Vale pede ao TJMG que suspenda a proibição de negociar individualmente com atingidos pela descaracterização de estruturas no Pontal

Foto: Carlos Cruz

Por meio do escritório do advogado Sérgio Bermudes, a mineradora Vale recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), em 13 de junho, para interpor agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo contra a decisão liminar da juíza Fernanda Chaves Carreira Machado, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira, que, entre outras decisões, determinou que fossem suspensas as negociações individuais com 11 moradores vizinhos da barragem do Pontal.

Esses moradores já são reconhecidamente diretamente atingidos, e querem ser removidos antes mesmo de se ter início, no segundo semestre, a construção de uma segunda estrutura de contenção a jusante (ECJ), apontada pela mineradora como medida preventiva para que se tenha início a descaracterização do dique do Minervino e do cordão Nova Vista, no sistema Pontal.

Esses moradores já estavam negociando a venda de seus imóveis à mineradora. No entanto, no mesmo dia em que a Vale firmou acordo com a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) para dar prosseguimento às negociações com esses primeiros moradores, veio a decisão de primeira instância, proibindo-a de prosseguir com essas negociações individuais.

Vale assina termo de compromisso com a DPMG e já deve dar início à remoção de primeiros moradores da região do Pontal

Justiça decide, em caráter liminar, que Vale deve negociar coletivamente com moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, além de pagar a assessoria técnica independente

A decisão liminar acatou, parcialmente, o que havia sido apresentado na ação civil pública pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), para que fossem privilegiadas as negociações coletivas, com base em critérios estabelecidos em comum acordo.

Teve por base o que dispõe a lei estadual nº 23.795, de 15 de janeiro de 2021, que privilegia a negociação coletiva para não criar situações que podem gerar distorções e privilégios, dividindo os moradores.

Foi também acatado, nessa mesma decisão de primeira instância,  o pedido para que os impactados possam contar, nas negociações coletivas, com consultoria de uma assessoria técnica independente, contratada pelos moradores e paga pela mineradora. Essa contratação é também contestada pela Vale.

Frustração

João Carlos Batista vive atormentado com máquinas pesadas operando quase dentro de seu quintal e quer mudar imediatamente (Foto: Reprodução)

A decisão liminar suspendendo as negociações individuais frustrou os moradores que já vinham negociando os seus imóveis com a mineradora, para que pudessem transferir as suas residências para outras localidades.

Foi o caso do morador João Batista Carlos, que há mais de 30 anos divide parede-meia com o cordão Nova Vista, na rua João Júlio de Oliveira Jota, bairro Bela Vista, sofrendo com os impactos de vizinhança e ambiental decorrentes. “Não é possível”, foi com espanto que ele reagiu à notícia da proibição publicada neste site.]

“Já estávamos contando as horas para concluir as negociações. E vem uma bomba dessa. Quase saí do ar com essa notícia perversa”, escreveu João Batista na postagem deste site.

“O pessoal que está nesse rol inicial de remoção (os 11 proprietários que já vinham negociando com a Vale) são os atingidos diretamente e não têm como esperar. É um caso emergencial”, classificou. “Estávamos totalmente focados em outro lugar, já com residência pré-acertada. E vem isso. Prefiro achar que é pesadelo de noite mal dormida.”

Base legal

O recurso impetrado pela Vale busca, entre outros efeitos suspensivos, reverter a proibição das negociações individuais. Isso para que possam ser retornadas as negociações individuais com os 11 proprietários, cujas moradias já foram identificadas como devendo ser removidas antes mesmo de ter início a construção da segunda ECJ.

Para a construção desse segundo muro, centenas de outros moradores também devem ser removidos. Entretanto, esse número ainda não foi divulgado, o que deve ocorrer ainda neste mês, conforme prazo apresentado pela própria mineradora. É o que tem gerado muitas apreensões e dúvidas entre os moradores dos bairros Nova Vista e Bela Vista.

De acordo com os advogados da Vale, as determinações impostas pela decisão de primeira instância “não possuem o mínimo de embasamento legal ou lógico, o que impõe a concessão do efeito suspensivo previsto no artigo 1.019, I, do Código de Processo Civil.”

Sustentam que a decisão liminar da magistrada é uma “afrontosa violação à lei, à autonomia da vontade e aos princípios colaborativos que regem o processo civil, para que, até a contratação dessa assessoria (que a mineradora também contesta), a Vale se abstenha de finalizar negócios jurídicos individuais com as pessoas impactadas, como se fosse uma imposição da lei.”

Para os advogados da Vale, nem mesmo a propositura da ação civil, com base em danos ambientais, tem base legal. Isso por se tratar de direitos econômicos, e individuais, como uma simples compra e venda de imóveis, sem que se tenha sido comprovado impactos ambientais.

Não é o que os moradores sentem com o impacto de vibrações de máquinas pesadas operando na vizinhança, gerando rachaduras em residências, poeira e poluição sonora.

Assessoria técnica

Os advogados contestam também a obrigatoriedade de a mineradora arcar com os custos de uma assessoria técnica independente, prevista na legislação estadual.

Isso pelo fato, segundo os advogados, de os moradores já estarem assistidos pelo MPMG, que conta com assessoria de empresa técnica independente, e também pelos advogados do DPMG, além de acompanhamento pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e da Agência Nacional de Mineração (ANM).

“Tais auditorias técnicas, verdadeiros fiscais que acompanham em campo todos os passos da Vale no processo de descaracterização, atestam que a agravante (a mineradora) vem atuando de forma adequada.”

Para a defesa da Vale, todas essas proibições acabam por prejudicar os moradores impactados.

“Isso porque, muito embora a lei não imponha o dever de submeter o seu direito à reparação a uma assessoria técnica, os impactados, vários deles inclusive em tratativas avançadas, e sempre acompanhados pela DPMG ou por advogado, terão de aguardar a seleção, contratação e entrada em campo da empresa responsável por desenvolver esse papel para que possam receber a devida reparação por eventuais danos sofridos.”

E conclui: “a decisão agravada, na verdade, causa tudo o que diz pretender evitar: danos às pessoas residentes em áreas próximas ao Sistema Pontal.”

Pelas razões apresentadas no recurso, a Vale espera que o TJMG conceda o efeito suspensivo da sentença de primeira instância, suspendendo-os até o seu julgamento final, para que possa retornar com as negociações individuais com os moradores que terão de ser removidos por força de uma necessidade da empresa de cumprir a lei, que comporta inúmeras e antagônicas interpretações.

 

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