Vereadores aprovam, em segunda votação, lei que permite a compra direta de áreas públicas invadidas em Itabira, um prêmio à ilegalidade

Foto: Raíssa Meireles/
Ascom/CMI

Carlos Cruz

Anos atrás, o legislativo itabirano era pródigo em aprovar irregularidades urbanas, tornando-as legais. Era o caso da conhecida “Lei Guerrinha”, que ganhou esse nome pela sua autoria, um ex-vereador que todos os anos apresentava projeto de lei para regularizar construções irregulares na cidade, os famosos “puxadinhos”.

Após a Câmara Municipal aprovar essa bizarrice urbana, as construções que não observavam os códigos municipais de obras e de urbanismo eram legalizadas. Isso depois de os prefeitos sucessivamente, coniventes e permissivos, sancionar a lei.

Favoreciam assim os infratores, aprovando as ilegalidades, certamente em troca de votos daqueles que estavam fora-da-lei – e que tiveram os seus imóveis irregulares legalizados.

Pois na presente legislatura surge a “Lei Diguerê”, aprovada por unanimidade em segunda e definitiva votação na sessão ordinária dessa terça-feira (26).

De autoria do vereador Rodrigo Alexandre Assis Silva (PTB), que é também relator do projeto, a nova lei autoriza a Prefeitura de Itabira regularizar a invasão de áreas institucionais (áreas verdes) ocupadas irregularmente antes de 22 de dezembro de 2016.

Conforme o próprio edil citou como exemplos na sessão da Câmara da semana passada, ao justificar o promíscuo e imoral projeto de sua autoria e relatoria, serão beneficiados os comerciantes que, no início na década de 1980, invadiram uma faixa de terreno público na avenida das Rosas, área institucional do loteamento que virou bairro Santo Antônio.

Essa faixa invadida correspondente a 5% do bairro Santo Antônio. Foi destinada pelos empreendedores, no início da década de 1980, para regularizar e aprovar o loteamento, com o fim específico de ser destinada como área verde e para instalação de edificações públicas.

Área institucional invadida na avenida das Rosas pode ser vendida pela Prefeitura como prêmio aos infratores da legislação municipal (Foto: Carlos Cruz)

Ignomínia

A invasão ocorreu na margem direita da avenida das Rosas sentido bairro Bela Vista, começando na esquina com a rua das Margaridas até atingir a igreja Batista Central – cujo templo também invadiu parte de área verde do loteamento do bairro São Pedro.

Sem citar esse site Vila de Utopia, o vereador autor desse ignominio projeto de lei que legaliza invasões de áreas públicas, disse que veículos de comunicação da cidade estão desvirtuando o “nobre” objetivo de sua iniciativa, mesmo tendo como propósito legalizar o que é ilegal e imoral, por desrespeitar espaços públicos pertencente ao povo itabirano.

Rodrigo “Diguerê” é autor e relator do projeto de lei que permite a compra direta de áreas institucionais invadidas: um prêmio à ilegalidade (Foto: Carlos Cruz)

“Algumas matérias publicadas em veículos de comunicação estão distorcendo a grandeza do projeto, que não trata somente de casos da avenida das Rosas, mas em toda cidade onde pode haver alguma inconsistência, diferenças topográficas entre o geoprocessamento da prefeitura e uma residência”, tentou justificar o injustificável o autor do projeto.

Foi o próprio Diguerê quem, na sessão legislativa da semana passada, citou as invasões na avenida das Rosas como exemplos de imóveis que podem ser regularizados com a nova lei depois de promulgada, com certeza um “projeto importantíssimo em ano de eleições municipais”.

Com a lei aprovada pelos vereadores – e sendo sancionada (espera-se que o prefeito Marco Antônio Lage a vete, mesmo que depois tenha o seu veto derrubado pelos edis itabiranos, inclusive de sua base de sustentação) – esses felizes proprietários invasores de áreas institucionais poderão adquirir, pela compra direta da Prefeitura de Itabira, esses imóveis invadidos.

Prêmio à ilegalidade

Veja que maravilha: sancionada a lei aprovada pela Câmara, será dado um prêmio à audácia de quem desrespeitou a legislação municipal e invadiu espaços públicos para fins de instalar seus negócios privados.

“É um projeto de grande valia para cidade, não só para um nicho específico”, argumentou o vereador Diguerê, sem enrubescer. “Tem a chancela do secretário da pasta”, argumentou, buscando cumplicidade do executivo municipal.

Se tem mesmo esse aval para tamanha discrepância, o governo municipal estará, como os seus antecessores, mantendo-se conivente com a ilegalidade e com o esbulho de um bem público.

Nesse caso, o Ministério Público de Minas Gerais, Curadoria do Patrimônio, deve agir propondo uma ação civil por malversação e omissão de todos os agentes políticos que aprovaram essa lei estapafúrdia . Estão todos coniventes com esse acinte de legalizar invasões de áreas públicas.

Histórico das invasões na avenida das Rosas

No início da administração do prefeito LI Guerra (1993-96), o jornal O Cometa denunciou as invasões dessa área institucional na avenida das Rosas,

Foi quando a ex-secretária de Serviços Urbanos Priscila Braga Martins da Costa tomou as medidas necessárias para a retirada de um areal com pequena edificação no trecho inicial da área invadida.

Na sequência, o então promotor César Augusto Campos, curador do Patrimônio Público, obteve na Justiça ordem de despejo para impedir a instalação de um posto de gasolina nessa mesma área.

O areal pertencia a José Leite (já falecido), irmão do vereador Tãozinho Leite (Patriota), que agora vota favorável à venda da outra parte invadida desse mesmo terreno público.

E o posto, que não chegou a ser instalado e a funcionar no local, pertencia aos empresários Edilvio Lage Avelar e José Flávio Procópio, que acataram a decisão da justiça.

Nesse trecho desintrusado, anos mais tarde a Prefeitura construiu imóvel que seria destinado à instalação de um restaurante popular, iniciativa do ex-prefeito Damon Lázaro de Sena (2013-16) que o ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-20) abandonou para instalar no local a Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento.

Na mesma área institucional foi retirado um areal e uma estrutura de posto de gasolina que não chegou a funcionar no local, onde hoje está instalada a Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento (Foto: Carlos Cruz)

Sem fiscalização, e com a omissão e prevaricação dos prefeitos posteriores, essa faixa de terra sofreu mais invasões de comerciantes – os mesmos que agora podem ser beneficiados pelo projeto de lei aprovado pela Câmara.

Casuísmo

Para fundamentar o projeto de lei, o vereador Rodrigo “Diguerê” cita legislações municipal e estadual, além da Lei Federal 13.465/17, que institui a Regularização Fundiária Urbana (Reurb).

Trata-se de uma legislação federal editada com o fim específico de assegurar, ainda que em área pública, o direito de moradia à população de baixa renda, o que definitivamente não é o caso dos comerciantes que invadiram essa faixa de terra na avenida das Rosas.

“A regularização fundiária dessa área será com a venda direta pela Prefeitura aos atuais ocupantes”, explica o vereador autor do projeto, aproveitando-se de brecha da Regularização Fundiária de Interesse Específico (Reurb-E), pelo qual o invasor paga pelo imóvel ocupado irregularmente.

O projeto de lei aprovado pelos vereadores é casuístico e tem por objetivo beneficiar esses infratores. Aproveita-se de uma legislação federal sancionada para beneficiar a população hipossuficiente pelo direito à moradia, como está na Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S), atualmente em curso pela atual administração municipal com esse fim específico.

Se a “Lei Diguerê” for sancionada, permitindo a compra direta desses imóveis públicos invadidos por esses comerciantes, as autoridades municipais estarão incentivando novas invasões de mais “áreas verdes” no município.

Se assim acontecer, é o ilícito sendo premiado pelo poder público municipal, um incentivo a novas invasões.

Memória

Deu no Cometa sobre as invasões de áreas públicas na avenida das Rosas

“A Secretaria de Serviços Urbanos ainda não retirou os novos invasores de terenos públicos na avenida das Rosas, uma agência de carros e um depósito de areia, com edificações. Priscila garante que vão sair, mas isso depende do departamento jurídico .

Enquanto isso, a feira livre do produtor, que poderia ser estabelecida em definitivo nessa área invadida, continua em local fétido, sem mínimas condições de conforto para quem compra e para quem vende (O Cometa, maio de 1993).

“A secretária de Serviços Urbanos, Priscila Braga Martins da Costa, garantiu que até a circulação deste periódico, o areal e as edificações existentes no terreno público no início da avenida das Rosas serão retirados.

Quanto às agências de automóveis, que também invadiram o terreno público, encontram-se na procuradoria jurídica para que tome as medidas cabíveis. O que se espera é que tomem providências também em relação às outras invasões nobres no mesmo bairro Santo Antônio. Afinal é uma questão de justiça social. (O Cometa, junho de 1993).

“De forma lenta e gradual, o empresário José Leite segue retirando o areal do terreno público, no início da avenida das Rosas. Segundo Priscila Braga, ele foi intimado a retirar a areia do local, como base no Código de Posturas, e não por se tratar de invasão de área pública.

O advogado Mauro Márcio de Alvarenga, procurador da PMI, disse que a faixa de terreno invadida ao longo da avenida por agências de carros e igreja, é de propriedade do Estado, doado pelo município para que seja construído no local a sede do Centro Regional de Saúde.

Por isso, sustenta que a Prefeitura nada pode fazer. Resta então ao Codema acionar o Ministério Público para coibir as nobres invasões existentes no bairro Santo Antônio, em pleno centro da cidade (O Cometa, julho de 1993).

“De forma lenta e sempre gradual (quase seis meses de lentidão), está sendo retirada a areia depositada ilegalmente em terreno público na avenida das Rosas. O terreno foi doado ao Estado pela Prefeitura, no governo de José Maurício Silva, para construir a sede do Centro Regional de Saúde.

Como o projeto foi abandonado pelo Estado, que disse não fazer mais sentido construir a sede, está passando da hora de a Procuradoria Jurídica da PMI requerer o retorno do terreno ao domínio municipal. Antes que as invasões se tornem irreversíveis.” (O Cometa, agosto de 1993).

“A secretária de Serviços Urbanos, Priscila Braga, garante que já autuou o comerciante José Leite em todos os artigos do Código de Postura, que proíbe o comércio de areia no centro da cidade.

Além de não ter alvará de localização, o comerciante invadiu terreno público no início da avenida das Rosas, onde também construiu um pequeno escritório. De forma lenta e gradual, a areia está sendo retirada e os proprietários do posto, que não chegou a ser instalado, irão retirar a estrutura instalada em área pública.

O promotor César Augusto Campos, curador do Patrimônio Público em Itabira, solicitou à procuradoria jurídica da PMI todas as informações sobre as áreas invadidas ao longo da avenida das Rosas, lado direito de quem sobe, acima do local onde seria instalado o posto de gasolina interditado na Justiça, também a seu pedido.

César Campos deve ingressar com ação pedindo a imediata desocupação das áreas invadidas, algumas delas, como as agências de veículos, com hidrômetros funcionando, apesar de o Saae dizer que a água vem do vizinho. Já o areal foi retirado pela Prefeitura, após inúmeras notificações. O promotor promete agir com rigor que o caso requer e a lei exige. A conferir.” (O Cometa, outubro de 1993).

 

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