Imagens do Brasil – Vale da esperança?

Carlos Drummond de Andrade

…afinal, se resume nisso: impedir que a exportação de hematita – o filé mignon da frase do cel. Juraci – deixe a Itabira, ou a Minas Gerais, apenas os ossos descarnados…

De grande interesse o recente discurso do senador Juraci Magalhães sobre a produção nacional de ferro e sua exportação. O mundo está consumindo anualmente 297 milhões de toneladas de minério de ferro, para as quais o Brasil, dispondo de jazidas praticamente inesgotáveis, contribui com menos de 3 milhões de toneladas.

E isso já é um grande resultado, devido à criação de uma sociedade de economia mista que, em 13 anos, passou da estaca zero para a casa de dois milhões a extração do minério de Itabira.

Entusiasmado com esse esforço, do qual participou, o senador já considera a possibilidade de se elevar para 30 milhões de toneladas a exportação de ferro em bruto, mediante construção de nova linha férrea e novo porto de embarque.

Página do Correio da Manhã, domingo, 12 de junho de 1955, microfilmada e disponível ao público na Biblioteca Nacional, Rio. (Pesquisa: Cristina Silveira). No destaque, a serra de Conceição que também já se foi (Foto: Eduardo Cruz)

Nossa fome de divisas é tremenda, e, para satisfazê-la, temos de intensificar ao máximo a exploração dessa riqueza do vale do Rio Doce – “vale em que repousam atualmente as mais fagueiras esperanças do povo brasileiro”.

Essa expansão de programa é tão desejável que daqui me permito oferecer uma sugestão para acelerá-la. Além da construção da nova estrada e do novo porto, e antes mesmo dessas medidas, deve a Cia. Vale do Rio Doce criar condições de eficiência de trabalho que assegurem, não apenas o êxito de tais projetos, como também o rendimento ainda maior de suas atuais atividades.

Coisas muito simples. Basta-lhe, para isso, cumprir o disposto em dois artigos – o 2⁰. e o 47⁰. – de seus estatutos. Um, recomenda aquilo que qualquer pessoa de bom senso realiza sem necessidade de estatuto: botar a administração do serviço ao lado do serviço. A Vale do Rio Doce tem o seu centro de operações em Itabira, no coração de Minas Gerais, mas os principais responsáveis por essas operações residem e trabalham no Rio de Janeiro.

A outra disposição a observar é a que manda reverter em benefício da região o excedente dos lucros da empresa. Não há melhor maneira de conquistar o apoio da população local para a obra, do que interessar essa população no resultado dos trabalhos. O que parece munificência é, no fundo, aplicação prática de recursos, que retornam em produção e colaboração.

Confesso que foi surpresa para mim não encontrar no longo e fundamentado discurso do sr. Juraci Magalhães a mais ligeira referência a essas duas questões. Aparentemente secundárias, elas adquiriram, entretanto, nas últimas semanas a mais viva importância.

Basta dizer que a Câmara Municipal de Itabira, cidade mais diretamente interessada no assunto, resolveu declarar-se em sessão permanente, até que sejam cumpridos os estatutos da Cia. A Assembleia Legislativa mineira deu-lhe todo o apoio, e mandou ao Rio uma comissão de deputados para solicitar do Presidente da Republica a providência necessária. O governo de Minas solidarizou-se com a reivindicação.

Entretanto, passam-se os dias e não se tem noticia de qualquer gesto positivo no sentido de mudar a sede da Cia. para o único local razoável, enquanto já deve subir a perto de 300 milhões de cruzeiros o fundo de melhoramentos do Vale do Rio Doce, a ser aplicado (mas quando?) em projetos que favoreçam toda uma longa e abandonada faixa do Brasil.

Uma vez que o senador Juraci declara sua “admiração sentimental pelo vale do Rio Doce”, ao qual se ligou por dois anos de administração da Cia., justo é que lhe façamos também uma palavra de reforço ao movimento municipalista que ali se processa, e que toma agora expressão comovedora nessa vigília continua – e sem subsídios – dos vereadores itabiranos, dispostos a não deixar postergados os direitos da cidade e de toda a área mineiro-capixaba.

Dê-lhe seu estímulo, faça chegar aos chefes da empresa o clamor que sobe do chamado “vale da esperança”, mas que só o é para o resto do Brasil e as arcas da Cia., pois nele habita uma população pobre e maltratada, já quase sem esperança de ver concentrar-se para fins humanos e locais um pouco dessa fabulosa riqueza.

A cidade que deu ao país mais de 6 bilhões de cruzeiros, saídos de seu subsolo, e que sustenta, sozinha, 70% da renda de uma grande ferrovia interestadual, continua sendo, paradoxalmente uma das mais desaparelhada, mais melancólicas e mais esquecidas cidades brasileiras. Esta é a mancha escura, no quadro da indústria da mineração.

E seria bom que deputados e senadores mineiros, sem distinção partidária, não somente secundassem aquele parlamentar, mas assumissem a dianteira de uma campanha que, afinal, se resume nisso: impedir que a exportação de hematita – o filé mignon da frase do cel. Juraci – deixe a Itabira, ou a Minas Gerais, apenas os ossos descarnados.

C.D.A.

 [Correio da Manhã, 12 de junho de 1955. Biblioteca Nacional-Rio, pesq.mcs1375]

 

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