Vale propõe comitê comunitário para os atingidos pela barragem do Pontal. Moradores cobram assessoria técnica independente
Não foi bem recebida por parte dos moradores a proposta de se criar um comitê comunitário para acompanhamento das obras de descaraterização de estruturas alteadas a montante na barragem do Pontal e do monitoramento de seus impactos ambientais.
A proposta foi apresentada aos moradores presentes na primeira reunião presencial, convocada pela mineradora Vale, realizada na tarde dessa quarta-feira (18), no Centro Pastoral da igreja São José, no bairro Bela Vista,
A reunião teve por objetivo esclarecer sobre a construção da primeiro muro de contenção, com tubos metálicos capazes “de conter um tsunami, tecnologia japonesa”.
A construção de dois muros é considerada medida preventiva para o caso de ocorrer alguma ruptura na execução das obras de descaracterização (desativação com reabilitação ambiental) do dique do Minervino e cordão Nova Vista.
A descaracterização dessas estruturas, construídas sobre o rejeito e alteadas à montante, segundo explicou Glauco Gonçalves, da gerência de Engenharia da mineradora, é uma exigência da legislação promulgada após as tragédias de Mariana e Brumadinho.
“O objetivo da reunião é explicar como será a implantação de uma estrutura de contenção na lagoa do Coqueirinho. Essa estrutura será 100% na área da Vale e não haverá remoção de moradores”, afirmou.
“Queremos buscar tranquilidade (na execução das obras) para a comunidade e também para as nossas operações”, disse o engenheiro, ao explicar a nova tecnologia a ser empregada, com baixo nível de ruídos, vibrações e geração de poeira, segundo ele.
Para isso, as condições ambientais serão monitoradas antes do início das obras e no decorrer de sua execução, para que se tenham parâmetros das condições preexistentes e as que serão decorrentes.
Pois é para acompanhar esses monitoramentos – e posteriormente as medidas de controle – que a Vale propôs a composição de um comitê comunitário. Foi solicitada a indicação de cinco moradores indicados na reunião presencial, mas apenas três se dispuseram a participar do comitê comunitário.
Os outros cinco devem ser integrados na reunião virtual que será realizada na noite desta quinta-feira (19). Acompanhe aqui. https://us02web.zoom.us/webinar/register/WN_RU84QFXHSmejcr9mZpJiLW
Independência
A aposentada Maria Inês de Alvarenga, moradora do bairro Bela Vista, pediu aos moradores para que não participem do comitê. “Somos contra essa comissão que a Vale quer criar. O que queremos é a assessoria técnica independente como está na lei (Mar de Lama nunca mais), mesmo que ela não esteja ainda regulamentada”, reivindicou.
“Os moradores precisam dessa assessoria técnica desde já, que deve ser escolhida por eles para que possam entender o que está acontecendo e o que pode ocorrer em suas vidas”, cobrou.
O ativista Alan Piter, do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região bateu na mesma tecla. “Para quê esse comitê comunitário se já têm a comissão da prefeitura e o nosso comitê popular?”, questionou.
“Eu peço a vocês que aqui estão para que não permitam que essa comissão seja criada”, disse o ativista, dirigindo-se aos moradores. Segundo ele, a assessoria técnica independente, a ser paga pela mineradora, é que dará os subsídios necessários e confiáveis para os moradores avaliarem os impactos e as medidas mitigadoras decorrentes.
Outro ativista do comitê, o professor Leonardo Reis, colocou em dúvida a veracidade do monitoramento dos impactos realizado pela própria empresa. “Quem vai garantir a idoneidade desses dados? Quem garante que quando as obras iniciarem não vão dizer que todas as trincas, as insônias dos moradores não serão por culpa das obras?”, questionou.
“Que a Vale cumpra a legislação para que os moradores tenham o acompanhamento da assessoria técnica independente. Sem isso, a Vale não está cumprindo a legislação”, emendou.
Para o gerente de Relações com a Comunidade, Sergio Costa, é justamente por cumprir a legislação que a Vale está descaracterizando essas estruturas.
“A construção do muro é para dar tranquilidade aos moradores e também para as nossas operações. Estamos cumprindo a legislação para que essas estruturas deixem de ser barragem e virem um parque ou o que a comunidade quiser que seja a sua destinação.”
Atingidos
Questionado sobre o número de moradores que será atingido com a construção do segundo muro de contenção, Sérgio Costa garantiu que a empresa ainda não tem esse quantitativo fechado.
Entretanto, informações extraoficiais, para a construção de um segundo muro de contenção serão removidos de forma definitiva “cidadãos residentes em 300 unidades imobiliárias e a remoção temporária de cidadãos residentes “, conforme divulgou o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, em ofício em resposta à solicitação do gabinete da deputada federal Áurea Carolina (PSOL).
Leia mais aqui: Vale já faz censo de moradores que devem ser removidos nos bairros Bela Vista e Nova Vista, diz procurador de Justiça. Mineradora não confirma
“Se saiu algum número, deve ter sido de um dos cenários possíveis. Posso assegurar que ainda não temos esse cenário fechado, nem mesmo se será necessário remover moradores. Só teremos essa informação quando for concluído o projeto do segundo muro, em junho.”
Licenciamento
De acordo Alessandro Castro, da Gerência de Engenharia da Vale, a construção da primeira estrutura de contenção a jusante (muro tubular preenchido com concreto), terá início assim que a empresa tiver o sinal verde do Ministério Público, com o aval técnico da empresa de consultoria Aecom Engenharia.
No entanto, procurada pela reportagem, a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, da Curadoria de Meio Ambiente da Comarca de Itabira, disse que o Ministério Público não é o órgão autorizador.
“Estamos acompanhando o processo de construção das estruturas de contenção a jusante (os muros) pelos impactos que serão gerados aos moradores e considerando que o Estado de Minas Gerais, até o momento, não exigiu o licenciamento ambiental das obras”, respondeu.
A exigência do licenciamento ambiental foi objeto de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público, que obteve liminar determinando que o Estado convoque as empresas para o licenciamento das estruturas de contenção à jusante (ECJs), que são os muros de contenção.
“Infelizmente ainda não conseguimos chegar ao final das tratativas, mas elas estão progredindo. O Estado ainda está dentro do prazo”, disse representante do Ministério Público, referindo-se à exigência do licenciamento ambiental prévio para essas obras não só em Itabira, mas para todo o estado de Minas Gerais.