Prometidos como legados da mineração, aquíferos são alternativas para o suprimento de água em Itabira
Carlos Cruz
Conforme dados apresentados pelo presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Leonardo Lopes, um litro de água por segundo é suficiente para abastecer 330 pessoas. Já a partir deste ano, com a ampliação da Estação de Tratamento de Água (ETA) Gatos, Itabira passa a contar com uma disponibilidade hídrica de 500 litros por segundo (l/s).
Feitas as contas, essa disponibilidade hídrica é suficiente para suprir a demanda de uma população de até 165 mil habitantes. Segundo estimativa do IBGE, o município de Itabira tem população estimada de 120 mil habitantes (leia mais aqui).
Com a instalação do anel hidráulico, já adquirido e que também deve ser instalado ainda neste ano, a promessa do Saae é de melhorar a logística na distribuição, interligando as estações de tratamento e os reservatórios distribuídos em diferentes regiões da cidade.
Desse modo, se faltar água em um manancial, o déficit será suprido por outra ETA onde a água esteja vertendo com maior vazão, inclusive com o reforço dos poços profundos das Três Fontes, no bairro Pará, e também no bairro Areão.
Com esses dados, apresentados pelo próprio Saae, por que então fazer a transposição de bacias, captando água do rio Tanque para abastecer a cidade?
Além de privatizar a captação, por meio de parceria público-privada, esse projeto será bancado pela população, como aumento de 25% na tarifa cobrada pelo Saae, sob a justificativa de atrair novas indústrias.
É importante frisar que há ainda as condicionantes da água da Licença de Operação Corretiva (LOC), do Distrito Ferrífero de Itabira. A Vale e a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) consideram que essas condicionantes já foram cumpridas.
Mas há controvérsias. Foram, de fato, realizados investimentos pontuais pela mineradora na melhoria das ETAs, assim como investiu na substituição de redes obsoletas de distribuição de água. A mineradora investiu, também, na ampliação da ETA Gatos.
Mas esses investimentos ainda não são suficientes, segundo o Saae, para assegurar o abastecimento futuro na cidade. É preciso, afirmam as autoridades municipais, disponibilizar mais água para atrair novas indústrias, enquanto a mineração ainda absorve a quase totalidade da água nova que necessita para concentrar minério. Essa água nova é captada dos aquíferos Cauê e Piracicaba.
Além da necessidade de se abrir o debate sobre o cumprimento ou não das condicionantes da água, é preciso também atentar para o fato de que o compromisso da mineradora era de disponibilizar para a cidade a água dos aquíferos assim que as Minas do Meio fossem exauridas, o que já ocorreu. Ou está para ocorrer.
Só que a empresa quer depositar rejeito do minério que ainda resta em Itabira – e também o que virá de outras minas – nas cavas exauridas. E como fica a prometida disponibilidade das águas desses aquíferos, anunciados no passado como o grande legado da mineração para a cidade após a exaustão de suas jazidas? Com a disposição de rejeitos nas cavas, o acesso aos aquíferos permanecerá disponível?
Águas dos aquíferos são consideradas de classe especial
Por ocasião do rebaixamento das águas subterrâneas (aquíferos), no início deste século, a Vale se reuniu com lideranças políticas e comunitárias de Itabira para assegurar que a medida não afetaria a disponibilidade de recursos hídricos naquela época – e também “para as gerações futuras”.
Na edição de março de 2002 do jornal Vale Notícias, órgão oficial da mineradora editado para se comunicar com as comunidades, o então hidrogeólogo da Vale, Agostinho Fernandes Sobreiro Neto, garantiu que o rebaixamento é feito de modo localizado e não “se expande sob os terrenos fora da estrutura geológica do Distrito Ferrífero”.
Na mesma edição, o hidrogeólogo informa também que os aquíferos Piracicaba e Cauê, antes de o rebaixamento ter início em 1985, dispunham de 338,8 milhões de metros cúbicos de água.
“Desde então, até outubro de 2016, data prevista para exaustão das Minas do Meio (o que já ocorreu, ou está para ocorrer), serão bombeados 37,2 milhões de metros cúbicos, correspondentes a 11% das reservas iniciais existentes nos reservatórios subterrâneos do distrito ferrífero”, contabilizou Agostinho Sobreiro naquela ocasião.
Conforme ele explicou, a água subterrânea é um recurso natural renovável. “Com a paralisação do bombeamento nas cavas, o que ocorrerá com a exaustão das minas, terá início a recuperação de seu nível. Com o tempo, as reservas atingirão o mesmo volume existente antes do rebaixamento”, assegurou o hidrogeólogo, falando em nome da Vale.
Abundância
No mesmo jornal Vale Notícias, dois anos depois, em agosto de 2004, o então gerente de Geotécnia e Hidrogeologia da Vale, Henry Galbiatti, com base em pesquisas hidrogeológicas, garantiu que os aquíferos Cauê e Piracicaba não apresentam estreita comunicação de um com o outro, o que explica o fato de o rebaixamento não ter afetado, por exemplo, o poço da Água Santa.
E assegurou: “Em Itabira, não vai faltar água para a continuidade da mineração. Nosso grande desafio será descobrir alternativas futuras para depositar o estéril das minas e o rejeito das usinas”, disse Galbiatti.
Pois essa alternativa para a disposição de rejeito foi encontrada nas próprias cavas exauridas, como já ocorre na cava Cauê – mas é preciso dispor esse material de tal forma que não impeça o acesso às águas desses aquíferos, mesmo que a empresa venha a trazer minérios de outras cidades para concentrar em Itabira.
O acesso às águas desses “imensos reservatórios subterrâneos” precisa ser preservado. Isso para assegurar, em grande parte, o futuro sustentável de Itabira após a exaustão de suas minas, previsto para 2028.
Reservas artificiais
“As águas dos aquíferos são reservas estratégicas para Itabira após a exaustão das minas”, assegurou Henry Galbiatti, na mesma edição do Vale Notícias.
“Foi o que ocorreu com muitos municípios mineradores na Espanha, que passaram a contar com esses recursos hídricos após a exaustão de suas minas”, complementou o hidrogeólogo Agostinho Sobreiro.
Além dos aquíferos naturais, Galbiatti acrescenta que Itabira ainda dispõe de aquíferos artificiais, ou antropogênicos, como são as reservas de minério depositadas nas barragens, por também armazenarem grande quantidade de água.
O ex-gerente da Vale assegurou que no futuro essa água poderá ser usada para consumo urbano e industrial. “É outro diferencial da cidade pela abundância de recursos hídricos que possui”, considerou.
Conforme Galbiatti exemplificou, em 2002, só na barragem do Pontal, utilizada para conter rejeitos e armazenar água, seriam depositados 200 milhões de metros cúbicos de materiais não aproveitados na concentração de minério na usina Cauê. “Desse total, pelo menos 10% são de água aproveitável. Isso fará do Pontal um imenso reservatório com milhões de metros cúbicos de água.”
Deve ter sido por haver essa grande disponibilidade hídrica nas barragens do Pontal e Santana que a Vale doou à Prefeitura, no governo do ex-prefeito Damon Lázaro de Sena (2013-16), o terreno da fazenda Palestina. A doação foi para que se instalasse no local um novo distrito industrial, projeto que parece ter sido abandonado pelo prefeito Ronaldo Magalhães (PTB).
Ainda segundo Henry Galbiatti, as águas bombeadas pelo rebaixamento das minas ficam, em sua grande maioria, estocadas nas barragens. “Poucas cidades do mundo dispõem de reservas estratégicas de água como Itabira”, salientou.
Ou seja, com toda essa disponibilidade hídrica já existente em Itabira – e mais as reservas subterrâneas e antropogênicas já anunciadas, é preciso mesmo fazer essa parceria público-privada para transpor água do rio Tanque para abastecer a cidade e atrair novas indústrias?
A decisão agora está com os vereadores, que devem tratar do assunto nesta quinta-feira (21), na reunião das Comissões temáticas, a partir de 14h, na Câmara Municipal.
Há contratos e contratos de obras…