Há 39 anos surge o jornal O Cometa Itabirano, que circula até o início deste século
No dia 15 de novembro de 1979, há 39 anos, começou a circular em Itabira o jornal O Cometa Itabirano, fundado no fim da ditadura militar (1964-1985), já após a “a abertura lenta, gradual e segura” do general Ernesto Geisel (1974-79) – e início do governo de João Batista de Figueiredo (1979-85), o general que dizia preferir o cheiro de cavalos ao de gente.
Inspirado nos jornais alternativos O Pasquim, Movimento e Opinião, O Cometa fez da Cidadezinha Qualquer a sua cena primária para tratar da política nacional e do mundo. Ousado e intrépido, o jornal foi editado por jovens itabiranos sem medo de retaliações do regime militar, o que acabou ocorrendo, com o enquadramento de seu então diretor Carlos Alvarenga Cruz, hoje editor deste site, na famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN).
O enquadramento de Carlos Cruz na LSN ocorreu depois de o jornal denunciar o então ministro das Minas e Energia César Cals de Oliveira (1926/91) por ter embolsado esmeraldas em Itabira, em troca da concessão de uma mina em Oliveira Castro, onde antes havia garimpeiros, que teriam a primazia na concessão, conforme ditava a legislação.
Na tentativa de retaliar o jornal, a Polícia Federal abriu inquérito e quis indiciar também o colunista social Benjamim Fru-Fru de Oliveira, que noticiou o “mimo” oferecido à esposa do ministro, por ocasião da visita ministerial a Itabira, em 23 e 24 de julho de 1981:
“Ouro de Cangica. Soube-se que a senhora Cals recebeu um magnífico colar de esmeraldas (avaliado em aproximadamente 2 milhões de cruzeiros), gentileza dos proprietários do garimpo de Oliveira Castro em recente visita do ministro César – o Cals – por essas redondezas. Quanto ao jantar oferecido pela ‘municipalidade’ ao Olherudim foi também digno dos deuses, não faltando o escocês tão necessário. Distinção e bom gosto fazem de Itabira a cidade mais gentil.”
Depois de inúmeras tentativas frustradas para intimar para depor o colunista social do jornal (Benjamim Fru-fru se embrenhou com o Onça pelo Mato Dentro e ninguém soube informar em qual gruta eles se esconderam), a Polícia Federal decidiu enquadrar nas penas da LSN só o diretor do Cometa e autor da reportagem sobre o ministro que deu uma de “curiango”, surrupiando as verdes esmeraldas.
Após um longo e tenebroso inquérito, o processo se arrastou até 27 de julho de 1983, quando então os “juízes” da aeronáutica da IV Auditoria Militar de Juiz de Fora decidiram, por unanimidade, absolver o jornalista Carlos Cruz e também os jornalistas da Tribuna de Imprensa, jornal do Rio de Janeiro que reproduziu a reportagem sem citar a fonte primária: Hélio Fernandes, Hélio Fernandes Filho e Paulo César Blanco.
A absolvição foi notícia de capa da revista Veja, que abriu reportagem sobre uma visita de César Cals ao presidente Figueiredo, que se recuperava de uma cirurgia cardíaca, em Cleveland, nos Estados Unidos:
“Ao regressar nesta segunda-feira, o ministro César Cals aterrizará em más notícias vindas de Juiz de Fora, Minas Gerais. A 27 de julho passado, a auditoria da 4ª Circunscrição Jurídico-Militar, baseada naquela cidade, absolveu por unanimidade quatro jornalistas que Cals pretendia enquadrar na Lei de Segurança Nacional, sob a alegação de terem praticado ‘matéria ofensiva à dignidade do ministro’. Além de não ver crime na conduta dos jornalistas, a sentença expedida pelo Conselho da Auditoria, integrada por um major, um capitão e um tenente, pondera que, “havendo outros indícios de recebimento de vantagem indevida, ainda que para outrem, deverá ser aberto outro processo, dessa vez contra Cals.”
O processo foi encaminhado à Procuradoria-Geral de Justiça, que engavetou o caso sem instaurar inquérito contra o ministro, como ocorria na ditadura e mesmo depois da redemocratização.
Dom Mário
A prova de que o ministro havia mesmo embolsado as esmeraldas de alto valor foi obtida com a ajuda do ex-bispo dom Mário Gurgel (1921/2006). Ocorreu que, após a repercussão nacional do caso, o ministro teria doado as esmeraldas a um hospital do interior do Ceará, foi o que declarou o Cals, sem citar o nome da cidade. Ele alegou que havia sido apenas um “mimo”, que as esmeraldas não tinham valor econômico.
Por uma feliz coincidência para os jornalistas indiciados, as esmeraldas foram parar em um hospital da Cruz Vermelha da cidade de Sobral, no Ceará. A provedora desse hospital era irmã de dom Mário. Ouvida por meio de uma carta precatória, ela informou que os recursos obtidos com a venda das esmeraldas foram suficientes para construir uma nova ala pediátrica no hospital que dirigia.
A sentença final que absolveu os jornalistas foi considerada pela imprensa nacional como tendo sido de “singular relevância do ponto de vista jurídico” – um marco na consagração da liberdade de imprensa, após 19 anos de censura prévia imposta pela ditadura militar: “Pode a imprensa dar aos fatos a interpretação, verídica ou não, que lhe aprouver. Cabe aos leitores aceitar aquela interpretação ou tirar suas próprias conclusões. Não há crime em tal conduta.”
Defesa de Itabira
O Cometa foi um jornal de política, ideias, humor e cultura. Foi também o responsável pela reaproximação do poeta Carlos Drummond de Andrade com a sua terra natal, virando colaborador do jornal. Foi no Cometa que ele publicou, em 1984, os poemas O maior trem do mundo e Lira Itabirana: “O Rio? É doce./ A Vale? Amarga./ Ai, antes fosse/ Mais leve a carga.”
Essa troca de amabilidades e colaboração entre jornal e poeta teve início com a publicação da primeira carta do poeta ao Cometa, em dezembro de 1979:
“Prezado Lúcio Vaz Sampaio: Grata surpresa O Cometa Itabirano. Espírito independente, diagramação moderna, impressão ótima. Gostei. Só que me pareceu um tanto … drummondiano em demasia. Claro que me tocou a generosa lembrança do meu nome em várias páginas. Mas eu entendo que a missão de vocês deve ser antes crítica do que enaltecedora, e há muita coisa a fazer em defesa e benefício de nossa Itabira. A entrevista com Dom Mário Gurgel, excelente. Dá que pensar o que ele observa com propriedade: as pessoas se interessam mais pela Vale do que por Itabira. É lamentável isso. (…). Abraço cordial e agradecido do velho itabirano, Carlos Drummond de Andrade.”
Pois foi seguindo o conselho editorial do poeta que O Cometa publicou uma série de reportagens sobre as agressões ao meio ambiente provocadas pela então Companhia Vale do Rio Doce. Após a publicação dessas reportagens o então promotor de Justiça José Adilson Marques Bevilácqua instaurou três inquéritos, com base na Lei Federal 7347, que instituiu a ação civil pública, em 24 de julho de 1985.
As ações contra a Vale foram as primeiras instauradas no país com base nessa lei de defesa dos interesses difusos da sociedade. A partir delas, pela primeira vez foram apuradas as responsabilidades da empresa pelos danos causados ao meio ambiente, principalmente em relação à poluição do ar e à descaracterização paisagística da serra do Esmeril.
Cultura
Outra frente de atuação do jornal foi na área cultural. Artistas até então desconhecidos na cidade foram pautados em longas reportagens: José Assumpção, Papa Roma, grupos de teatro, cine-clube Lima Barreto, as históricas edições do Festival de Inverno.
Raros foram os artistas que vinham se apresentar em Itabira, do teatro e da música, que não eram entrevistados pelos “intrépidos” repórteres de O Cometa, que era como Drummond se referia à turma do jornal.
Na celebração do primeiro aniversário do jornal, em novembro de 1980, artistas plásticos da cidade foram convidados para pintar um muro na pracinha do Pará, gentilmente cedido pela família Couto, com a condição de que o mural não seria eterno, uma vez que a pretensão era de construir no local, como acabou ocorrendo.
Mas o mural durou muitos anos. E o registro dos quadros foi eternizado pela lente do fotógrafo Eduardo Cruz. Participaram da pintura do mural as artistas plásticas Gê Maria, a Dadá, Rosemary Penido, Magda, Solange Bethônico, além de Cordeiro e Pedro Eisemberg.
Que delícia poder lembrar de algumas de tantas histórias e boas leituras que muito contribuiram para a minha formação cultural.
Momento efervescente na vida cultural da cidade.
O Cometa faz parte da minha história de vida! Pioneiro, ousado e com uma equipe genial. Em uma época de efervescência cultural e política, O Cometa deu voz a esse momento histórico!
Saudades desse tempo de cabeças pensantes e revolucionárias.
O Cometa nunca foi tão atual! Basta pesquisar.
Tive o prazer de entregar de porta em porta nas casas do bairro Pará o 1º exemplar do Cometa Itabirano ! Muitas saudades… e muitos anos de vida ao Cometa! Tim tim 🥂
Tenho umas frases feitas que vivo repetindo, uma delas é: Leia O Cometa, ainda é tempo. Leia O Cometa. Não canso de repetir. É parte de minha vida. Que venham mais artigos pra não esquecer.
PARABÉNS PELOS 39 ANOS
Olá, como faço para ter acesso a este artigo: O Debate da (des)igualdade racial no contexto brasileiro atual. Foi escrito no O Cometa Itabirano pelo prof Willian Rosa Alves. Mais informações: p. 18 – 18, 22 nov. 2006. Quem poderia me ajudar com isto? Agradeço demais!!!
Na Clínica, ali perto, onde eu era secretária, também havia tempo para pausas que eu gastava com estudo e desenhos. Deve ser por causa deles que a Catarina me falou que a mãe dela estava me convidando para pintar um mural. Não me lembro dela ter falado o motivo. Também nunca soube o motivo do convite. E foi essa a minha pintura porque não tinha a mínima ideia do que fazer em uma “tela” tão grande ou porque eu merecia estar ali (na legenda, como Dadá).
Não estou comentando aqui para reivindicar a autoria, da qual não me orgulho, mas para aproveitar esse espaço para agradecer a Dadá para quem nunca falei o quanto esse gesto foi importante na minha vida.
O que eu lembro desse dia? Que perto de mim estava o José Assunção que, controlando um pouco de tremor na mão, apoiava o dedinho no muro para que os outros dedos segurassem com firmeza o pincel. Perto dele um rapazinho ajudava segurando a paleta.
Muitas pessoas que eu não conhecia e só soube quem eram ou vim a conhecer anos mais tarde.
Então, Dadá, muito obrigada! Eu não sabia bem o que fazer nem como, mas a partir desse dia eu senti que era possível, era um caminho.