Itabira participa, neste sábado, do simulado de rompimento de barragem sem conhecer o conteúdo dos PAEBMs
Carlos Cruz
Com previsão de participação de mais 10 mil moradores (esse número, com certeza será menor), o itabirano irá viver, neste sábado (17), a partir de 15h, momentos de tensão e apreensão com a realização do que está sendo chamado de o maior simulado de evacuação da população para o caso de rompimento de barragem de rejeitos já ocorrido no país. Como também será a maior tragédia se uma dessas estruturas existentes na cidade um dia se romper.
Em Itabira, segundo a Vale. são 15 estruturas, todas localizadas a menos de 10 quilômetros do centro da cidade – sendo que Pontal e Itabiruçu são as duas maiores barragens do país nessa modalidade. E, provavelmente, são também as maiores do mundo. Se houver colapso de Itabiruçu, leva junto a barragem do rio de Peixe, estendendo a mancha da morte para além de Nova Era.
O treino é preventivo, diz a Vale, com o respaldo da Defesa Civil do Estado de Minas Gerais (Cedec) e da Prefeitura de Itabira, que, por meio do prefeito Ronaldo Magalhães (PTB), e da secretária municipal de Meio Ambiente, Priscila Braga Martins da Costa, diz confiar na palavra da Vale.
A administração pública municipal vem chancelando, com reiteradas declarações, que a população não tem que temer uma eventual ruptura, que as barragens são seguras.
Daí que o simulado é só um treinamento para algo improvável, como a queda de avião – que, mesmo sendo um meio de transporte seguro, não raro despenca do ar matando todos que estão a bordo.
Como na analogia com o avião, as autoridades consideram mínimas também a possibilidade de uma dessas estruturas de retenção de rejeitos vir a se romper. Que assim seja, mas não dá para escamotear com a realidade. Os riscos podem não ser iminentes, mas estão presentes em quase todas as estruturas de Itabira. Leia aqui.
Desconhecimento
O itabirano irá sair de casa desembestado ao ouvir as estridentes sirenes, como se o rompimento de uma barragem acabara de ocorrer. Para essa tarefa do salve-se quem puder todos devem participar, diz a Defesa Civil, não importa a idade, se tem disposição para tanto, ou se está acamado ou em cadeira de rodas.
E tem que levar cachorros, gatos, os animais de estimação, além é claro, das crianças, dos anciãos e enfermos que não podem ficar para trás. Isso para que tudo pareça real.
Será como uma filmagem próxima do apocalipse, com milhares de figurantes que são personagens reais, com televisão, fotógrafos, repórteres, blogueiros, e quem mais aqui estiverem para assistir cenas nunca dantes vistas em terra itabirana.
Priscila Braga, secretária de Meio Ambiente, disse que daqui para frente vai ser corriqueiro fazer treinamentos simulados de rompimento de barragens, inclusive nas escolas.
“Itabira está sendo vanguardista. Vamos fazer bem feito (o simulado) para servir de modelo para outras cidades”, propagandeou a secretária, em entrevista coletiva na quarta-feira (14), no Centro de Educação Ambiental (CEA), do Parque Natural Municipal do Intelecto. “É uma cultura de prevenção que iremos criar”, alega.
Divulgação ampla e irrestrita dos planos de emergência ainda não saiu do papel
Só que o itabirano irá participar de todo esse teatro ao ar livre, “um treinamento para o salve-se quem puder”, sem ao menos conhecer os riscos que realmente corre, no caso de qualquer uma das estruturas existentes na cidade entrar em colapso.
A grandíssima maioria desconhece o que contém os Planos de Ação de Emergência de Barragens (PAEBMs), requisito legal escrito – e revisado pela empresa e autoridades para cada uma das barragens, mas sem a participação dos moradores, principais interessados em salvar as suas vidas.
A divulgação ampla, geral e irrestrita do conteúdo desses planos até hoje não aconteceu. Quem quiser conhecer o que contém esses documentos terá de se dirigir à Defesa Civil do Município, instalada no Parque do Intelecto, e folhear os calhamaços impressos, que não podem ser retirados do local.
E poucos, convenhamos, se dispõem a fazer isso, pela dificuldade de locomoção – e até mesmo por desconhecimento de onde se encontram esses documentos, pois nem mesmo essa forma precária de acesso à informação foi amplamente divulgada.
A divulgação dos PAEBMs pela internet é uma das reivindicações do Comitê dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região, que reiteradas vezes, em reuniões do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Codema), fez essa solicitação. Em vão. Leia aqui.
Em entrevista a este site, em 15 de maio, o tenente-coronel Flávio Godinho, coordenador-adjunto do Cedec, disse que a divulgação dos PAEBMs pela internet nunca foi feita – mas nada impede que se faça primeiramente em Itabira. Se isso ocorresse, seria outra forma de a cidade ser “vanguarda” nesse aspecto, mas continua sendo vanguarda só do atraso.
“A legislação exige que cópias impressas fiquem disponíveis para consulta na Defesa Civil e na Prefeitura. Mas podemos pensar nessa possibilidade. Não é porta fechada, o documento é público”, admitiu o comandante-adjunto do Cedec.
Da mesma forma, em entrevista à Vila de Utopia, a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, curadora de Meio Ambiente da Comarca de Itabira, afirmou que a população tem o direito de conhecer todos os aspectos que envolvem a segurança das barragens no município – e, consequentemente, de suas vidas.
Embora a secretária de Meio Ambiente tenha dito, em resposta aos ativistas do Comitê dos Atingidos pela Mineração, que existe legislação que restringe a divulgação dos PAEBMs e que a consulta só pode ocorrer por meio impresso, na Defesa Civil do município, a promotora disse desconhecer qualquer proibição legal.
Essa proibição, se de fato existisse, não faria sentido com a comunicação em tempo real e globalizada, diante da realidade líquida e efêmera, quando tudo que parecia ser sólido se desmanchou com as barragens que tragicamente se romperam em Minas Gerais. .
Para a promotora, a divulgação ampla e irrestrita dos PAEBMs pela internet atende um direito democrático, de livre acesso à informação. E é imprescindível para que a população se cientifique dos riscos que corre, ainda que sejam remotos, como afirmam a Vale e a Prefeitura, pelos seus representantes.
Mas pelo visto, os PAEBMs não sairão dos impressos disponíveis para consulta presencial na Defesa Civil do Município e na Secretaria de Desenvolvimento Urbano, na Prefeitura.
Que esses planos fiquem somente nas conjecturas da tragédia descomunal que pode ocorrer com um eventual rompimento de uma das 15 barragens der rejeitos de minério de ferro existentes na cidade, as maiores do mundo. E que resultaria em milhares de mortos, provocando um desastre ambiental de dimensão descomunal e desconhecida pela humanidade. Sendo assim, que esses PAEBMs não saiam mesmo do papel.
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