Justiça Federal decide que portaria da ANM, que diz ser o rejeito e o estéril produtos da lavra, não se aplica à Itabiruçu. Vale contesta
A decisão da juíza substituta da 22ª Vara Federal, de Brasília, Fernanda Martinez Silva Shorr, pode virar uma pedra no caminho da mineradora Vale em sua pretensão de obter ganho de causa no litígio judicial que há anos mantém com a empresa Itabiriçu Mineração, detentora de alvará de pesquisa de recursos minerais em área da barragem Itabiruçu para futura exploração.
É que, em decisão de 13 de agosto, a magistrada entendeu que a Resolução Normativa nº 4 da Agência Nacional de Mineração (ANM), ainda a ser publicada, cuja minuta considera os rejeitos e o material estéril como sendo produtos da lavra, somente vai valer depois de editada – e não se aplica aos casos em que há demandas anteriores.
“Entendo que o assunto tratado nesta ação mandamental, embora se trate de tema relacionado ao demandado nos autos do processo nº. 1011870-76.2018.4.01.3800, em nada interferirá no resultado do julgamento da pretensão formulada naqueles autos.”
“Por conseguinte, não haverá risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias”, esclareceu a juíza em sua decisão em face do mandado de segurança impetrado pela Itabiriçu Mineração contra a resolução a ser publicada pela ANM.
Segundo a juíza, a decisão foi por entender que “o processo de construção normativa para o ‘aproveitamento de estéril e rejeitos’ deverá regular relações futuras, não alcançando situações já estabelecidas, como é o caso do processo nº. 1011870-76.2018.4.01.3800, em trâmite nesta 22ª Vara Federal”.
Validade
Mesmo com a decisão, a Vale espera que a publicação da resolução da ANM ponha fim a essa demanda com a Itabiriçu Mineração.
Isso por entender que os rejeitos depositados em barragens e o material estéril nas pilhas são mesmo produtos da lavra, conforme “previsões constitucionais e da legislação minerária, inclusive já consolidado anteriormente pela Procuradoria Jurídica da ANM”.
A expectativa era que a resolução fosse publicada em abril deste ano. O prazo foi dilatado e não há previsão de quando será editada para passar a valer.
Mas a pedra no caminho está justamente pelo fato de a decisão da juíza Shorr considerar que, mesmo depois de publicada, a nova resolução da ANM não interfere no “direito adquirido” da Itabiriçu Mineração.
Portanto, o imbróglio prossegue, já que a detentora do alvará insiste no direito de realizar pesquisas geológicas para posterior exploração de parte dos rejeitos contidos na barragem Itabiruçu – e também em uma pilha de itabirito duro, antes considerado estéril, na mina Conceição.
Vale contesta direito de terceiros de pesquisar minério em sua barragem
Procurada pela reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa a Vale disse considerar que, mesmo não tendo sido ainda publicada a resolução, a minuta até então disponibilizada publicamente, no processo de Consulta Pública, reforça o entendimento já anteriormente consolidado pela ANM no sentido de que os rejeitos e o material estéril constituem produto da lavra e pertencem ao minerador que lhes deu origem em seu processo produtivo.
Sendo assim, para a mineradora não há na portaria qualquer inovação, “tendo em vista que o entendimento decorre das previsões constitucionais e da legislação minerária, inclusive já consolidado anteriormente pela Procuradoria Jurídica da ANM (Parecer PROGE n°. 246/2017 e Nota PROGE n°. 243/2018).”
E prossegue: “Não há, seja na ação judicial mencionada ou em outras demandas judiciais em que a Vale é ou não parte, nenhuma decisão de mérito que defina sobre eventual aplicação da nova Resolução da ANM ou não.”
Para a empresa, “diferentemente, há apenas decisão em processo de terceiro que ventila a aplicação da dita resolução, mas não contempla qualquer decisão sobre o tema, tão somente sobre competência de foro judicial.”
E finaliza: “A Vale não reconhece quaisquer interesses especulatórios de terceiros sobre materiais de sua propriedade e a ANM já reforçou, inclusive judicialmente, que o direito ao reaproveitamento dos rejeitos e dos materiais estéril pertence à Companhia.”
Vitória parcial
Já para o geólogo Everaldo Gonçalves, um dos proprietários da Itabiriçu Mineração, a decisão da juíza foi mais uma importante vitória em sua demanda com a Vale.
Segundo ele, resta agora obter outra vitória na ação anulatória movida pela mineradora para cancelar o direito de pesquisa concedido pelo antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) à sua empresa.
Para o geólogo, trata-se de direito adquirido que não se abala mesmo após a publicação da Resolução Normativa nº 4 pela ANM. Conforme ele defende, pelo artigo 176 da Constituição Federal apenas o produto da lavra, extraído e processado, pertence ao minerador.
“Estéril e rejeitos, pela própria etimologia da palavra, são descartes e voltam para a União, incorporando-se novamente ao subsolo”, é o que ele advoga.
“Para ser explorado, precisa de novo título mineral”, diz o geólogo, para quem a Vale não detém esse direito no caso da área requerida para pesquisa na barragem Itabiruçu.
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Saiba mais
A área de pesquisa geológica requerida pela Itabiriçu Mineração na barragem quase homônima abrange uma área de 480 hectares. Localiza-se na porção norte, na sua cabeceira.
Inclui também pilhas de estéril, inclusive parte das reservas de itabirito duro que a Vale atualmente explora, segundo o geólogo Everaldo Gonçalves.
Ainda de acordo com ele, Itabiruçu está dividida em três títulos minerais. O primeiro, ao norte próximo da cabeceira, a Vale detinha o direito de pesquisa. Mas como deixou de requerer o respectivo alvará, teria perdido esse direito para a Itabiriçu Mineração.
O segundo e o terceiro títulos pertencem à Vale. “Um deles a mineradora chegou a perder para uma outra empresa. Mas depois conseguiu recuperar por decurso de prazo.”
“A Vale deu uma cochilada quando foi aberto o edital de concorrência, em 2013, para que os alvarás de pesquisas fossem requeridos. Entramos sozinhos na licitação e ganhamos esse direito”, conta Everaldo Gonçalves.