Vozes da vida

Foto: Philippe Lopez/AFP

Por Henrique Pongetti (1898-1979)

Pequenas histórias mostram o que se pensa da pílula, do nu, dos cigarros, da maconha, da loteria, da máxi, do vestibular, do regime, do voto e do 13º

O clássico contemporâneo

– Meu amorzinho, porque essa raiva toda de mim? Eu não pergunto sempre a você, antes, se tomou a pílula?

– Pergunta, é verdade, mas lhe custava muito fiscalizar se eu tomo?…

Sofisma

– O médico me pediu para diminuir o número de cigarros.

– Você diminuiu?

– Estou fumando uns cigarros mais curtos…

Alcoolismo elegante

– Vou montar uma clínica para desintoxicação alcoólica de pessoas da sociedade.

– Processos modernos?

– Moderníssimos: o barman veio do Savoy, de Londres.

Cem de cintura

– Já fiz todos os regimes conhecidos para emagrecer e não tive bons resultados. Você conhece algum infalível?

– Conheço. Mande alargar as roupas…

Pra que tanta briga?

– Surpreendi o meu filho maior fumando maconha. Disse-lhe o diabo!

– E ele?

– Respondeu que maconha é cânhamo, que cânhamo serve para fazer pano, que sendo eu da indústria têxtil, não devia exagerar tanto o caso…

O signo da fortuna

– Andei tomando informações do seu pretendente: é um pobretão.

– Eu sei, papai, mas Pedro Antonio é um predestinado.

– Predestinado?

– É, sim: há oito semanas faz doze pontos na loteria esportiva.

Argumento

– O senhor nega que foi apanhado despido dentro de um cinema?

– Não nego, sr. comissário, mas na tela havia cenas de nudismo, a plateia parecia gostar muito, e eu resolvi reforçar o filme.

O Natal de cada um

– Com o decimo-terceiro salário eu faço meu Natal, compro presentes para todos os meus parentes e amigos.

– Meu Natal é diferente: com o decimo-terceiro salário eu arrumo as malas e fujo dos credores que querem me cobrar as dívidas do ano.

Indiretamente

– É verdade que as mulheres estão arruinando o Fragoso?

– Num certo sentido, sim.

– Como, num certo sentido?!

– Sua fábrica de soutiens está à beira da falência.

Pesquisa de opinião

– Você é a favor da máxi?

– Sou a favor da máxi, da mídi e da míni.

– Mas isso é uma incoerência.

– Coxa bonita, joelho bonito, e perna bonita, míni. Coxa feia, joelho feio e perna bonita, mídi. Coxa horrível, joelho horrível e perna horrível, máxi. E quando tudo, tudo é bonito, biquini.

– A moda é taxativa, não permite opções.

– Meus olhos são subversivos, só aceitam a moda em função da beleza. Ontem vi uma jovem linda com as pernas descarnadas pela poliomielite: sua minissaia ia um pouco abaixo do púbis, punha numa vitrina sua deformação. Para ela Deus inventaria a máxi, concorda?

Previdência

– Pela quarta vez meu filho vai ao pau no vestibular.

– Quarta vez?! Ao menos ele está pagando o INPS para aposenta-se na trigésima paulada?

Nas urnas

– Desta vez votei em branco.

– Falta de civismo!

– Espere, eu sou negro, voto em negro, desta vez só havia branco.

– Racista!

[Revista Manchete (RJ), 12/12/1970. BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]

 

 

 

 

 

 

 

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