Eutanásia ou incompreensão fanática de uma certa ignorância
Veladimir Romano*
Neste insignificante cantinho da galáxia, no planeta Terra, muitas são as fantasias e profunda é a ignorância sobre quais serão os verdadeiros princípios, razões da Vida e a totalidade misteriosa da Morte como própria necessidade recicladora do processo evolutivo. Sim: existe a necessidade da Morte! Tudo se resumindo a uma trajetória obedecendo aos mistérios do Princípio, Meio e Fim de tudo quanto nos rodeia.
Desta maneira, olhando ao passado mais ou menos distante na livre opinião de cada um; podia ser iniciado este tema, anunciando “Aristóteles ou a Ética de Nicómaco”; tal foi a luta intelectual e semântica instalada no Senado de Atenas depois dos escritos do grande pensador sobre essência, felicidade, prazer, virtude, moral, justiça e reflexão ética [ethos, do grego antigo se refere aos “hábitos”]… uns favorecendo as teorias do filósofo enquanto outros apoiavam velhos senadores menos convencidos com teorias do discípulo de Platão.
Já várias sociedades mediante a realidade e melindre da matéria, se assumem e vão discutindo a nível muito alto em quantos padrões sociais exigentes, este velho assunto da chamada “eutanásia”. Pouco ou mesmo nada consensual, aproveitam quantas religiões podem, pegando no tema como arma espiritual devendo a vida “pertencer a Deus”, então somente essa entidade desconhecida e misteriosa, poderá aplicar seu outro “último sopro” mágico acabando o ser nessa permanência “autorizada” no planeta ou chegando hora para sair de cena.
A Holanda, primeira nação no mundo a discutir abertamente este problema, levou doze anos até chegar a uma conclusão que, ainda hoje, depois de 36 anos, mantém divisões embora não tanto quanto outros lugares do mundo. Logo a Bélgica e Luxemburgo, seguiram a condição do vizinho holandês pelo seguinte das situações melindrosas, enquanto autoridades internacionais criaram a chamada Secção de Ética Europeia, aplicando vigilância nas decisões legislativas com a natureza de serem dedicadas ao programa da “Eutanásia”. Apenas Alemanha e Suíça, com traumas e preconceito em relação à palavra “eutanásia” por razões históricas da Grande Guerra causada pelos nazis, aplicam outros princípios como a “beihilfe zum suizid”… Ou seja: “suicídio assistido”, enquanto a “aktive sterbeihilfe”; “suicídio ativo assistido”. A Suíça foi mais longe criando duas importantes associações: a Dignitas e a Exit, de apoio, esclarecimento e razão social.
A Bélgica, contudo, se adiantou em relação inclusivamente na área juvenil, legislando sobre morte assistida para crianças quando essas não encontram cura dos seus males; é assim a primeira do mundo. São dezesseis países hoje no mundo onde se pode praticar eutanásia, enquanto nos EUA, apenas alguns Estados reconhecem essa aplicação como Vermont, Montana, Novo México e Oregão, sendo esse o primeiro a criar leis em 1997 com senados aprovando maiorias entre 51% até 56%; hoje, mais 35 Estados andam estudando leis aproximando decisões controladas na relação com a já famosa eutanásia.
Certamente para todo o mundo, eutanásia, nunca será assunto local, pois passou a ser global. São quase todas as sociedades debatendo o problema, exigente exercício e frontal questão melindrando ou inflacionando quem serve, dirige e organiza conceitos doutrinários ligados a princípios religiosos. É o caso de quantas nações praticando seu acervo tradicionalmente conservador, dificilmente conduzirão algum debate claro, tolerante e aberto, deixando batatas quentes nas mãos da classe médica. Eutanásia, não será nunca produção religiosa sequer política. É e será mesmo uma questão de consciência esclarecida.
Novamente, não é discussão moderna, de hoje nem de ontem; a questão complexa ao pensamento existencialista das comunidades humanas, compreensão da vida e do seu fim como discutir razões materialistas sobre eutanásia, sem compreender a profundidade do termo espiritual. Nos séculos dezesseis e dezessete, Francis Bacon, famoso intelectual inglês, terá sido dos primeiros usando e referenciando “eutanásia”, como “morte fácil”, escrevendo inclusivamente ensaio referenciando a temática do grego “eu” [bom ou boa]; e do “thanatos” [morte]. Um dos dilemas históricos mais discutidos como efeito colateral das doenças incuráveis.
Do significado “boa morte”, Aristóteles usava esta terminologia, vindo a ideia ao plano médico com Platão, 400 anos antes de Cristo. Época na qual onde já se apontava jurisprudência do Estado nos devidos cuidados ao corpo e à alma dos cidadãos. Em Roma, o próprio imperador Flávio Valente, 378 anos antes da era cristã, tolerava aplicações da eutanásia e ao longo da evolução histórica dos povos, celtas, visigodos, nórdicos; no final de cada batalha, soldados gravemente feridos ou em agonia, servia a eutanásia atenuando sofrimentos desnecessários.
No entanto, do passado, não deixou de haver polêmica entre grandes personagens pelo quanto Pitágoras, Hipócrates, Galeno ou outros intelectuais de épocas ricas em pensamento e evolução humana, ao invés, defendiam a vida e, com isso, sofrimento até ao fim. Até na opinião do pensador alemão Friedrich Nietzsche, no século dezenove, impressiona a sua brutalidade filosófica aceitando que em qualquer instante da vida impossível do ser, se tomasse a eutanásia como via seletiva em solução dos problemas incuráveis do corpo.
Nas Filipinas, nação dividida em duas fortes presenças religiosas: Islamismo e Catolicismo; autoridades governamentais andam favorecendo estudo pela eutanásia. Em 1981, lembro, depois dos primeiros debates holandeses, a sociedade civil alemã, criou a Sociedade de Eutanásia Voluntária; porém, bom voltar aos anos de 1930 analisando a ideia do médico Charles Millard, na época responsável máximo da Sociedade Médica Britânica, pedindo legislação “morte por misericórdia”. Igualmente nos EUA, ano de 1938, nascendo a Sociedade de Eutanásia da América, hoje transformada na Sociedade para o Direito à Morte.
Resumindo a ideia humana, voltando a gregos, romanos, maias, guaranis, toltecas, polinésios, aborígenes, himbas, métis e outros povos como no Japão dos samurais, tinham no seu ritual o “seppuki”, numa analogia à eutanásia… antes e depois da teologia, naturalmente, seres humanos nunca precisaram orientação doutrinária pelo tanto natural que habita no seio de misturas hoje em dia quando se fala da “fé”, “caridade”, “existência”, “dor”, “sofrimento”… mas também povos entendendo que a vida deveria ser preservada para sempre, contrariando estudos desde 1993, da Faculdade Médica da UNAM mexicana que acabou editando o livro: “Prática e Ética da Eutanásia”.
A organização das Nações Unidas do PNUD, segmento programado para promoção do Desenvolvimento, com bastante custo tem procurado desenvolver indicadores de qualidade humana ao longo do planeta; anos e gerações se acumularam e, no presente, testemunhamos como são negativos esses resultados sobre direitos cívicos e humanos, analfabetismo, habitação, fome, conflitos, xenofobias, distribuição de riqueza vergonhosa, desumanização social, injustiças com muita morte prematura por todos os motivos arrastando incompreensão, fanatismo de muita ordem e profundo obscurantismo das relações médico-científicas, psíquicas, elementos racionais na divisão espiritual-física com doutrinas espiritualistas.
A tarefa pode ser complexa, mas estudos não faltam… um dos mais elucidados trabalhos sobre eutanásia discutido no ano 2009, que se pode encontrar no endereço www.echa-osterreich.at/archiv/platon09; projeto feito pela Platon Youth Forum, em Viena de Áustria [Fórum Jovem Platão], muita elucidação de assunto tão dramático, arrasador pela quanta incompreensão, fanatismo, profunda ignorância por onde o pendor das ações verbais superam a consciência ou outras análises pensadoras pelo teor da Vida… realmente, para que serve ela? Quais e quantas razões se colocam no cardápio virtual das nossas existências que consigam ser explicadas?
Existindo desde 2002, a Royal Dutch Medical Association, organismo médico holandês vocacionado ao plano internacional, esclarece que neste país, praticam eutanásia uma média de 15 mil pessoas ano que representa 3.8% a 4% das mortes. Do ano de 2015, do total de 148 mil mortes, 5.516, pediram eutanásia. Na vizinha Bélgica, dos 80 casos terminais por doença degenerativa acontecidos em 2002, até 2017, escolheram eutanásia 4.182 pacientes, informa outra associação, a Right to Die with Dignity [Direito de Morrer com Dignidade]; novamente na Holanda, por outra demonstração duma análise de como funcionam aplicações de eutanásia, entre 1990 até 2011, entre 32% a 45% das requisições para aplicação da eutanásia, não foram atendidas pelas autoridades ou nem foram permitidas.
Das mortes por doença ou incidentes fatais, na Holanda, 28.8%, morrem de problemas cardiovasculares; 26% de câncer/cancro, mais 12 mil com demência; tal como na Bélgica, 10 mil mortes terminais de pulmão, 9 mil de coração, 4 mil hepáticas: apenas 5.516, pediram eutanásia, informa a JAMA, jornal de informação médica interna. Certamente, não sendo tema consensual, pede a temática sobre eutanásia abordagens bem mais frias, contudo, afastando do debate pontos de vista religiosos, políticos ou até financeiro. Antes, problema com base científica, pedagogia espiritual, desafio jurídico e capacidade médica… com isso, bem poderiam parlamentares mundiais criarem uma “Ética Universal dos Povos e o Estudo Sobre Eutanásia”, dando liberdade a todos e melhor oportunidade sem entraves quer das teorias religiosas nem políticas… O problema é, em primeiro lugar, descobrir se a Morte realmente existe ou será algum truque do Supremo Celeste.
*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-caboverdiano, colaborador deste site Vila de Utopia