Viva o servidor público. Viva o poeta federal
Hoje é dia do servidor público, daí que o trecho escolhido de Maria Julieta entrevista Carlos Drummond de Andrade, gravada no verão carioca de 22 de janeiro de 1984, aborda esse grande corpo de trabalhadores que faz a máquina do Estado funcionar. A gravação está disponível no sítio do Instituto Moreira Sales/Rio.
São eles o elo entre o Povo e o Estado, trabalhadores indispensáveis. Se a reforma administrativa, pretendida pela tropa do miliciano no poder for aprovada e romper com a estabilidade (artigo 41 da CF/1988), iremos abrir o guarda-roupa para pendurar os cabides de emprego e a perseguição política.
Viva as funcionárias e os servidores públicos! Viva o poeta federal! (MCS).
Eu tinha o sentido de Serviço Público
Eu fui um funcionário bom até certo ponto, porque eu também tinha os meus caprichos, minhas idiossincrasias, os meus repentes, nem sempre eu fui um funcionário agradável. Eu tinha o sentido de Serviço Público, a minha vida foi toda ela passada no Serviço Público.
Eu tive no serviço uma noção ainda um pouco errônea, que era a noção mineira, em que os costumes eram ainda mais acomodados, a vida era mais aconchegada. Então havia um certo respeito hierárquico, havia uma certa tradição de disciplina.
Eu vim para o Rio e encontrei um ambiente completamente diferente. Uma coisa que me chocou, é uma bobagem, mas me chocou: o Capanema foi trabalhar no Ministério da Educação num prédio improvisado, atual Câmara de Vereadores, e o gabinete dele estava muito mal instalado, por detrás do gabinete ficavam os sanitários.
Então os funcionários que trabalhavam no ministério, para irem ao toilette tinham que passar pela sala dele. E o ministro estava ali despachando ou em situações graves, de repente entra uma moça, fazia sinal com a cabeça, uma curvatura bem educada, de cortesia e entrava, fechava a porta e depois ouvia a descarga… saía lépida e lampeira.
Isso me chocou mais do que ao próprio ministro. Ele não ficou tão chocado como eu fiquei. Jamais em Minas Gerais permitiria uma coisa dessa. Então o meu rigor trazido das montanhas foi se adoçando com o tempo, levou bastante tempo para se adoçar.
Quando eu fui do gabinete de Capanema trabalhar com o Rodrigo (Rodrigo Melo Franco de Andrade), no Patrimônio Histórico, já era um funcionário condicionado, eu exigia menos dos outros.
Eu acredito que esta mudança de ótica com relação ao serviço burocrático foi se repetindo não só em benefício do outro como também em benefício de mim. Eu passei a exigir menos de mim.
Noite na repartição
Carlos Drummond de Andrade
O oficial administrativo:
Papel,
respiro-te na noite de meu quarto,
no sabão passas ao meu corpo, na água te bebo.
Até quando, sim, até quando
te provarei por única ambrosia?
Eu te amo e tu me destróis,
abraço-te e me rasgas,
beijo-te, amo-te, detesto-te, preciso de ti, papel, papel,
[papel!
Ingrato, lês em mim sem me decifrares.
O corpo do meu filho estava amortalhado em
papel,
em papel dormiam as roupas e brinquedos, em papel os
[doces
do casamento. Em grandes pastas os rios, os caminhos
se deixam viajar, e a diligencia roda
num chão fofo, azul e branco, de papel escrito.
Basta!
Quero carne, frutas, vida acesa,
quero rolar em fêmeas, ir ao mercado, ao Araguaia, ao
[amor.
Quero pegar em mão de gente, ver corpo de gente,
falar língua de gente, obliviar os códigos,
quero matar o DASP, quero incinerar os arquivos de
[amianto.
Sou um homem, ou pelo menos quero ser um deles!
[Reunião. 10 livros de poesia. Livraria José Olympio, 1969]
Viva os servidores públicos! Foi em 1938 que se criou o DASP -Departamento Administrativo do Serviço Público e daí pra frente entre avanços e retrocessos o serviço público formou excelência como a Receita Federal – o Leão da Receita -, o BNDS (que o governo Miliciano está destruindo), o Banco do Brasil. O Estado ainda nos deve excelência em educação . Viva o Serviço Publico, especialmente as trabalhadoras (res) de Itabira, a cidade onde nasceu o poeta Drummond e a Vila de Utopia.