Não dá ruim quando é elascomelas&elasporelas

Por Cristina Silveira

“O vento se levanta, é preciso tentar viver” – Paul Valéry

Lembro-me do estampido da bala de revólver entre dois políticos. Não saiu sangue daquelas artérias masculinas. Errou-se o alvo de uma quase tragédia…Inda bem!

Dezenas de anos depois, essa lembrança já não é mais o que foi.Agora, o fato parece simples deslize no tabuleiro de horror, de fraudes, de barbárie das eleições 2018. E com tudo dentro: juiz, bandeirinha, gandula e a torcida vociferante.

É parte do programa de lesa-pátria da operação lava-jato; é a baixeza intelectual do judiciário; é a vingança oligárquica de ódio caindo-pra-cima da nação brasileira. Por tudo isso, cismo, tutucaramujeio com a orgia da morte.

Penso nas eleições, no voto. Penso nas mulheres no poder e no resultado do primeiro turno das eleições. O número de mulheres filiadas à esquerda para a Câmara Federal subiu de 51 para 77 deputadas, 15% do parlamento.

Seremos representadas por 5 mulheres pretas e pela primeira vez por uma mulher indígena, a advogada Joenia Wapichana. A mais velha é a senhora Luiza Erundina, 83 anos de vida e seis mandatos da melhor política, sem rasuras.

Da periferia de S. Paulo, filha de trabalhador (trocador de ônibus) Tabata Amaral é a mais nova entre elas, 24 anos de idade; como bolsista graduou-se em ciências sociais e astrofísica pela Universidade de Harvard (1636) nos EUA.

Regina Pinto Coelho foi a primeira mulher eleita vereadora de Itabira

Penso em Regina Maria Pinto Coelho, a primeira mulher a candidatar e ser eleita vereadora de Itabira. Também, primeira presidenta do legislativo. Depois, primeira presidente do PMDB. Finalmente,a primeira mulher a disputar a Prefeitura.

Após longo vazio de 15 anos, duas mulheres ocuparam a bancada do legislativo: Dudu Edwiges Maria Barbosa S. Costa e Emereciana Nitinha Drummond Lage.

1972, ano do recrudescimento da ditadura de 1964, tempo de tortura e assassinatos, de casas destinadas e equipadas para brutalidades inumanas. O sistema eleitoral já estava contaminado pelo AI-2 (27.10.1965) que impôs o bipartidarismo com sublegenda, daí criaram-se dois partidos: Arena e MDB.

No ano seguinte mais atos institucionais foram editados para o controle do voto.É neste contexto político que Regina entra para a história das eleições de Itabira.

Mesmo acanhado, o movimento estudantil de Itabira estava presente e é como estudante que a liderança de Regina chama a atenção.O primeiro convite para filiar-se a um partido e disputar as eleições, partiu do olhar visionário do maior pé de valsa da cidade, José Raimundo Magalhães, o Ti Bebé.

Nas eleições de 1972 Itabira contava com 18.278 votantes, deles o MDB obteve 9.217 votos, a Arena 4.053, nulos 1.429 votos (difícil, escrever o nome e número do candidato, não se teclava números) e 416 brancos. Candidata a vereadora pela sublegenda 1 da Arena, Regina foi eleita com 298 votos conquistados numa campanha amistosa.

No segundo ano de sua legislatura,o prefeito Virgílio José Gazire (1973-77) – pela voz do povo é o mais querido prefeito de Itabira –, convida Regina para presidir a câmara. A disputa acirrada se deu com vereador José Ignácio Vieira derrotado por 11 votos a favor da vereadora.

Mas o mundo vira, e hoje o valoroso Zé Ignácio e a Regina estão do mesmo lado, no lado certo da política: o 13, Haddad e Manuela, que se eleita, será a primeira mulher a ocupar o Jaburu.

Como presidenta do legislativo, uma das primeiras medidas da vereadora Regina foi mudar as instalações da Câmara do prédio do Ginásio Sul-Americano (quase desabando) para um novo edifício na rua D. Prudêncio, n. 37.

Seria apenas uma mudança de lugar se não fosse o espírito democrático a fazer a diferença.Uma pequena obra no plenário, assinada pelo arquiteto Cássio Sampaio Guerra, alterou o formato da sala de assembleias. Entre a mesa diretora e as cadeiras dos parlamentares traçou-se um semicírculo, uma meia-lua, criando a perspectiva de igual para igual.

Entre 14 vereadores, a primeira mulher eleita vereadora encontra Lúcia Cruz, então diretora da Câmara, talvez a primeira mulher no cargo. “Lúcia, foi uma pessoa muito importante para mim, grande companheira, me orientou sobre o regimento interno e a administração da Casa. Verdade é que Lúcia sempre foi impecável com todos nós do legislativo.”

Em 1976 a vereadora entra na disputa para a prefeitura. Seus principais oponentes eram homens poderosos, o médico Jairo de Magalhães Alves e o operário padrão Milton Dias dos Santos. Dois homens respeitáveis e empregados da Imperdoável CVRD, governaram de 1977 a 1982. Mas no sapatinho, Regina conquista mil votos e o certificado de terceira colada na disputa para a prefeitura.

O criminoso recurso de caixa 2 era invisível ou “medido”e distante dos municípios. A contabilidade se fazia pelo clássico Livro de Ouro; capa dura com folhas numeradas para a/o simpatizante da causa doar e assinar. E era o documento de prestação de contas de campanha ao Tribunal Eleitoral.

“Na época os recursos financeiros de campanha eram pequenos e ainda não éramos conectados em rede, dispúnhamos de um único meio de comunicação: os jornais impressos. Com este cenário, a minha campanha foi no tête-à-tête; de porta em porta conversei diretamente com as pessoas. E também recebi convites das Associações de Amigos de Bairros para expor o meu programa de governo. Caminhar pela cidade e os encontros direto com o eleitorado, foram essenciais para que eu pudesse conhecer e entender melhor a cidade.”

Com o ex-prefeito Virgílio Gazire: Regina foi também a primeira mulher a presidir a Câmara Municipal de Itabira

A década de 1970 foi o ovo da serpente germinando novas tecnologias como microcomputador, bebê de proveta, etc. e tal e,a hipervalorizarão da propaganda política. Frases curtas como “Lula Lá” ou “trabalhador unido jamais será vencido” estão grafadas na história das eleições.

Sem os gananciosos marqueteiros as campanhas eram quase artesanais:“Foi uma campanha generosa que agregou meus pais, meus irmãos e pessoas amigas que se uniram voluntariamente para fazer a campanha. O meu irmão, José Carlos foi o coordenador e administrador, o Celinho Vale cuidou da publicidade, bolou os santinhos. A publicidade deu certo, foi marcante. Sempre que estou em Itabira, alguém me cumprimenta com o mote de campanha: Regina gente jovem, gente fina. Um slogan, criado pela amiga Adélia Lage de Oliveira, hoje procuradora de justiça.”Uma coisa puxa a outra e Regina busca nas vozes das eleições de 1967 descendo do Alto do Pereira para os comícios no centro da cidade: “Alto do Pereira com alegria pra salvar o Grisolia”.

Uma campanha eleitoral no século passado, com particularidades da Cidadezinha e neste caso, por conta da filosofia. Uma grande figura também estava presente no círculo da política solidária da Regina. Aos sábados, o erudito Antônio Lage Martins da Costa, pongava em sua casa e como se fosse Platão conferenciava a natureza da política.

Sobre infâmia e difamação,quase uma regra nas campanhas e com virulência contra a mulher, Regina não enfrentou grandes maldades: “Fui bem recebida por onde passei, fui respeitada, sem hostilizações. Apenas um fake news pueril de que eu estava grávida do padre Joaquim de Castro, candidato à prefeitura, mas não surtiu o efeito que desejou a oposição, não repercutiu, nasceu e morreu como mentira”.

Em 1980 o advogado Marcus Vinícius Lage Moreira e o vereador Neftaly de Souza e Silva– pemedebistas históricos – convidam Regina para coordenar a comissão provisória de construção do PMDB na cidade. Instalado o PMDB, Regina foi eleita a primeira presidenta do partido.

Em entrevista ao jornal O Cometa Itabirano (edição n. 10/1980) o então prefeito Jairo de Magalhães Alves fala sobre a escolha: “Eu considerei uma boa escolha. A Regina eu sempre achei uma criatura extraordinária! Sempre foi uma adversária política ímpar, que sempre teve um comportamento político incensurável! Quando ela veio para o PMDB, para mim foi uma surpresa das mais agradáveis. A gente vê que ela fez toda uma autocrítica, descobrindo que havia uma disparidade entre seu pensamento político e a legenda a qual ela pertencia, a Arena. Eu, sinceramente não conseguia ver direito a Regina na Arena, não conseguia entender. Agora a Regina, acredito que o PMDB suplantou muito nossos vazios, com as adesões ao PDS e outros partidos… Eu acho que a “troca” foi excelente, não há dúvidas”.

Em 1986, Regina volta a disputa eleitoral como candidata a vereadora, mas não se elegeu, ficou como suplente. Andou contra a corrente ao apoiar a candidatura de Itamar Franco para governador e derrotado por Newton Cardoso (vice- Júnia Marise).

Em 1985 o Brasil sai da obscuridade da ditadura. Na conjuntura de redemocratização,em 1989 é realizada a primeira eleição direta para a presidência da República desde 1960.

Entre os 22 candidatos havia uma primeira mulher, Lívia Maria Pio (PN) mineira de Carangola, que obteve 0,26% de votos.Nesta eleição, o voto de Regina estava decidido parao candidato do PCB, Roberto Freire, entretanto, a pedido de um amigo que se encontrava fora do Brasil mudou o voto para Leonel Brizola (PDT).

Para a Regina a importância da mudança de seu voto veio repercutir em 2016 quando Roberto Freire, contrariando os princípios democráticos, apoiou o golpe que depôs a presidenta eleita Dilma Vana Rousseff: “Graças ao amigo, não tenho do que me arrepender, nunca votei no Freire”.

Sem interesse na disputa eleitoral, mas engajada no exercício da política corporativa, em 2017 Regina, de Ipoema das Itabira, é eleita a primeira presidenta nacional da Aposvale (1985).E assim caminha o salto alto entre os domínios dos pares de calça.

Mais mulheres na política

Em 1932 o voto feminino no Brasil foi assegurado pelo decreto n. 21.076, direito concedido às mulheres casadas desde que autorizadas pelos maridos e, às viúvas e solteiras que tivessem renda própria.

Em 1934 na Itabira do Mato Dentro, ainda protegida pela Serra do Cauê, uma mulher foi as urnas pra eleger o presidente da República, uma disputa entre Getúlio Vargas e Borges de Medeiros.

A relevância da primeira eleitora foi noticiada no Jornal de Itabira em 19 de maio de 1934, uma matéria de capa inteira e com foto da eleitora, assinada por J.A. que relata o acontecimento:

“Completa amanhã 100 anos de idade a exma. d. Virgínia Augusta de Andrade Lage, tronco de uma das mais importantes famílias do município. Matrona das mais acrisoladas virtudes,educada nos sãos princípios da moral cristã, D. Virginia educou seus filhos na escola do dever, da honra e dos mais rigorosos princípios de moral e pureza de costumes”.

“Em todos os movimentos cívicos que tem empolgado a vida do país, d. Virgínia está presente ao lado das boas causas detendo-as com a sua palavra autorizada e acatada.No último pleito eleitoral, vimo-la depositar na urna a sua cédula, com todo o patriotismo e lucidez de espírito.É, portanto, uma data que transpõe os limites do lar para interessar a todo o município”.

“A nossa festejada anciã se fez eleitora e foi sob a mais vibrante e calorosa salva de palmas da assistência que ela depôs na urna de 3 de maio a sua cédula eleitoral, porque, no seu dizer, liberais foram o seu pai e todos de sua imensa prole.Que seu patriótico exemplo sirva de estimulo a todos os brasileiros e que a cintilante data de hoje se reproduza por muitas vezes mais – tais são os votos dos corações de todos que a querem e estremecem, que pedem sua benção e a beijam carinhosamente. Salvé!”

Notinhas complementares da gloriosa história das mulheres na política: Em 1927 o primeiro voto feminino no Brasil, aconteceu no peito, na marra da saia, foi em Mossoró (RN) que a professora e juíza de futebol Celina Guimarães Viana fez-se a primeira eleitora inscrita na história das eleições no Brasil, embora o senado tenha anulado o seu voto.

Mas daí o leite já estava derramado e fomentou o debate. Celina mudou-se pra Belo Horizonte onde viveu até a sua morte e certamente militou no movimento feminista liderado pela dra. Elvira Komel. Em 1929 a cidade de Lajes no RS elegeu com 60% dos votos, Alzira Soriano (1897-1963) a primeira mulher na América Latina a assumir a governança de uma cidade.

É hora de encerrar lembranças que representam a minha inquietação com o que está por vir; como se fosse um pequeno inventário enquanto espero o fim do mundo no Brasil caso o fascismo seja eleito. Ou, o que parece vai ser, o alívio para começar de novo e continuar resistindo.

Sem medo de ser feliz vamos votar no 13, vamos eleger a democracia ferida com Haddad e Manuela.

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