comunidades na chamada Zona de Autossalvamento (que nós chamamos de Zona de Alto Risco de Morte), o que é vedado pela lei Mar de Lama Nunca Mais. Apesar disso, o governo de Minas Gerais preparou um parecer jurídico favorável da Advocacia Geral, não tendo sido acatada uma recomendação do Ministério Público Estadual”, denuncia Maria Teresa Corujo.
Com tantas negligências do Estado, e gula das mineradoras, a ambientalista teme que outras estruturas possam se romper em Minas Gerais, provocando mais tragédias de proporções ainda maiores. “Não se vê por parte das autoridades uma ação eficaz para a prevenção.”
Como exemplos, a ambientalista cita as regiões como Itabira e o Alto Rio das Velhas, Paracatu, além de outros territórios em Minas Gerais, que têm barragens com uma quantidade enorme de pessoas no entorno.
“Itabira tem cerca de 10 mil pessoas na Zona de Autossalvamento das 17 barragens de rejeito da Vale naquele município. No Alto Rio das Velhas, há mais de 50 barragens de rejeitos que, se romperem, descem pelo Rio das Velhas e inviabilizam o abastecimento de água de mais de 2 milhões de pessoas”, explica Corujo.
“São centenas de bombas-relógios que não estão sendo devidamente desativadas”, alerta a ambientalista, para quem não basta treinar as pessoas para se autossalvarem no caso de rompimento de uma dessas estruturas.
De acordo com o que defendem ambientalistas mineiros, essas barragens precisam deixar de existir. E que a mineração inaugure um novo modelo de extração e beneficiamento a seco, sem utilizar estruturas de contenção de rejeitos.
Só assim será assegurado o direito sagrado – e constitucional – à vida, com saúde, dignidade, sem que ocorram outras tragédias anunciadas como as que já provocaram centenas de mortes, podendo ser milhares se nada for feito e tudo permanecer como está, para gáudio das mineradoras.
Saiba mais em www.janeiromarrom.com.br – @janeiromarrom
Parabéns Vila de Utopia, Teca agrade o apoio e a campanha.