Vale e Prefeitura assinam acordo de cooperação com o projeto Itabira Sustentável para impedir a derrota incomparável com o fim do minério

Carlos Cruz

O prefeito Marco Antônio Lage (PSB) e o diretor de Territórios da mineradora Vale, Marcelo Kleim, assinaram nessa quinta-feira (30), no auditório do UNIFuncesi, um termo de cooperação técnica-financeira para viabilizar os 61 projetos do plano Itabira Sustentável, anunciados como meios de preparar o município para o futuro ainda com a mineração e principalmente para após a exaustão de suas minas.

O plano vem sendo construído desde o início da atual gestão, com auxilio de uma consultoria internacional, a Arcadis, paga pela Vale. Reúne projetos de curto, médio e longo prazo, alguns já implantados, como o apoio da mineradora na aquisição do moderno e atualizado laboratório do curso de Medicina, do UNIFuncesi, além de outros para serem implantados também nas próximas administrações municipais.

Em solenidade à noite, no centro cultural, o prefeito Marco Antônio classificou a assinatura desse termo de cooperação como um momento histórico, “por estabelecer uma linha muito nítida entre o onde estamos e o para aonde queremos ir”

“Estabelecemos normas e diretrizes para projetos que queremos para Itabira no presente e no futuro”, disse Marco Antônio Lage (Fotos: Carlos Cruz)

“O programa Itabira Sustentável estabelece as diretrizes do que queremos para o futuro de nossa cidade, determinando o que faremos para ter de fato uma diversificação econômica no município”, disse o prefeito, em seu pronunciamento na solenidade solene de lançamento dessa plataforma de desenvolvimento econômico, social e cultural.

“Elenca ponto por ponto os atalhos e caminhos para que alcancemos o desenvolvimento econômico com justiça social e o crescimento com distribuição de renda”, afirmou.

Ainda segundo o prefeito, o Itabira Sustentável não é só uma ideia, mas tem tudo para ser um exemplo de como construir uma nova base econômica de sustentabilidade para o município sobreviver e manter a mesma qualidade de vida da população, com geração de emprego e renda, mesmo após a exaustão mineral. “Será um case de sustentabilidade para a mineração”, acredita o prefeito, que é, sobretudo, um crédulo.

Marco Antônio Lage fez questão de frisar a participação da Vale na construção da plataforma Itabira Sustentável. “Tudo o que é apresentado nesta reunião é fruto de uma colaboração produtiva construída com base na compreensão mútua da importância do desenvolvimento sustentável.”

Segundo ele, a Vale custeou a consultoria da Arcadis, considerada fundamental para a elaboração do plano, mas também compartilhou sua experiência e já tem feito investimentos em produtos que estão relacionados na plataforma do programa.

Salientou ainda que todo o arcabouço do programa contou também com a participação de representantes da sociedade civil e de outras empresas privadas, além de participantes do poder público. “Foram reunidos em 15 grupos de trabalho, todos determinados a promover o desenvolvimento equilibrado que respeita as nossas raízes, preserva o meio ambiente e prepara o terreno para um futuro brilhante”, ufanou-se

Disse também que alguns projetos já foram iniciados nesta gestão, enquanto muitos devem ter prosseguimento nas próximas administrações, independentemente do grupo político que assuma o executivo municipal. “Não se trata de um plano de governo, que se esgota ao fim da atual gestão, mas de um caminho perene, com alternativas de curto, médio e longo prazo”, salientou.

Para a sua implementação, foi instituído um comitê gestor composto por representantes do poder público, setor privado e sociedade civil. “Esse comitê será o coração da nossa jornada, impulsionando parcerias, promovendo a cooperação e monitorando constantemente o progresso do plano.”

Citou como exemplo de parcerias possíveis e já em execução a instalação da faculdade de Medicina do UNIFuncesi, a expansão do campus da Unifei Itabira, abrangendo o investimento em infraestrutura e em diversificação dos cursos de graduação, pós-graduação e atividades de pesquisa.

“Nosso compromisso é de reestabelecer a Unifei como instrumento de diversificação econômica, conectada a um sistema de inovação, à incubação e aceleração de empresas, startups e de produção de conhecimento”, reafirmou.

Outro projeto considerado vital para o sucesso da plataforma consiste na instalação de um novo distrito industrial, possivelmente na antiga fazenda Palestina. “Os projetos perpassam pela economia criativa, meio ambiente, mobilidade urbana, habitação, saneamento básico, agroindústria.”

Outro projeto considerado fundamental para a diversificação econômica e transformação de Itabira em polo macrorregional em diferentes setores é o da necessária e urgente duplicação das rodovias MG 129 e 434.

“Estamos avançando no projeto e contamos com apoio do governo de Minas Gerais e da Vale para executar essa obra e encurtar os nossos caminhos”, é o que o prefeito espera e faz gestão para acontecer.

Os projetos do Itabira Sustenável podem ser conferidos no site da Prefeitura.  Acesse. Entenda e acompanhe cada um dos projetos aqui.

Rodovia que liga Itabira à BR-381 foi pavimentada no início da década de 1960 com recursos integralmente alocados pela CVRD. A Vale deveria fazer o mesmo com a necessária duplicação, afinal ela é a maior usuária dessa via de acesso às minas de Itabira (Foto: Acervo Ceomar Santos/ViladeUtopia)

Análise necessária

Esse não é o primeiro projeto de diversificação da economia itabirana lançado pela Prefeitura de Itabira em parceria com a mineradora Vale.

Quem acompanha a relação da Vale com Itabira já deve ter observado – e tem muitas histórias a contar – que, mesmo quando se têm amarras legais, como as condicionantes da LOC, muitas delas ainda por realizar, a exemplo da água, que só deve ser cumprida em 2026 com o TAC do rio Tanque, firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), historicamente esses acordos de cooperação técnica e econômica não têm sido cumpridos.

É o que ocorreu também com outros compromissos, imprescindíveis para a sustentabilidade do município, como o que a própria empresa assumiu em seu house-organ, de que deixaria para Itabira o legado das águas subterrâneas do aquífero Cauê assim que exaurissem as Minas do Meio.

A exaustão de muitas dessas minas já é realidade desde 2016. E já não se fala mais nesse legado, uma vez que novos dirigentes da Vale já decidiram que as cavas exauridas serão ocupadas por rejeitos e material estéril de minério, inviabilizando a disponibilidade dessa água de classe especial à população itabirana e para atração de novas indústrias que demandam esse insumo.

É fato histórico que a Vale, ao praticamente monopolizar as outorgas de água superficial e subterrânea, atrasou o processo de diversificação da economia local.

Não bastasse isso, desmantelou a nascente indústria itabirana, inviabilizando a continuidade das fábricas de tecidos Pedreira e Gabiroba, que ficaram sem água para gerar energia mecânica e tocar os teares, como também inibiu as históricas forjas e fábricas de implementos, como a do Jirau que, segundo se conta, fabricou armas de fogo para o genocídio do Paraguai (1864-70).

Em seu livro Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira, o professor Clélio Campolina Diniz, ex-reitor da UFMG, compara a diversificada economia de Itabira, na década de 1930, portanto pré-Vale, com a pujante economia de Juiz de Fora, na época chamada de a Manchester mineira, ambas praticamente no mesmo nível de diversificação e pujança.

– Itabira, onde estão as tuas trinta fábricas de ferro do tempo do barão de Eschwege, com seus cadinhos dotados de trompas e martelos hidráulicos, os seus fornos e as suas oficinas de armeiro, que antecederam e suplantaram em eficiência a real fábrica do Morro do Pilar?”, perguntou Carlos Drummond de Andrade na crônica Vila de Utopia, ainda sem resposta.

Publico acompanhou a apresentação do projeto Itabira Sustentável no centro cultural

Governança ambiental e social

Pois bem, se a Vale está mesmo preocupada com a sustentabilidade atual e futura de Itabira, em consonância com a sua agenda ESG e com o seu Novo Pacto com a Sociedade, tendo criado inclusive uma diretoria executiva para o tema Sustentabilidade, é hora de cumprir de fato, e não de ficção, o que foi pactuado com o prefeito Marco Antônio Lage (PSB).

Há quem assegure que não há como se falar em sustentabilidade em mineração, pois com a exaustão, não tem como assegurar as riquezas atuais para as gerações futuras,

São 61 projetos do Itabira Sustentável considerados imprescindíveis para o município se preparar para o futuro pós-mineração – uma repetição mais bem elaborada, abrangente e complexa do que foi o plano de diversificação econômica da Fundação João Pinheiro, também custeado pela Vale.

Esse plano foi também apresentado com todas as pompas e circunstâncias no início dos anos 1980, na administração do ex-prefeito Jairo Magalhães – e teve como resultado um distrito industrial mal localizado acima do manancial da Pureza – e que atualmente gera praticamente o mesmo número de empregos iniciais.

Outro exemplo histórico do fiasco dessa parceria com a Vale é o projeto Itabira 2025, lançado pela Acita no início dos anos 1990, da mesma forma com patrocínio – ou promessa de patrocínio da mineradora, que também deu em nada: as finanças da Prefeitura e a própria economia do município continuam direta e indiretamente dependente em mais de 80% da mineração.

Valor não divulgado

Além de cumprir o que está contido nesses projetos, sem se ter ainda nem mesmo um valor projetado de recursos que deverão ser alocados pela Vale nos projetos do Itabira Sustentável, é preciso que a mineradora apresente provas de que a sua política de governança está mesmo compromissada com o meio ambiente e desenvolvimento social.

E que o protocolo de cooperação é mesmo para valer, não servindo apenas para o mercado achar que a empresa tem compromisso com a sustentabilidade.

Daí que é hora também de a Vale informar à sociedade itabirana o conteúdo das respostas que apresentou, em 2021, à Agência Nacional de Mineração (ANM), para que fosse revalidada a licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira.

Nesse relatório circunstanciado para dar continuidade à exploração mineral em Itabira, a Vale apresentou à ANM todas as suas reservas e recursos existentes nas minas e nas barragens do maior complexo minerador de Minas Gerais, onde a empresa extraiu as primeiras toneladas de minério de ferro, antes de se tornar uma das maiores multinacionais de mineração do mundo.

O relatório com as respostas foi uma exigência da agência reguladora para revalidar a licença operacional do chamado Grupamento Mineiro de Itabira, com base no novo plano de aproveitamento econômico apresentado pela mineradora.

A ANM indagou se haverá necessidade de remoção de moradores para a continuidade e expansão das minas, assim como quis saber se já está sendo reaproveitado o rejeito de minério de ferro de suas barragens,  como indaga se há ainda há ouro incrustrado nos itabiritos, assim como na grota do Minervino, na barragem Pontal.

São informações que o município também precisa saber até mesmo para subsidiar as ações e os projetos do Itabira Sustentável, com informações mais precisas sobre o horizonte de exaustão de suas minas, com dados mais abrangentes que os constantes nos relatórios Form-20, que anualmente a mineradora apresenta à Bolsa de Nova Iorque, nos Estados Unidos, cujo horizonte de exaustão tem sido alterado ano a ano.

Saiba mais também aqui:  

ANM pede informações à Vale sobre o complexo de Itabira antes de aprovar novo plano de aproveitamento econômico de suas reservas

Outra informação imprescindível diz respeito ao Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), que a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria, outra empresa de consultoria internacional, elaborou para quando se encerrasse a extração de minério de ferro no distrito ferrífero

Nesse plano, consta a proposta do Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap.

O documento apresentado ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), e possivelmente também ao mercado, exceto para Itabira, faz referência à política já em curso de tornar o município polo macrorregional em saúde, com a diversificação e fortalecimento do setor de atendimento médico-hospitalar-farmacêutico. Daí que prevê também a construção de um novo hospital para a cidade.

Saiba mais também aqui:

Vale já prepara, pelo menos desde 2013, o Plano de Fechamento das Minas de Itabira

Cultivo de plantas medicinais e novo hospital constam, em 2013, do Plano de Descomissionamento das Minas de Itabira

Resposta evasiva

O diretor da Vale, Marcelo Kleim, reconhece que sempre é recomendável buscar a transparência nessa relação empresa/cidade minerada

Perguntado pela reportagem deste site se, numa demonstração de que é mesmo para valer a agenda ESG e o Novo Pacto com a Sociedade, assumiria o compromisso de divulgar o relatório encaminhado à ANM para aprovar o novo plano econômico de aproveitamento do que resta das minas de Itabira, assim como tornar público todos os planos já elaborados para o encerramento da extração mineral em Itabira, o diretor-geral de Territórios, Marcelo Kleim, esquivou-se.

Isso depois de o diretor regional de Territórios, Luiz Henrique Medeiros, dizer que a pergunta formulada por este repórter fugia da pauta da coletiva de imprensa, desconhecendo por certo o quanto os conteúdos desses documentos são imprescindíveis para nortear o presente e o futuro econômico e social de todos que vivem e trabalham em Itabira.

Marcelo Kleim não se comprometeu com a divulgação desses documentos. “Eu não tenho conhecimento desses planos de fechamento, tenho que obter informações, por isso não posso comentar agora.”

Entretanto, o diretor da Vale reconhece que a relação empresa/cidade minerada de ve ser de respeito. “É sempre recomendável buscar a transparência”, disse ele, reconhecendo o fato de historicamente a cidade ter vivido expectativas que não foram adiante.

“O prefeito assim que assumiu deixou isso de forma clara, pois estamos aproximando do fim das minas daqui a dez, 20 anos e é preciso ter uma forma clara para discutir a viabilidade desses projetos e assim garantir a saúde (financeira) da cidade após a mineração”, reconheceu.

“A estruturação de todos esses projetos é algo complexo e multidisciplinar. Exige a articulação de vários setores, com estudos de viabilidades econômicas para a cidade, com recursos não só da Vale, mas também do setor público e de outros setores privados para mudar a realidade na cidade. Isso tudo vai acontecer com o Itabira Sustentável”, reforçou o diretor da Vale.

 Mudanças no alto escalão

É certo, como se tem visto historicamente, que a direção da Vale está sempre mudando num clássico turnover de cúpula,  seja pela mudança do governo federal pois, mesmo privatizada, a União ainda é grande acionista da multinacional mineradora, ou mesmo pelo fim do mandato de seus executivos, como ocorrerá em março de 2024, quando haverá a substituição do presidente Eduardo Bartolomeo e dos demais membros da diretoria-executiva que assumiram os seus respectivos cargos em março de 2021.

Com as mudanças na alta direção da empresa, não raro, como se observa historicamente, passa-se uma borracha em muitos acordos firmados.

O ex-quase minerador Aníbal Moura, que em vida foi um crítico contumaz da Vale, recomendava aos prefeitos de Itabira, sempre que a mineradora se comprometia com algum benefício para o município, que pegassem as assinaturas e corressem ao cartório para registrar o documento.

Mesmo assim, não haveria garantia de que seria cumprido, dizia Aníbal Moura, sempre cismando com a derrota incomparável, a exemplo do ex-presidente da Câmara Municipal, e por consequência, como ocorria em sua época, prefeito desta urbe (1869/72), Antonio Alves de Araújo, o Tutu Caramujo, personagem histórico itabirano imortalizado no poema “Itabira”, de Carlos Drummond de Andrade.

É o que o prefeito Marco Antônio Lage deveria fazer, registrando em cartório o termo de cooperação técnica e financeira para viabilizar os projetos do Itabira Sustentável.

E que a Vale, como parte de sua estratégia rumo a uma empresa carbono neutra até 2050, comece desde já dar início à reabilitação de áreas mineradas em Itabira, implementando o que já pode ter início do plano de fechamento de minas, como parte das metas de recuperação e conservação de 500 mil hectares adicionais de florestas até 2030.

A reabilitação de áreas mineradas, inclusive dos diques descaracterizados e pilhas estáveis, reduz a emissão de poeira, melhora a paisagem, reduz a pegada de carbono no complexo minerador de Itabira, com redução da emissão de gás carbônico na atmosfera. Portanto, é para ser feito aqui e agora.

É o mínimo que se espera desde já, como compromisso presente e futuro para que Itabira não vire uma cidade fantasma com o fim da mineração, sabe-se lá quando.

O que se sabe é que a Vale não é boba de abandonar como sucata metálica todo o complexo minerador de Itabira.

Se as autoridades não cobrarem a execução do que está no Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira, a Vale vai continuar daqui a muitos anos extraindo menos de 2 milhões de toneladas ano de itabiritos por ano do que restar em Itabira.

Isso enquanto concentra em suas usinas minérios de outras cidades, sem implementar o que está em seu plano de fechamento das minas locais, com o risco de Itabira ficar com uma parcela pequena de Cfem, muito pouco do ICMS calculado pelo Valor Adicionado Fiscal, que seré insignificante com a produção local cada vez mais em baixa.

 

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