Violação de Corpos. Os respeitáveis Senhores da Crueldade em Itabira do Matto Dentro 3
Arte de Os Gêmeos, Gustavo e Otávio Pandolfo. Exposição no CCBB, Rio. MCS, outubro de 2022
Fotos e Pesquisa: Cristina Silveira
Da série Laços de sangue e de crime
1874 Escravos do vizinho e o roubo de café
Itabira. Aviso contra o furto e fraude. Aproximando-se a colheita do meu café, e não me sendo ainda possível fechar o meu terreiro, afim de evitar os furtos dos escravos do meu bom vizinho, o sr. Tenente José Martins de Moraes, peço aos srs. que o ano pp. compraram café em mãos dos mesmos, que o não façam este ano; porque estou resolvido a me prevalecer do art. 112 das posturas da Câmara Municipal da cidade da Itabira, que diz:
“É proibido comprar a escravos coisas que não costumam ter para vender, não se poderá comprar sem que sejam autorizados por bilhetes de seus senhores, multa de 10$ a 30$ réis e o duplo na reincidência; excetuam-se os escravos, que venderem quitandas ou hortaliças.
É claro e nem depende de provas que os escravos do dito sr. Tenente não podem ter café para vender e nem tem costume de o vender; porque nem eles, nem seu senhor o plantam, e como só o ano pp. o venderam e por preço muito inferior ao do mercado, como posso provar com cartas dos compradores, que tenho em meu poder, por certo se evidencia que o que venderam era furtado.
Assim é também fora de dúvida que os compradores estão sujeitos às pena do art. referido, ainda que fosse com anuência ou consentimento do senhor, segundo me escreveram, porque essa licença é para aquelas coisas, que eles costumam ter para vender, e não para os que não têm costume de vender e nem possuem, como muito bem se compreende do art. citado.
Não me prevaleço da lei contra os referidos escravos, nem contra seu senhor, porque já fiz processar a este e seu filhos por crime de dano a mim causado, e depois de conseguir a pronuncia e sustentação da mesma pelos meritíssimos drs., Juiz Municipal e juiz de Direito, lhes perdoei sem condição alguma, por não intencionar molestá-los mas provar que a maldade não está de minha parte, e esperava que com este meu procedimento meus direitos ficassem incólumes e sem outro qualquer prejuízo meu.
Sei também que se tem vendido poldros desmamados por elevados preços, dizendo-se ser crias minhas, ou filhos do pastor, que tenho, como aconteceu ao sr. Capitão Gaspar José de Moraes, que, para servir a um seu amigo da Mata, comprou um por 100$ réis, julgando-o nestas condições, e foi completamente iludido, pois esse animal nunca foi cria minha e nem tão pouco filho do meu pastor;
E prejudicando isto não só ao comprador, como a mim, por ver ele frustradas suas esperanças e perdido seu dinheiro, e eu desacreditada minha criação, que tanto me custou a conseguir, para o que gastei muito tempo e dinheiro e lutei com muitas dificuldades, pois é conhecido o grau de degeneração, que tem tocado a roça cavalar em nossa província pela preferência dada à criação de burros.
Foi-me preciso para conseguir, senão a raça pura ou de sangue nobre, como dizem os árabes, a melhor que possuímos, ter mandado vir da corte um garanhão de raça Andaluz, e comprado entre os poucos, que ainda se encontrava na província, os melhores, e isto por preços elevados.
Entendo ser do meu dever prevenir aos srs. amadores e criadores que quiserem ter poldros próprios para ela, ou para pastor que tenham a bondade de se dirigir à minha fazenda denominada – Florença –, sita na margem esquerda do rio Tanque, na divisa dos municípios de Itabira e Conceição, e pertencente a este na freguesia do Itambé, que serão bem servidos, podendo mesmo fazer seus pedidos por cartas, com direção ao Itambé ou Itabira;
E finalmente, quando comprarem em segunda mão, atentar que todos os poldros, minhas crias, são marcadas com a letra – L – no quarto direito e – S – no queixo esquerdo, e que costumam dar ao comprador que exige, um certificado do dia do nascimento e do nome e cor da mãe. Florença, 5 de fevereiro de 1874. Luiz Augusto de Figueiredo e Souza.
[Diário de Minas, 17/2/1874. BN-Rio]
1886 Abolicionismo na Cidadezinha
Itabira, 13 de julho de 1886. Há muito não lhe dou notícias desta localidade. Vou recomeçar a tarefa.
Os jornais anunciaram o número de escravos libertos neste município em consequência da lei de 28 de setembro do ano passado. O que, porém, não disseram foi que a maior parte dos fazendeiros, ao receberem as intimações do juízo de Órfãos, renunciaram os serviços dos seus escravos sexagenários.
Este fato revela eloquentemente que a ideia abolicionista tem caminhado e não tardará o dia, eu o espero, em que desaparecerá esta única nodoa da nossa bandeira auriverde.
Ao saber-se aqui do projeto elaborado pelo sr. conselheiro Dantas, eu vi a impressão agradável produzida nos mais distintos liberais.
O Partido Liberal só pode hoje viver acolhendo-se à sombra da grande ideia, pela qual combatem todos os homens de coração.
Só a aceitação franca e sincera deste programa poderá atenuar o descrédito em que caiu no governo, em que parecia fazer consistir o seu maior empenho na reforma da bandeira, desfraldada aos quatro ventos quando em oposição.
A lavoura de Minas é caluniada quando se diz que toda ela é escravocrata. Há não pequeno número de fazendeiros sinceramente abolicionistas, convencidos de que só o trabalho livre pode melhorar as suas fazendas, pondo-as no caminho da prosperidade.
O nome do conselheiro Dantas e os seus dignos colaboradores na grande obra da redenção dos cativos, que tem afrontado todos os perigos com a calma da convicção de um grande dever, há de ocupar lugar glorioso nas páginas da nossa história.
A queda do partido liberal foi recebida com frieza, senão com indiferença, pelos próprios correligionários.
Foi o sr. Dantas que deu uma nova alma ao partido.
Dizia se, que havia no país um grande mágico, uma espécie de dr. Balthazar Cherbonneau, que no mundo político realizava a imaginosa fantasia de Theophilo Gauthier – que com um prazer só próprio dos deuses fazia passar a alma e as ideias de um partido para o corpo de outro.
A magia parece, porém, que já não faz milagres nos tempos que correm; Allah já não faz tantas conversões, pois o nobre barão de Cotegipe é um escravocrata da gema, para me servir da frase do sr. Martinho Campos, um verdadeiro contraste com as ideias emancipadoras do imperador.
Sob o seu governo – os escravos adquiriram mais uma coroa do martírio, os abolicionistas da imprensa mais uma coroa de glória pela nobre sobranceria com que receberam a difamação dos anônimos da imprensa.
A covardia da agressão, a baixeza da injúria, a facilidade com que surgem os instrumentos quando pensam ser agradáveis ao poder – são tristes sintomas da decadência moral de nosso país.
A difamação da corte, como um imenso pólipo, deitou raízes por toda parte, verdadeira epidemia da época, cujo remédio único é o desprezo do público, chegou até cá e escolheu o campo de onde dirige suas operações.
A rainha Christina disse um dia a um dos seus cortezões – “Fiz te conde; não pude fazer fidalgo”.
Esta frase é uma síntese, pois que há indivíduos a quem o favoritismo colocou em uma certa posição, e que, ansiosos do acesso na carreira, como a odalisca, do lenço do sultão, não duvidam, para ser agradáveis ao poder, empregar a difamação, com a hipocrisia do Sinon, descrita pelo poeta mantuano, contra aquelas mesmas que foram outrora seus correligionários e que tem agora o crime de não ser escravocratas nem trânsfugas.
Os abolicionistas, porém, não se deixam desalentar, pois nunca os golpes da inveja mataram o que deve viver, nem os aplausos dos homens da estatura moral daquele Polônio do Hamlet serviram nunca a uma ideia generosa, enquanto esta não foi vencedora.
Os que querem a extinção da escravidão estão dispostos a promove-la no terreno da lei, para salvar os que, em virtude dela, são livres, e no terreno da propaganda pela imprensa, discutindo os fatos e fiscalizando a conduta dos dominadores do dia.
O sr. Joaquim Nabuco deve estar contente, apesar da tormenta da hora presente. Foi S. Ex. o primeiro que, depois de 1871, levou ao parlamento a ideia abolicionista; defendeu a com o talento de um tribuno e a coragem de um guerreiro.
As nuvens caliginosas que se formam atualmente no céu da pátria hão de desfazer-se; há de chegar a manhã em que na pátria livre sejamos todos cidadãos, e os primeiros hinos da vitória lhe caberão por um legitimo droit de conquête.
Cada palmo de terreno ganho nós assinalamos como um troféu. Não se é bastante entusiasta senão quando tem-se por si o direito. Este está de nosso lado. Assim compreendem os abolicionistas de Itabira.
No glorioso aniversário do gabinete Dantas colocaram-se aqui as placas na rua deste nome, mudada a requerimento dos respectivos moradores, o que foi comunicado a S. Ex. Foi uma bonita festa.
Grandes festejos se preparam, segundo fui informado, para receber o sr. Silveira Drummond, digno deputado deste distrito, que na assembleia provincial se tem revelado na altura do seu reconhecido talento. Até breve. (Do correspondente)
[O Paiz (RJ), 22/7/1886. BN-Rio]
1893 Escrava da fazenda Chavasco
Desastre e morte – O Minas Gerais, de Ouro Preto, refere que na fazenda denominada – Chavasco, distrito de Antonio Dias Abaixo – município de Itabira de Matto Dentro, estado de Minas Gerais, deu-se há dias uma lamentável desgraça.
Dona Felisberta Jacques de Moraes, esposa do sr. tenente farmacêutico José Luciano Coelho de Moraes, que há pouco achava-se de passeio naquela localidade, dirigia-se para uma caçada, em companhia de diversas pessoas de sua família, levando a tiracolo uma pequena espingarda, quando casualmente disparou esta, indo o projetil alcançar a uma pobre preta imbecil, com quem aquela senhora brincava e sucumbiu instantaneamente em vista do grave ferimento que recebeu na cabeça.
A autoridade policial compareceu prontamente ao local do desastre, tomando as providencias que o caso requeria. Da formação da culpa resultou a conclusão de ter sido inteiramente casual o fato.
[Correio da Tarde (RJ), 28/11/1893. BN-Rio]
1893 A distinta senhora da fina flor da sociedade
Aconteceu há dias, que se achando em Antônio Dias Abaixo, uma distinta senhora da fina flor da nossa sociedade, tendo à mão uma espingarda, quando entrava na casa em que se achava hospedada, deu uma queda, segundo nos informam, disparando por essa ocasião a arma que feriu de morte a uma rapariga, que estava adiante.
Informam-nos também que horas depois, quando não havia mais o caso de flagrante delito, o subdelegado do lugar, empertigado em sua alta importância de mastoide, tentou efetuar a prisão da delicada senhora, o que não conseguiu, devido aos conselhos do delegado de Polícia e de algumas pessoas mais, presentes nessa ocasião.
Ao nosso conterrâneo, a quem tão fatal caso oprime e à sua exma. Sra. apresentamos os nossos protestos de interesse em sua aflição.
[A Itabira, 28/11/1893. BN-Rio]
1894 Absolvida a mulher branca e rica
Revista do Interior. Itabira – No dia 23 do mês de janeiro último reuniu-se o tribunal do júri da comarca, sendo submetida a julgamento d. Felisberta Jacques de Moraes, acusada de homicídio involuntário. Foi absolvida. [Minas Gerais Oficial (MG), 2/2/1894. BN-Rio]
Em aguardo estou, dos sábios comentários da Maura e do Mauro.
Mauro, o Cubango era terras do Mundovira herdada por uma Cristiana. Havia a casa velha em frente a casa nova construída pelo Aminthas, na lateral da casa está gravado o A. O Cubango será todo destruído pela mineradora Vale. Ali nasceu e vive 4 gerações. Mas a mineradora assassina, nos rouba tudo, tudíssimo tudo…
Interessante notar, Cristina, que o casal Dona Felisberta Jacques de Moraes e o sr. tenente farmacêutico José Luciano Coelho de Moraes eram os pais do Amynthas e do Luciano, os fundadores da ACESITA.
O Amynthas foi o proprietário anterior da sua Cubango, salvo engano.
Com relação à morte acidental por arma de fogo, coitada das duas moças, uma perdeu a vida e a outra curtiu o trauma enquanto viveu, creio eu.