Toda história que se conta merece registro, se possível em livro para celebrar os 150 do Cartório de Imóveis de Itabira

Como protagonistas da história, muitos itabiranos têm fatos diversos sobre casos ocorridos em Itabira para contar. Não precisa ser nada extraordinário, mas que tenha significado no passado, podendo refletir ainda nos dias atuais, e que merecem ser registrados, de preferência em livro, para que possam ser resgatados para as gerações atuais e futuras.

Foi pensando nisso que o Ofício de Registro de Imóveis de Itabira, o Cartório de Imóveis, decidiu que a melhor maneira de celebrar os seus 150 anos de existência é resgatando um pouco da história de Itabira por meio de seus personagens – um resgate da história oral, rica em detalhes de quem viveu os acontecimentos ou mesmo que ouviu contar.

Fábrica de Tecidos da Pedreira, fundada pela empresária itabirana Maria Casemira. No destaque, Tobias com familiares e vizinhos, no início da década de 1980 (Fotos: acervo O Cometa e Carlos Cruz)

Para isso, uma equipe de historiadores já foi contratada. E deve chegar a Itabira em setembro para ouvir quem tem histórias para contar sobre a economia, cultura, vida social, os afazeres e os costumes de um povo mineiro de Minas Gerais, de um município povoado de gente vinda de toda parte do país.

E, também, com forte presença do estrangeiro, os chamados gringos que para aqui vieram principalmente após o anúncio da grande descoberta de minério de ferro no pico Cauê, no Congresso Geológico Internacional de Estocolmo, na Suécia, em 1908.

O mais célebre desses estrangeiros foi o empresário norte-americano Percival Farquhar, que, sem grandes dificuldades, obteve o controle da Itabira Iron Ore Company Limited, criada com a intenção de assegurar as reservas de minério e o controle da ferrovia que ainda hoje liga Itabira ao Espírito Santo. Farquhar só não obteve êxito por Getúlio Vargas ter decidido que o controle da fabulosa riqueza do Cauê seria estatal, criando a Companhia Vale do Rio Doce, em 1942.

Mas presença dos ingleses e norte-americanos em Itabira foi tão forte ao ponto de fazer surgir uma nova forma de expressão na cidade, a linguagem de macaco (guilagem de camaco), que inverte sílabas e consoantes, de forma que os gringos não entendessem aquilo que os nativos itabiranos diziam, como esses não entendiam o que era conversado entre os estrangeiros. Foi, portanto, um ato de resistência cultural essa invencionice itabirana.

Registro

O memorialista Mauro Moura e dona Dadá: lembranças de Maria Casemira e da fábrica de tecidos da Pedreira

A expectativa do cartório é que histórias ainda não reveladas ao público possam ser enfim conhecidas. Assim como outras já contadas e que valem a pena serem revisitadas.

Serão selecionadas para que saiam publicadas em livro, contadas por moradores, protagonistas ou não, ou mesmo por quem não é da cidade mas que tem alguma revelação histórica a fazer, sem xenofobismo, que é atraso e preconceito.

O Ofício de Registro de Imóveis de Itabira, ou simplesmente o cartório de imóveis, foi criado há 150 anos que se completam em novembro deste ano.

Surgiu, portanto, no século 19. Desde então, o cartório guarda em seus registros imobiliários parte dessa história, constituindo fonte de pesquisa principalmente sobre a economia local, a partir das transações imobiliárias ocorridas na Comarca de Itabira.

O seu titular, José Celso Vilela conta que a expectativa é que haja uma troca de informações entre a sociedade itabirana e o Ofício de Registro de Imóveis de Itabira. “A proposta é levar o cartório para a cidade e trazer as histórias da cidade para dentro do cartório, como registro importante de quem é parte desses relatos históricos”, adianta o seu titular.

A ourives Alboni de Magalhães, filha de Antonino Quatorze

“Queremos saber de casos de família, da empresa onde a pessoa trabalha ou mesmo de alguma praça, palco de tantas histórias”, complementa, lembrando que qualquer pessoa pode participar desse resgate histórico.

O importante é que a história contada, além de datada, tenha endereço conhecido na cidade. Pode ser uma praça ou um clube recreativo, um time de futebol. Ou ainda um discurso político que marcou época em um local público.

Como foi o histórico discurso de um candidato a prefeito de Itabira, nos primórdios da década de 1970, que eloquentemente se vangloriou de ter trazido os astronautas a Itabira, quando na verdade eram paraquedistas que saltaram no parque de exposições.

Na época, o parque era instalado precariamente em uma área em frente ao escritório Areão, por onde hoje passa um ramal a estrada de ferro.

Personagens

Não vai ser um livro de História, no sentido acadêmico, mas de histórias vividas e contadas. Para isso personagens históricos, ainda vivos e com boa memória, não faltam para contar um pouco do que sabem – e que vale a pena ser resgatado e registrado em livro.

É o caso do sambista e compositor José Belisário Barbosa, o Tobias, 88 anos, que tem ótimas lembranças dos carnavais do passado, da primeira escola de samba da cidade, a Gente Humilde – e também das memoráveis campanhas políticas do ex-prefeito Daniel Grisolia, o DG, seu eterno “cumpradre”.

Como são também dignas de interesse histórico o que tem para contar a ourives Alboni de Magalhães, 92 anos, filha do lendário Antonino Quatorze de Magalhães (1882/1943), com quem aprendeu a confeccionar joias em ouro e prata, com as quais ajudou a “amarrar” um número sem conta de casais itabiranos.

Colombo e Eny: recordações da medicina e do footing na rua Tiradentes

Mas se os pesquisadores quiserem saber também como era a medicina no século passado a fonte certa é doutor Colombo Portocarrero de Alvarenga, 98 anos. Ele gosta de relembrar fatos pitorescos, como por exemplo, dos animados bailes do Atlético, assim como dos memoráveis carnavais itabiranos no clube que dirigia e que não voltam mais.

Já para falar sobre a primeira mulher empreendedora de Itabira, Maria Casemira Andrade Lage (1828/1929), proprietária e fundadora da Fábrica de Tecidos da Pedreira, vale procurar pelos registros de sua sobrinha neta Águeda Drummond Lima, a dona Dadá, 105 anos.

O marceneiro, luthier e memorialista Zé Cruz: lembranças de uma economia diversificada em Itabira

O marceneiro, luthier e memorialista José Martins Cruz, 92 anos, é outra fonte que tem na boa memória histórias incríveis, como por exemplo, de como as fazendas do município prosperavam fornecendo algodão para as fábricas de tecidos Pedreira e Gabiroba, além de alimentos fartos para o mercado local.

Mas se quiser conhecer também e resgatar um pouco da história da escravidão no município e a heroica cultura subjacente, o lugar certo é o povoado Morro de Santo Antônio.

Nesse povoado, um quilombo ainda não reconhecido como tal, mas com todas as características, viveu até recentemente a matriarca Josefina Lucas Evangelista, falecida aos 106 anos. No Morro de Santo Antônio os pesquisadores encontrarão vários criôs ávidos para contar as histórias de resistência do negro em terras do Mato Dentro, trabalhando nas minas ou nas lavouras.

Seleção

Dona Josefina Evangelista com sobrinhos no ano 2000: a vida passa devagar no povoado Morro de Santo Antônio (Foto: Taquinho)

Como se vê, são muitas histórias. E qualquer pessoa pode participar do projeto memorialístico, comemorativo dos 150 anos de criação do Ofício de Registro de Imóveis de Itabira. O registro já pode ocorrer desde já, postando nas redes sociais (Facebook e Instagram) e marcando com a hashtag #HistóriasDeItabira.

Ou, ainda, enviando as histórias para o e-mail: todahistoriatemendereco@gmail.com. A pesquisa e a coleta dos depoimentos seguem até o final de setembro. Algumas dessas histórias serão reunidas em livro que já tem até título: Toda história tem endereço – escolhidas por uma comissão a ser formada.

Será, sem dúvida, um registro importante para que a geração atual conheça um pouco de seu passado, assim como também para que essas histórias possam ser preservadas para a posteridade.

Para isso, o livro será mantido permanentemente no cartório, como se guardam os registros de títulos de propriedades e das transações imobiliárias realizadas desde 1869 na Comarca de Itabira. “O legado que ficará é o respeito que temos com Itabira”, faz questão de frisar o titular do cartório José Vilela.

 

 

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5 Comentários

  1. uma notícia fabulosa!, Dos caçadores de esmeralda ao caçadores de histórias, louvado seja! Nesse mundo de pós-tudo um novo livro é uma celebração. Os meus estou doando. Hoje fui a Vila da Penha levar 78 livros de minha biblioteca para a Biblioteca Tobias Barreto ou Biblioteca Municipal da Penha, que tem uma história brasileiríssima: Evandro Santos era catador de papel e aprendeu a ler em livros desprezados ao lixo. Daí tomou gosto e foi juntando livros em casa – um mar de livros postos uns sobre os outros formando escadas para que as crianças e jovens chegassem até aquele livro que desejasse. A casa era recheada de livros e livros raros conservados pelo Evandro. Um dia o Oscar Niemeyer dava uma entrevista na TV Cultura e o Evandro ligou contando a sua história e disse que precisava de uma biblioteca. O Arquiteto Comunista encantado com a prestimosa pessoa, prometeu interferir junto ao governo e conseguiu, agora os livros estão em estantes, numa linda casa amarela, de frente pra rua. Hoje estive lá e conheci duas bibliotecárias, dançarinas de dança cigana e o Rai, ator de teatro, e bibliotecários. Hoje eu e minha apagada insignificância pode conttribuir com o Evandro. O Evandro sai de casa cedinho, todo os dias, e distribui livros nos pontos de transporte publico. Viva o LIVRO, essa grande riqueza da humanidade. Viva Evandro Santos de grandeza universal.

  2. A crise econômica de 1929 atrofiou o império de Farqhuar. O presidente Getúlio Vargas não facilitou a ganância da Itabira, e o país fora sacudido pelo escândalo da Itabira Iron Company Co., negócio rejeitado pelo clamor público. “Em 1918 havia esta distribuição, “Lord Farringdon, senhor do principal campo ferrífero de Itabira do Mato Dentro, estimado em 435 milhões de toneladas e que constituiu, depois, patrimônio da Itabira Iron; Brazailian Iron Steel Co.., com depósitos também, em Itabira do Mato Dentro e Mariana” (Osny Pereira). O ano de 1934 representa um marco na história da mineração brasileira, pois foi nele que se criou o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM (Decreto número 23.979, de 08/03/1934), assinou-se (em 10 de julho de 1934) o Código de Minas e promulgou-se a Carta Constitucional de 1934, de curta duração mas de grande repercussão no destino da mineração brasileira.

  3. Mais um livro, Maravilha. E é bom lembrar que o jornal O Cometa de Itabira é uma fonte importante e agora temos a Vila de Utopia que não nos deixa esquecer o passado. O colunista Mário Andrade é um hisoriador de importância nesta obra. Belo notícia, caro Carlos, fiquei animada.

  4. Há sempre de se contar mais da história de Itabira, a começar pelas datas minerais e sesmarias concedidas a partir do século XVIII.
    Itabira Iron Ore foi um verdadeiro e próprio “conto do vigário” da parte dos aldrabões ingleses contra famílias itabiranas, empresa esta constituída ainda por volta de 1870.

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