O Cometa Itabirano, jornal que estabeleceu a liberdade de imprensa em Itabira, faz 40 anos
Carlos Cruz*
Por uma coincidência, e não por planejamento, mas por atraso da gráfica, o jornal O Cometa Itabirano ganhou os lares e bares de Itabira no dia 15 de novembro de 1979, há 40 anos. A ideia inicial era editar o jornal de vez em quando, um jornal bissexto para aparecer como um cometa, iluminando a Cidadezinha Qualquer de vezemquandário. Mas O Cometa acabou ficando.

Hoje, ninguém sabe ao certo quando o jornal acabou, se é que realmente deixou de existir, pois permanece na memória de muitos itabiranos e também pelo Brasil afora e alhures. A primeira edição foi bancada integralmente pelos mecenas Alfredo Vaz Sampaio e Marco Antônio Tourino Furtado.
Começou a circular em Itabira numa quinta-feira chuvosa, como esta sexta-feira com a chuva prazenteira que cai na cidade. A capa da primeira edição estampava a foto de dom Mário Gurgel (1921/2006), que, por erro gráfico, sempre ele, teve o seu nome grafado erroneamente, com o sobrenome de Rangel, sabe-se lá que vírus fantasmagórico fez essa alteração.
Sagrado e profano
Naquele fim de semana fomos, em pequenos grupos, para as portas das igrejas Saúde, Campestre e Vila Piedade vender o jornal na saída das missas. Na catedral não, pois padre Lopão e Francisco Trombert, conservadores, não foram receptivos. Só algum tempo depois Lopão fez a paz com o jornal e foi entrevistado.

Já os padres progressistas recomendaram a compra: “É um jornal que defende os direitos humanos”, pregavam, ainda no púlpito, os vigários recomendando aos fiéis a leitura da longa entrevista com o então bispo itabirano.
Transitando entre o sagrado e o profano, o jornal foi vendido também nos bares e botecos da cidade. Com 5 mil exemplares, uma baita tiragem ainda nos dias atuais, o jornal vendeu igual água benta e cachacinha no fim de semana.
Assim, com a primeira edição circulando, o fim de semana foi de folhear e ler O Cometa, um sucesso editorial incontestável bem bolado pelo seu editor Lúcio Vaz Sampaio, com projeto gráfico do jornalista Edson Ricardo.

Na primeira entrevista, além de defender a igreja que nasce do povo, dom Mário deu boas estocadas na mineradora Vale, já antecipando uma linha editorial que o jornal adotou, seguindo recomendação, ainda maior, do poeta itabirano. Perguntado se existia um poder exterior que dominava a cidade, dom Mário foi peremptório ao responder:
“Uma companhia como a CVRD, instalando-se aqui, pela sua própria natureza torna-se mais importante que a cidade. Não é mais a companhia que vive em função da cidade, mas a cidade que vive em função da companhia. Com isso, os interesses não giram mais em torno da cidade. Contam-se nos dedos as pessoas que de fato se interessam por Itabira (…). É o grande problema da cidade, que é depois consequência de muitos outros problemas.”
Sustentabilidade

Com a venda do jornal na porta das igrejas e pelos bares e ruas da cidade, viabilizou-se a segunda edição. E já nessa edição surgiram os anunciantes, os varejistas, principalmente.
Na terceira edição a Câmara Municipal, na época presidida pelo também jornalista José Brás Torres Lage (já falecido), passou a divulgar os seus atos oficiais ao público leitor do jornal.
Por iniciativa do então prefeito Jairo Magalhães Alves, a partir da edição de número 5 o jornal passou a publicar crônicas do médico psiquiatra Clóvis Alvim, patrocinadas pela Prefeitura. E também sobre outros personagens históricos da cidade.

Mas foi só a partir da edição de número 15, de abril de 1981, que a mineradora Vale descobriu a importância de se anunciar no jornal.
Foi quando negociou com o publicitário José Norberto de Jesus, o Bitinho, a compra mensal de meia página. O primeiro anúncio foi de leilão de diversos equipamentos pesados pelo leiloeiro Elias Auais, Na edição seguinte, em maio, a mineradora parabenizou os trabalhadores pelo seu dia.
O jornal já havia se consolidado com a liberdade de imprensa conquistada mesmo ainda com o país vivendo a agonia da ditadura militar (1964/85). Isso foi possível com a venda de assinaturas e de exemplares avulsos em bancas e bares da cidade.

E, também, com os anúncios varejistas diversificados, além dos institucionais e da grande empresa. A Vale descobriu que mesmo sendo criticada pelo jornal, era melhor aproveitar o espaço para apresentar os seus “feitos realizados em prol da cidade”.
Ações ambientais
Com a cara, muita coragem e disposição de contrapor à realidade fantasiosa até então existente na cidade, quando se dizia fartamente que o que era bom para a Vale era também bom para Itabira, o jornal passou a mostrar o outro lado escondido dessa realidade na carcomida serra do Esmeril.
Com base nessas reportagens, em 30 de setembro de 1985, o então promotor de Justiça José Adilson Marques Bevilácqua (já falecido) instaurou, pioneiramente no país, três inquéritos ambientais contra a mineradora, com base na Lei Federal 7.347/85, que havia acabado de ser promulgada pelo recém-empossado presidente José Sarney (1985/90).

Na primeira ação a promotoria exigiu medidas imediatas para diminuir a poeira na cidade. E a empresa foi obrigada a divulgar os índices da poeira que monitorava, mas escondia da população.
Foi quando a cidade ficou sabendo, pelas páginas de O Cometa, que só no mês de agosto daquele ano a máxima admitida de 240 microgramas de partículas em suspensão por metro cúbico fora ultrapassada 22 vezes, quando não poderia se repetir mais de uma vez ao ano.
O segundo inquérito teve por objetivo responsabilizar a mineradora pela degradação paisagística da serra do Esmeril (atual encosta com os taludes nas Minas do Meio), além de obrigar a empresa dotar medidas imediatas para sua reabilitação, o que ainda está devendo à cidade.
E um terceiro inquérito resultou em acordo sem propositura de ação subsequente, com a Florestas Rio Doce compensando em dobro, com plantio de espécies nativas, a área que estava coberta com espécies remanescentes da Mata Atlântica e que desmatou para plantar pinus e eucalipto.

As duas primeiras ações foram arquivadas por meio de um acordo firmado entre a mineradora, o Ministério Público e a Prefeitura. Mas foram recentemente desarquivadas pela procuradoria jurídica do município por descumprimento do que foi acordado. É que a empresa deixou de executar as medidas mitigadoras prometidas para diminuir a poeira e reabilitar a serra do Esmeril. Leia aqui.
Agenda-setting
É inegável a influência que o jornal teve na articulação da agenda pública e política de Itabira. A partir de reportagens, charges e provocações diversas, as suas pautas passaram a ser também parte da agenda da sociedade itabirana, como foi, por exemplo, a criação do Conselho Municipal de Meio Ambiente, em 1985, pouco depois da abertura das ações contra a Vale.
O jornal O Cometa, sem dúvida, fez um bem enorme para Itabira ao reportar uma realidade que antes estava camuflada, com pautas nunca antes reportadas na cidade – e que passaram a fazer parte do senso comum.
Hoje, a sociedade itabirana já sabe o quanto dói a degradação do meio ambiente, o mal que faz a poluição do ar e a falta de opções culturais e recreativas na cidade, embora muito pouco se faça para reverter esse quadro. Cruza-se o braço e deixa a vida passar. A vida continua passando devagar em Itabira do Mato Dentro.
Parabéns!!!!
Faz falta a boa leitura cometariana.
Grande amigo Alfredo Vaz Sampaio. Após 43 anos, encontrei aqui informações sobre você. E que informações! Fico feliz pela história da qual foi também protagonista e que muito contribuiu com Itabira. PARABÉNS!!!
Após sair daqui de Salvador, só soube que abriu um jornal. Mande notícias!