Um Burro chamado Brasil
Nós, os Garrucheiros
Cristina Silveira
A“procopada” epígrafe, empoderada e forte, deste artiguinho, é da lavra de Arp Procópio,numa edição de um Cometa que cortou os céus do Mato Dentro.
E os Garrucheiros continuam a brilhar. Em 2006, longe, longe fora da Terra, na mais brilhante estrela do universo, uma constelação de almas mortas aguarda o tropeiro camarada, mensageiro da Terra. Em volta do jacarandá preto dos Borges, sem toalha de crivo; na mesa só a jarra branca com jacuba fresca e largueza pra esparramar a encomenda da Terra.
Na cabeceira do jacarandá, profundo de agradecimento e contente da vida, está um velhinho inteligente, de bons pensamentos e no momento, elegante de vaidade serena. É o Sô Cotta, da dona Mariquinha, todo mundo conhece.
À sua esquerda, lá está o Arp da Marinha, ansioso de felicidade brinca o ioiô: caindo-e-subindo-balançando-as-voltas-e-voltas. À direita, o brilhante e ardoroso historiador, Luís Camillo de Oliveira Neto pronto pra microfilmar a encomenda. E entre eles, outras figuras lendárias da história sem fim do Matto Dentro, tudo farinha do mesmo “munho”.
Na hora tratada, o camarada Antônio Gonçalves Couto descarrega as bruacas com a encomenda ao Sô Cotta. Encomenda de sua vida passada a limpo, classificada e sobretudo narrada em “garruchês”, num livro gordo, nutrido de toicinho do Funil com 1k325gr na balança, distribuídos por entre 623 páginas ilustradas.
O livro, Santa Maria de Itabira: na Lavra do Tempo, é obra preciosa, trabalho árduo, dedicação disciplinada de anos de pesquisa da escritora e memorialista Joana d’Arc Torres de Assis. Grandeza das Gerais. Livrão de suma importância para a historiografia brasileira. Assim como Sô Lú, a Joana contou a história e a história da história.
O tropeiro camarada volta pra Terra, passadinha em Sabará e, depois, Santa Maria. E as almas mortas, afinal, preferem intercambiar as lembranças gravadas na voz de Zinha.
Zinha era neta de escravo “que venceu a liberdade” na fazenda Funil; em tempos modernos, foi agitadora cultural, recuperou e manteve viva a marujada de Santa Maria. E a Joana d’Arc nos teve a bondade de gravar a fala dela. Um burro chamado Brasil é da lavra da Zinha e está na p. 529, mas, antes e depois da 529 tem mais histórias poéticas da encantada Zinha.
Saúdo e louvo!
Um Burro chamado Brasil
Joana d’Arc Torres de Assis
E teve lá um caso muito interessante de um burro chamado Brasil.
Foi assim: Sô Valico Duarte também era tropeiro. Meu pai ficou trabalhando com ele.
Lembro dum burro que tinha lá, danado de inteligente.O nome dele era Brasil. Era só ouvir os tropeiros falando em viagem pra Mata, que na véspera ele se mandava, sumia.Escondia nalgum canto de pasto mesmo, porque pasto naquele tempo tinha muita matinha. E cadê achar o Brasil? Ô treteiro, ninguém dava com ele!
Um dia, puseram nele um cincerro, achando que assim dava pra vigiar os passos dele. Pois o danado rolou numa terra de formiga até o cincerro ficar cheio e parar de tocar, e foi esconder. Quando um foi atrás dele, crente que ia achar, não achou, e acabou indo embora.
Só que na hora da sede, Brasil precisou sair do esconderijo. Era de tardinha. Ele sabia, mesmo não conhecendo bem o lugar, que não longe tinha um rego d’água. Saiu cauteloso, quando, num certo momento, viu uma moitinha de capim, a mais verde do mundo. Já o último sinal do sol ia sumindo, embaralhando a vista. Mas ele deve ter pensado: “Essa aqui já tá no bucho!
Foi bater a bocona na moitinha e, zás, nem mastigou! Focinho lá embaixo, o peso todo do corpo em cima da cabeça. Tinha um buracão emendado na moita, e ele não viu. Um dia, dois, três. E nada dele voltar do pasto. Toda vez, era a tropa pegar a estrada da zona da Mata que ele vinha todo refestelado. No Macuco, ninguém atinava com o motivo, até que um camarada viu uma roda de urubu lá longe e foi lá, achando então o derradeiro esconderijo de um burro chamado Brasil.
Mas faltou uma presença. Irreparavelmente esqueceu-se de citar no encontro sideral a presença de sensibilidade que é Dora Letícia Guerra e o seu discurso impecável. A Dora Letícia é a fina flor do lácio de santamaria e por isso a sua presença é essencial. Erro crasso de quem escreveu o artiguinho, imperdoável e agora a autora teme as garruchas enfileiradas na porteira grande da fazenda São José do Tyrol. Pelamordedeus Adailton, me salve, pois é que o Zéamilton já engatilhou a garrucha.
Fato mais engraçado nesta crónica:
quem a assina, descende do Manoel;
o editor do portal, descende do Joaquim;
o autor copiado, descende da Lourença;
a fazenda do Funil, a primeira dona descendia também do Joaquim; e
a autora do livro citado, ela também descende da Lourença.
Afinal de contas, os nominados eram todos irmãos e filhos do Francisco e da Senhorinha…
Engraçado essa história do Burro chamado Brasil, pois da pra fazer um paralelo com a história do país chamado Brasil. Estamos todos com um monte de urubus cagando sobre as nossas cabeças.