Vale diz recircular 80% da água que consome e não para mesmo com Santana perdendo vazão com a crise hídrica severa em Itabira
Fotos: Carlos Cruz
Com a crise hídrica severa que Itabira e o país vivem, surgiram especulações de que a mineradora Vale poderia parar parte de suas operações de beneficiamento de minério, principalmente na usina Cauê.
Isso pela queda forte do nível de água em uma de suas principais fontes de abastecimento, que é a barragem de Santana, que está no nível mais baixo desde que foi instalada na década de 1970 para esse fim – e também para conter “finos” de minério que escorriam pelo rio Jirau, chegando até Santa Maria.
Procurada pela reportagem, a Vale simplesmente ignorou a pergunta sobre a possibilidade de paralisar uma de suas usinas, no caso, Cauê, ou mesmo diminuir o ritmo de produção pela escassez hídrica de Santana. Leia a resposta:
“A Vale adota medidas para operar de forma sustentável em Itabira. Cerca de 80% da água utilizada no processo de beneficiamento de minério de ferro, no Complexo Itabira, é recirculada/reutilizada.”
“A companhia reafirma o seu compromisso com o município e tem direcionado todos os esforços no apoio do enfrentamento da crise hídrica.”
Desde agosto de 2020, a empresa vem cumprindo compromisso assinado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) para fornecimento de 160 l /s de água.”
“Devido ao período de seca severa, atualmente, a Vale aumentou mais 25 l/s no volume médio de água fornecido, proveniente de poços internos.”
Sem outras respostas
A reportagem quis saber também sobre o volume de água nova consumido no complexo de Itabira, discriminando quais são as fontes superficiais e subterrâneas (aquíferos), mas ficou também sem resposta. É como se a empresa dissesse: “não temos que dar satisfação”.
A mineradora também não respondeu como estão os níveis de água das barragens que abastecem as usinas Cauê e Conceição. Como não respondeu qual é o volume de água reutilizada pelo circuito interno.
A reportagem apurou que no sistema Conceição a água ainda é abundante, como se observa pelo córrego homônimo e também pelos vertedouros das barragens Itabiruçu e Rio de Peixe.
Água de beber e de minerar
Sobre os recursos hídricos disponibilizados para a mineração, documento do Saae, que embasou o projeto de captação de água no rio Tanque, inicialmente proposto pela administração municipal passada para ocorrer por meio de parceria público-privada, com o consumidor pagando a conta com aumento da tarifa entre 25% e 30%, informa o seguinte:
“Em conjunto, as minas do Distrito Ferrífero de Itabira requerem a extração de aproximadamente 1.100 litros de água por segundo (l/s) do aquífero Cauê para que haja o rebaixamento permanente e progressivo das águas subterrâneas, o que permite a viabilização das lavras.”
“Por sua vez, os poços do Saae (nas Três Fontes, que abastecem os bairros Pará e Centro) extraem do aquífero Piracicaba uma vazão total de aproximadamente 110 l/s”, conforme estudo realizado pelo consórcio de empresas Brant Meio Ambiente, O&M Engenharia e VOGBR Recursos Hídricos & Engenharia, com dados apurados com base em monitoramento da Agência Nacional de Água (ANA).
Portanto, esse é o dado que se tem sobre o volume de água utilizada pela mineração proveniente apenas dos aquíferos, assim captados: mina Conceição, 303,5 l/s; Cauê, 240,3 l/s; Minas do Meio, 227,3 l/s; Dois Córregos 106,7 l/s; Periquito, 221 l/s, totalizando 1.098,7 l/s.
Esse volume se refere a água nova, sem contar o volume captado das fontes superficiais e da água que é recirculada.
Ou seja, só de água captada dos aquíferos a mineração utiliza mais de duas vezes e meia o que é consumido na cidade de Itabira, considerando a capacidade de 400 l/s dos sistemas de abastecimento operados pelo Saae.
Prioridades
A legislação brasileira, em especial a Lei nº 9.433/1997, conhecida como a Lei das Águas, estabelece como prioridade no uso dos recursos hídricos em primeiro lugar o consumo humano, seguido da dessedentação de animais, para que todos tenham acesso à água necessária para as suas sobrevivências.
Somente após atendidas essas prioridades é que vêm o atendimento à indústria e outros empregos com fins econômicos. Na verdade, deveria ser assim, mas em Itabira acontece o inverso, a prioridade é a indústria da mineração.
Pois foi com base nessa legislação que prioriza o consumo humano, como também fundamentado em outros quesitos, como o quase monopólio das outorgas à mineração, que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) propôs e a Vale se viu obrigada a se comprometer com as ações compensatórias por tantas perdas relacionadas nos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) do rio Tanque e subsequentes.
Por esses TACs, enquanto não for concluído o projeto de transposição de água do rio Tanque, agora no volume de 600 l/s, cujo custo será arcado pela Vale, a empresa terá de fornecer ao Saae 160 l/s, entre águas bruta e tratada, captadas de suas outorgas. A conclusão dessa transposição só deve ocorrer a partir de 2026.
Com a crise severa, e para aumentar o reforço necessário para mitigar a escassez de água na cidade de Itabira, a Vale acertou com a autarquia o fornecimento de mais de 25 l/s, captados também de suas outorgas de água nas minas, de poços profundos.
Deveria ter de arcar também com os custos da contratação de caminhões-tanque para emergencialmente o Saae captar água no rio Tanque, cuja transposição foi adiada indefinidamente, para o reforço da Estação de Tratamento de Água (ETA) Gatos.
Pois é em cumprimento da legislação, e dos TACs, como também da sustentabilidade e razoabilidade que esse reforços estão sendo fornecidos pela Vale, não se trata de concessão ou dádiva da mineradora.
Não dá para aceitar, à guisa da legislação, que se tenha água em abundância disponível para a mineração, enquanto em muitos bairros a população fica sem água jorrando nas torneiras de suas residências.
Como não se pode deixar de seguir vazão mínima de água saindo de suas barragens para os cursos d’água a jusante. Isso para que não falte água para a dessedentação de animais, sobretudo os domésticos que ficam confinados às margens desses cursos d’água.
Água é insumo imprescindível na mineração
A água é imprescindível à mineração, empregada principalmente na concentração/beneficiamento de itabiritos, no caso de Itabira, na produção basicamente de pellets-feed.
A água é utilizada também como meio de transporte da polpa de minério (mistura de água e minério), durante as diferentes etapas do beneficiamento.
Tanto é imprescindível que a mineradora detém as principais outorgas de águas subterrâneas e superficiais nas encostas da Serra do Esmeril, deixando “sobras” para abastecer a cidade.
Isso é o que ocorre historicamente em Itabira desde o início da exploração de minério de ferro em larga escala, em 1942. E em escala maior a partir da década de 1970, com a instalação das usinas de concentração Cauê e Conceição, quando foi inaugurado o segundo ciclo tecnológico da mineração no complexo minerador local.
O insumo é também imprescindível nos processos de flotação (separação de partículas sólidas do líquido) e na concentração magnética – a água é empregada para separar o ferro do rejeito. É assim empregada para “lavar” o minério de ferro, livrando-o das “impurezas”.
A água é utilizada para diminuir a poeira nas vias de acesso às minas, uma medida de segurança, assim como é também pela diminuir a emissão de particulados contendo ferro e silica de suas minas para a cidade.
Para esse mesmo fim de conter poeira, a água é utilizada na aplicação de polímeros, um material empregado na aspersão de pilhas e áreas descobertas sem vegetação, formando uma película que impede o arraste de poeira.
Com a crise hídrica severa, surgem especulações de que a produção em Itabira, principalmente na usina Cauê, poderia ser paralisada dada a pequena vazão dos principais mananciais, inclusive subterrâneos, como se observa também na barragem de Santana.
Mas isso não é confirmado pela mineradora Vale, que segue com volume de água suficiente para o processo de concentração de pellets-feed.
Toda barragem de mineração é sumidouro de água. Basta ver a legislação sobre o tema.
Em Minas Gerais, o grande usuário é obrigado a devolver ao rio entre 50 a 70% do período de sete dias seguidos em que ocorreu a menor vazão de água daquele trecho nos últimos 10 anos (Q7/10). Significa que essas “empresas” têm o direito de não devolver nada do que acumulam nas barragens pros rios.
Não bastando isso, a base de cálculo é a área de drenagem hídrica a montante do ponto de barramento. Ou seja. uma área bem inferior em tamanho do que a das fontes de águas captadas para servir à mina e suas estruturas, que normalmente abrangem áreas e volumes de água muito maiores. Basta ver os cursos de água que desaguam, por exemplo, nos córregos que desaguam nas barragens Itabiruçu, Pontal ou Conceição, em Itabira e ver a abrangência da mina e os lugares onde ela busca ou quer buscar água (a exemplo do rio do Tanque).
A maior parte dessas águas vai parar na planta de beneficiamento que as despeja nos reservatórios de rejeitos, ou de rejeitos e água. A mineradora então recircula a água em benefício próprio. Ou seja, não devolve as águas para os rios. Na época das chuvas, isso não é problema, mas na época de estiagem, quando a produção aumenta aproveitando-se da falta das chuvas, falta água para a natureza, as criações e os habitantes da região.
Simples assim. Furto de água com aval do Estado, da Semad, do Igam etc etc.